quarta-feira, agosto 25, 2010

a felicidade é acordar com lágrimas nos olhos.

porque sei a nona, e este andamento específico, praticamente de cor (as partes cantadas sei de cor, mesmo), e acordar na rdp2 tem destas prendas de vez em quando. e ir ouvindo e curtindo. e às tantas perceber um gatinho no texto, o que é que eles estão a cantar, não estão a dizer Freude, estão a dizer... Freiheit!

e ainda antes de saber o que era — a informação estava lá nos arquivos, mas muito ao fundinho —o coração dispara com a beleza daquele grito coral. em vez de Alegria, Liberdade. um mês antes, o muro começara a cair. Deine Zauber binden wieder was die Mode streng getheilt, alle Menschen werden Brüder, wo dein sanfter Flügel weitl. Freiheit schöner Götterfunken.






... e seguiram-se dez minutos de aplausos.

Somos todos ciganos.

Quanto tempo até percebermos o que está à frente dos nossos olhos?

harvest moon.

terça-feira, agosto 24, 2010

o cavalo

(este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. ele está muito acima de mim. humildemente tentei escrevê-lo. eu sou mais forte que eu. C.L.)


Depois foi fácil telefonar para Ulisses e dizer-lhe que mudara de ideia e que podia ir esperá-la ao bar. Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer melhor, já que a ferida estava aberta. Mas doía de mais mexer-se nesse sentido. Então preferiu apaziguar-se e planejou que, no táxi, pensaria no nariz recto de Ulisses, na sua cara marcada pela aprendizagem lenta da vida, nos seus lábios que ela jamais beijara.

Só que ela não queria ir de mãos vazias. E assim como se lhe levasse uma flor, ela escreveu num papel algumas palavras que lhe dessem prazer: "Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem — pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela — apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é húmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

Ela sorriu. Ulisses ia gostar, ia pensar que o cavalo era ela própria. Era?



Clarice Lispector, in Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

segunda-feira, agosto 23, 2010

via sacra



Espiritualidade. É do que se trata aqui. Confúcio, vai-te catar! Bagavadguitá? Deves... Kierkgaard, és um amador. Isto é que é. Que senhora tão bonita. Vamos ajoelhar-nos e dizer palavras que não percebemos para enganar a fome. Olha, passa aí esse cogumelo...




Saudável não quero ser apanhada. Se melhorar quero-a outra vez. Se isto fosse um painel de uma seita qualquer, já estavam presos. Isto é doentio, abusivo e um incitamento ao suicídio infantil. Sem ponta de vergonha na cara. Os abusos infantis não são de ontem nem apenas sexuais.




E os números. Reflexo da "Mensagem de Fátima" no mundo. E agarrar na caneta e escrever no livro de visitantes: Os números apresentados como a Mensagem de Fátima, fazem-se pensar nas áreas de serviço como manifestações da Mensagem da Galp. É vergonhoso brincar e manipular assim a espiritualidade de milhares de pessoas, nomeadamente de crianças. Se Cristo descesse à Terra começaria por expulsar-vos do Templo.

Só depois me apercebi que este seria o discurso de um evangélico, e assim terá parecido se alguém lhe passou os olhos por cima. Coisa que eu não sou, evangélica ou cristã, pelo menos não no sentido confessional do cristianismo. Mesmo assim, tremi ao escrever e estava no meu direito, e esqueci-me de assinar. Prova do profundo que está enterrado o mal feito por esta multinacional tentacular, nem os ateus se escapam. Ou citando o RAP, eu sinto muita culpa, e a culpa é deles.

blue blessed skies.

férias de fazer nada, depois de um ano de tudo. água, serra, uma égua grande e meiga. e a tentação ali ao lado. vá, 'bora lá, vamos a Fátima.

pois...

