Como já lhe disse, abandonámos o campo e fomos viver para a cidade. Numa cidade as pessoas infelizes respiram mais facilmente do que no campo. Um homem pode viver anos e anos numa cidade e não se aperceber de que já morreu e apodreceu há muito tempo. Não arranja tempo para se divertir; está sempre atarefado; são os afazeres e deveres sociais, as artes, a sua saúde e a dos filhos, cuidar da educação destes; tem de receber estas e aquelas visitas, vendo-se obrigado a retribuir as mesmas, visitando assim amigos e conhecidos. Uma cidade tem sempre uma ou duas celebridades, e é absolutamente imprescindível tirar algum partido da sua presença. [...] A sua vida é uma verdadeira fraude. E era assim que vivíamos, estando menos susceptíveis ao sofrimento causado pela comunicação diária.
[...]
A minha mulher tinha melhorado visivelmente; estava cada vez mais atraente, com uma beleza amadurecida. Ela própria sentia isso, e agora cuidava muito mais da sua aparência. A sua beleza era provocante e perturbadora; era idêntica à de uma mulher de trinta anos bonita e saudável que já deixou para trás os trabalhos e as responsabilidades da maternidade. Por onde quer que passasse tinha a consciência de que os olhares masculinos se viravam na sua direccção, hipnotizados. Parecia uma égua, bem alimentada e voluptuosa, que tinha estado presa no estábulo e à qual tinham subitamente retirado o freio. Não havia qualquer tipo de jugo que refreasse noventa por cento das nossas mulheres. Ao sentir isto fiquei estarrecido de horror.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
sábado, agosto 04, 2007
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