quarta-feira, outubro 31, 2007

ratoeira

Duas semanas de vida na aldeia urbana da Batalha, dois minutos a pé até aos trabalhos, horários distendidos, dias grandes e cheios, e de repente, podre de uma viagem de comboio, mais uma noite mal dormida e uma semana intensa, vejo-me atirada para o mar metropolitano que se atropela, que bloqueia as portas e estupidamente encrava qualquer fluidez de movimento, que fuçanga e consegue mover-se entre centenas de pessoas em torvelinho como se estivesse em casa, como se estivesse só no mundo. Mais umas inesperadas baforadas de tabaco numa curva do cais da Alameda, sempre a calhar, mais uma tarde de estúdio com as máquinas todas a falhar, e olha que está a distorcer, ai que não oiço bem, sobe o som guia, baixa o retorno, cuidado com a boca desse dinossauro, merda, parece que deitei fora o take errado, aaaaaaAAAAAAARGH!!! E chegar completamente exausta ao desejado reencontro no Paraíso, fazer a aula possível com a ajuda de um croissant com chocolate da Bénard, escapar-me a assistir ao ensaio, e mais um bocadinho de inferno metropolitano, e finalmente o fim, os bichos, o puto, as línguas desatadas pelo cansaço e por quinze dias de distância. Respiro, agora. Mas a cidade hoje esteve assim, uma ode aos ratos.

Ode Aos Ratos.wma

domingo, outubro 28, 2007

se o teatro é a arte da mentira...

... por que razão são as vossas lágrimas tão verdadeiras?


A tua pequena dor
quase nem sequer te dói
é só um ligeiro ardor
que não mata, mas que mói

é uma dor pequenina
quase como se não fosse
é como a tangerina
tem um sumo agridoce

de onde vem essa dor
se a causa não se vê
se não é por desamor
então, é uma dor de quê?

Não exponhas essa dor
é preciosa, é só tua
não a mostres, tem pudor
é o lado oculto da lua

não é vício nem costume
deve ser inquietação
não há nada que a arrume
dentro do teu coração

talvez seja a dor de ser
só a sente quem a tem
ou será a dor de ver
a dor de ir mais além?

Certo é ser a dor de quem
não se dá por satisfeito
não a mates, guarda-a bem guardada
no fundo do peito.


Carlos Tê

sábado, outubro 27, 2007

is mankind evolving, or is it too late?...

The Meaning of Lif...


What's the point of all this hoax?
Is it the chicken and the egg time? Are we just yolks? Or, perhaps, we're just one of God's little jokes.
Well, ça c'est the meaning of life...

tradutore, traditore... mas também não é preciso exagerar

ou
um post venenoso


Sobre Richard Dawkins já aqui escrevi. E sobretudo na caixa de comentários, graças ao pequeno simpósio que me proporcionou o MPR. Serve este post apenas para desabafar as minhas mágoas de tradutora intermitente e mal-paga: A Desilusão de Deus, senhores? Mas um tradutor de inglês não devia saber que a palavra "delusion" está muito mais próxima de alucinação, donde, ilusão? É obra, começar logo por traduzir o título com a imagem directamente oposta à escolhida pelo autor. Uma coisa agradeço ao tradutor, seja quem for: nem preciso de pensar duas vezes para me decidir a comprar a versão original e ler o que Dawkins realmente escreveu.


Isto lembrou-me um delicioso mito urbano-literário que me contaram há uns anos: diz-se que Milan Kundera ficou em estado de choque ao conhecer o tradutor das suas obras para francês. Verdadeiro médium dos afectos, o dito confessou ao autor que não percebia lá muito de checo, por isso traduzia com o coração. A ele devem os franceses terem ganho um belo autor francófono, já que aí terá Kundera decidido passar a escrever em francês. Olha a sorte do António Damásio, hã?

divergências significantes: o amor

Os meus miúdos arrasaram com a sala inóspita do Coliseu do Porto. Contra o tempo e contra as leis de Murphy. E depois da luminosa energia que mais uma vez me entregaram, a mim e a mais umas quantas centenas de almas, só posso recorrer às palavras do autor... haverá gente informada, se é amor isto que sinto.