segue o resultado. quase que tive de ser arrastada de lá para fora, antes que batesse em algum dos pais que mostravam às suas crianças como ser santo é ser ignorante, passar fome e querer morrer. só um cego olha as fotos daquelas crianças e não percebe que o céu que sonhavam tinha de ser uma coisa melhor. só podia ser uma coisa melhor. o abuso infantil é na ICAR algo espontâneo, e tão eficaz que na altura no país inteiro morto de fome física e mental, se multiplicavam as visões. foi uma espécie de bazar, os santos homens de saia tiveram uma abençoada escolha. foram estes, Francisco e Jacinta, talvez porque com a outra que morreu anafadinha e no quentinho faziam a conta que deus fez. talvez apenas porque sim. sempre achei que o terceiro segredo era que os dois primeiros eram mentira. agora começo a achar que temos todos o terceiro segredo cá dentro, no recanto mais escuro e mais sujo.




o joelhódromo da Cova da Iria
Agosto de 2010

quinta-feira, agosto 12, 2010

al aire

para a serra, ala. das serras ainda poupadas pelo fogo... lá para cima há mais para arder.

mas para não pensarmos demais em coisas tristes (fui eu que disse esta frase? fui. hoje não me apetece laborar sobre isto), deixo-vos com o rei das portas do sol. não fosse o vento, e seria perfeito. o momento em que a coisa fica assim um bocado mais tremida deve-se a uma explosão do riso contido: por volta do minuto de filme já me corriam lágrimas dos olhos e os soluços de riso estavam verdadeiramente difíceis de controlar. no fim dei-lhe um euro, claro, era o mínimo.

quem quiser que aproveite e faça um pps para mandar aos amigos a dizer que se não o passarem a dez pessoas vão morrer afogados no Tejo.


Portas do Sol, Lisboa
Agosto de 2010

segunda-feira, agosto 09, 2010

variações sobre a estática

pela primeira vez em anos, perna de fora e calor. variações sobre a estática, seis laptops, vídeo e depois uns instrumentos primitivos cá à frente. som no espaço, o electro e o acoustic, pensei bem, acho que nenhum ganhou. ou os dois. o mcferrin do clarinete baixo, o poder do colectivo que ouve só um porque se ouvem todos. as cordas, bom, pu-las um bocado fora do meu campo. estavam irritantes ou eu estava irritável. não, estavam irritantes. eu estava num qualquer espaço de conforto entre o calor e a estática. e a lua nova.


Evan Parker E-A Ensemble, Agosto 2010
trompete—Peter Evans
shô—Ko Ishikawa

domingo, agosto 08, 2010

sexta-feira, agosto 06, 2010

eden itself.

janela sobre a palavra/2

A letra A tem as pernas abertas.
A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.
A O, círculo fechado, asfixia.
A R está evidentemente grávida.
Todas as letras da palavra AMOR são perigosas — comprova Romy Diáz-Perera.
Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.


Eduardo Galeano, Mulheres

quinta-feira, agosto 05, 2010

e eu para aqui a pensar...

... que há muitas formas de se lidar com a coisa. e que algumas se forçam. por exemplo, não enfrentar o agressor e ir agredir para outro lado e depois recusar a culpa e dizer para si, avancei. é a entrada no círculo negro e a recusa da consciência. às vezes é irreversível.

... outra é escolher demasiado os oponentes. e fazer da cobardia uma sublimação da inteligência, em vez de apurar a estratégia. eu escolho os meus mestres. os oponentes às vezes escolhem-me a mim.

... outra é dizer que a estratégia é maligna e preferir o martírio que alimenta o mal em volta.

...



deve haver mais. nenhuma final ou corredia. mas mais.



Consolação, São Paulo
Julho de 2010

quarta-feira, agosto 04, 2010

bom dia!

Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-lhe ele nessa altura Luiz
decerto fui com Ísis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco-íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos

Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais rimará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores da morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhes como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal


Mário Cesariny de Vasconcelos, A voz numa pedra

you ain't foolin' nobody with the lights out!




de todas, diz que sou esta. não me espanta. vá, agrada-me. ainda me agradará mais comprar os bilhetes para novembro. nothin's hid, from us kids!

terça-feira, agosto 03, 2010

fica um furo,

um furinho só por onde passa o vento e o vento levantou-se hoje sem ti. fica a janela fechada porque o calor desapareceu e de repente não está o fundo daquela respiração no ouvido a mascarar os autocarros da madrugada. fica espaço. mais espaço mais gatos. quando vais é quando mais ficas.

hoje fui ver como se toca o ar.