Se alguém afirmar que durante um acesso de loucura não sabe o que fez, ou está a dizer tolices, ou está a mentir. Eu sabia perfeitamente o que estava a fazer e nem por um momento deixei de estar consciente do acto que cometia. Quanto maior era essa fúria, mais forte era a luz que iluminava a minha consciência, alumiando cada recanto da minha alma, obrigando-me a assistir a tudo o que fazia. Também não posso afirmar que sabia o que iria fazer de antemão; mas penso que uns segundos antes de cometer fosse o que fosse me era dada a opção de escolha, para que ainda me pudesse arrepender e, assim, a decisão tinha sido minha. No meu caso, eu sabia que lhe tinha cravado o punhal no corpo. Sabia que estava a cometer um acto horrível, algo que nunca fizera antes e que iria ter consequências gravíssimas. Mas esse estado de consciência durou apenas uns instantes, como a luz de um relâmpago na escuridão. A consciência do acto e da sua natureza era dolorosamente nítida. Ainda me lembro da leve resistência oferecida pelo espartilho, e o atravessar do punhal pelo seu corpo suave. Ela ainda agarrou o punhal com ambas as mãos, mas sem sucesso, apenas fazendo com que também estas ficassem feridas.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
quinta-feira, agosto 09, 2007
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