O people da inbicta tem mais dois dias para aproveitar o curso de introdução à nobre arte de ser cabeça no ar. Só para depois não dizerem que não avisei.

quarta-feira, outubro 24, 2007

tudo pela arte, mas arte assim, com minúscula

Según supe el perro murió al día siguiente por falta de comida. Durante la inauguración supe que el perro fue perseguido por la tarde entre las casas de aluminio y cartón de un barrio de Managua con nombre de santo que Habacuc no pudo precisar en el momento. 5 niños de los que ayudaron en la captura recibieron bonos de 10 córdobas por su colaboración. Durante la exhibición algunas personas pidieron la libertad del perrito, a lo que él artista se rehuso. El nombre del perro era (fue) Natividad, y se le dejo morir de hambre a la vista de todos, como si la muerte de un pobre perro fuera un show mediático desvergonzado en el que nadie hace nada más que aplaudir o mirar desconcertado.

Imagens desta obra [do verbo "obrar"]-prima AQUI;
petição contra a presença da "obra" [do verbo "obrar"] na Bienal Centroamericana Honduras 2008, AQUI.

Não tenho grandes comentários a fazer a isto, sinceramente. Há coisas que só os olhos podem expressar, que as palavras reduzem. O meu lado abstracto e simbólico percebe o conceito, compreende-o, valida-o. No plano teórico. Também para isso servem as palavras e o pensamento, para podermos "ver" sem necessitar de concretizar. Mas em verdade vos digo, como dizia o outro, que a concreta instalação que eu gostava mesmo de ver agora consistiria num pseudo-artista plástico amarrado pelo pescoço, sem esteira nem pão nem água, desejando ser analfabeto como um cão para não conseguir ler na parede as letras cínicas desenhadas com favas: eres lo que lees.

O cão desta exposição não sabia ler. Foi o que o fodeu. Sem ler, cessou de ser. Imagino que para a reedição da obra - do verbo "obrar" - se abra casting para mais cães analfabetos.

as certezas de Catarina

Ontem não sabias onde dormirias hoje. Ontem, quando choraste no escuro da cela depois de regressares da festa de emoções do ensaio, não sabias ainda o que deliberara a juíza que te olhara nessa mesma manhã, a manhã de ontem. Ontem, quando choraste, já o teu destino de hoje estava traçado, escrito em documentos, apenas ausente ainda de ti. Sabias que ias estrear, esta noite, e mais nada.

Hoje, estreia consumada e o homem em casa, esperando-te, não havia travão para tanto brilho. "Estou feliz, não choro mais!" e os teus olhos pontuavam a afirmação com um glorioso e saboreado "PORRA!". Engoliam tudo enquanto antecipavam o reencontro, "o meu namorado já se deve estar a passar, então mas a gaja não chega? Mas quem esperou dois anos..." E ali estavas tu, rindo, ainda de figurino vestido, o figurino da actriz que esta noite interpretou uma reclusa, com uma flûte do champanhe de estreia na mão, não querendo acabar com a expectativa da noite esperada que te merecia. Quase a última a sair. E uma estrada entre Matosinhos e a Feira, ali posta para te permitir gozar mais um pouco essa quase vontade de nunca abrir o presente, para que dure sempre o inquieto deslumbre de tão magnífico embrulho. "Dá muitos beijos e muita força a todas lá na ala, está bem? Eu esta noite vou dar uma por todas! E são umas trezentas!"

Nas três presenças desengaioladas vimos a vida. Paula, Marta e Catarina, da cela para o palco, de olhos abertos, de palavras vibrantes nascidas desse terreno pantanoso que em fronteiras voláteis se indefine, no percurso entre a tripa e o coração. Sem véus, sem artifícios, mas não sem arte. Eu sabia que uma delas saíra esta tarde, não sabia qual, não sabia quem saíra da cela para o palco para do palco finalmente regressar ao seu próprio quarto. Mas o sorriso que nos agradecimentos iluminava os olhos da Catarina não deixava qualquer margem para a dúvida.

terça-feira, outubro 23, 2007

segunda-feira, outubro 22, 2007

trabalho de casa II - Feito

A rua do muro, de tarde. Júlio César está sentado na berma do passeio; descalça os sapatos e massaja os pés, que lhe doem de tanto andar. No muro, atrás, alguém riscou a frase "somos ao mesmo tempo a tempestade e o copo de água" e escreveu por cima "por mais que se sacuda, a última gota cai sempre". Começa a chover violentamente. Júlio César levanta-se e segue. Passam pessoas com guarda-chuvas.

Jacinto Lucas Pires, Arranha-céus, 42

trabalho de casa II ou da filosofia

BARMAN: Se há uma palavra que eu odeio é "depende". "Depende"... É uma palavra capaz de tornar uma conversa interessante numa coisa mole, se coluna vertebral, sem força, sem nada...

JÚLIO CÉSAR: Não te sabia tão filosófico.

BARMAN: Deformação profissional... Uísque, cerveja?

JÚLIO CÉSAR: Vinho tinto.

BARMAN: Não te sabia tão filosófico.

JÚLIO CÉSAR (sorrindo): Um dia não são dias...


[...]


Sentado num banco, um velho mendigo. Júlio César aproxima-se devagar - mas antes que diga uma palavra, o velho levanta-se e fala.


VELHO MENDIGO (a gritar, tresloucado): Nos frigoríficos o calor quer ser frio e nos ventos o frio quer ser calor, portanto o vento é o contrário do frigorífico... E vice-versa... E se ela é virgem, tu tens de ser touro, e se ela é touro, tu tens de ser virgem... E lembrar é esquecer e esquecer é vice-versa, e etcétera, e etcétera, e etcétera... E nos frigorí... (Pára, de repente - como se tomasse consciência de si próprio; depois, aparentemente calmo, volta a falar.) Já me estava a repetir. Peço perdão.


Jacinto Lucas Pires, Arranha-céus, 37 e 40

trabalho de casa II

CARECA: Eu não sou careca. Não sou careca. O que acontece é que os cabelos, e todos os pêlos em geral, me crescem para dentro.

RODRIGUINHOS: E isso não lhe faz cócegas?

CARECA: Não, nenhumas. É uma grande felicidade. Mantém-me os órgãos internos aconchegadinhos e quentes. O que para mim é óptimo. Sabe que eu sou uma pessoa muito frágil... Por dentro.

RODRIGUINHOS: Para dizer a verdade, isso faz-me impressão. Os pêlos a avançarem para os pulmões. A cercarem o coração...

CARECA: Um tipo habitua-se.

RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se.

CARECA: Um tipo habitua-se a tudo.

RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se a tudo.

CARECA: E você, o que é que faz?

RODRIGUINHOS: Eu tenho um dom.

CARECA: Ah... (breve pausa.) Um dom?

RODRIGUINHOS: Um dom. Olho para um ovo e sei se vai ser galinha ou não. Sim ou galo.

CARECA: Ah... (breve pausa.) É muito bom ter um dom.

RODRIGUINHOS: Ai não que não é. Ter um dom é tudo.

Pausa; ouve-se vento e chuva.

CARECA: O meu coração é como certas piadas. Tem barbas.

Jacinto Lucas Pires, Arranha-céus, 32

vá, digam lá...

... foi à inspiração católica da ex-futura-constituição europeia que foram buscar as anotações à pena de morte, não foi? Malandrecos... a ver se nos enganam com rebuçados.

o romance de diogo...


As crianças e os moços trouxeram seu corpo sem vida pelas ruas arrastado pela garganta
e a gente dava esmola oferecida aos meninos
dava como se fosse uma obra muito pia e santa.
E assim terminam os anais do grande general
chamado o galego
o homem dos olhares
fatais.

pequeno-almoço

UE: Tratado Reformador permite pena de morte

Tanta converseta com os recém derrotados gémeos polacos, tanto humanismo, tanto orgulho na ascendência iluminista, e afinal continuamos a guardar da revolução francesa pouco mais que as guilhotinas.

Diz a Carta dos Direitos Fundamentais, não subscrita pelo Reino Unido nem pela já (mal-)citada Polónia:

Ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado.

... princípio reiterado pela mensagem da presidência portuguesa da UE, assinalando o Dia Mundial contra a Pena de Morte [10 de Outubro, há tão poucachinho tempo, senhores...], que rezava o seguinte:

A União Europeia reitera a sua oposição de longa data à pena de morte em quaisquer circunstâncias.

Agora vem o tratado que ninguém sabe se dá referendo porque assim como assim não lhe chamam constituição. E o tratado traz anotações. A saber:

A morte não é considerada como infligida em violação... (se ocorre) para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra a violência ilegal; para efectuar uma detenção regular ou para impedir a evasão de uma pessoa regularmente detida; para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou uma insurreição; um Estado pode prever na sua legislação a pena de morte para actos cometidos em tempo de guerra ou de perigo eminente de guerra.


Bem, acho bem. Achei bem Nuremberga, que posso eu dizer? E se me pusessem uma ak-47 nas mãos com o George W Bush ou o Than Shwe da Birmânia na mira, não posso garantir que o bicho de revolta dentro de mim resistisse à doce tentação do gatilho. Então pois com certeza. Há excepções. Um estado que não se sente não é filho de boa gente, e é preciso ter cuidado com estas coisas que ficam escritas, não vão elas servir de base a críticas mal-intencionadas a futuras vinganças, perdão, justiças oficiais em tempo de crise. Olho por olho, até que fiquemos todos cegos.



... desculpe? Como diz? A História o quê? Acabou?... Hahaha, engraçadinho...

domingo, outubro 21, 2007

eeeeeefe-erre-á! Pum!

Rásparta o trabalho no Porto, que calha sempre na altura da praga de corvos a grasnar noite fora. Ai... o meu reino por uma mira telescópica!...

trabalho de casa I - Feito

SÉTIMA MULHER [muito explicada]: Quando uma mulher encontra um homem num bar, numa festa, numa piscina, num clube ou num transporte público, e se se interessar por conhecê-lo, poderá dirigir-se a ele e encetar uma conversa informal. Pode começar por dizer o seu nome...

SEXTA MULHER [para a Oitava]: Olá, eu sou a Ana, tenho os olhos e os cabelos castanhos...

OITAVA MULHER [para a Nona]: Olá, eu sou a Maria, gosto de passear, de nadar e de fazer amigos!

SÉTIMA MULHER [manda-as parar com um gesto]: Se a atracção se mantiver, poderá mesmo dar-lhe a entender que gostaria de aprofundar o vosso conhecimentos mútuo, avistando-se com ele de novo. Claro que nem todas as mulheres estão dispostas a fazer isso, recorrendo mais frequentemente ao apoio dos amigos.

NONA MULHER [para a Sétima]: Ainda há pouco tempo, quando uma mulher conhecia um homem interessante, tinha de ficar à espera de que ele tomasse a iniciativa de lhe pedir o número de telefone. Actualmente, esse problema já não se coloca.

SÉTIMA MULHER [para a Oitava]: Se se sente atraída por um homem que acaba de conhecer, poderá, se lhe apetecer, pedir-lhe o seu contacto telefónico, ou mesmo dar-lhe o seu. Isso permitirá mais tarde telefonar a esse homem, se o quiser fazer.

NONA MULHER [para a Sétima]: Por outro lado, se uma mulher se decidir a convidar um homem para sair, terá também de preparar-se para a possibilidade de uma rejeição, o que deverá aceitar desportivamente.

[Ficam todas um bocado cabisbaixas, enquanto a Décima Mulher vai até ao baloiço; experimenta-o, senta-se depois nele com muita confiança e baloiça-se.]

DÉCIMA MULHER [olhando para cima]: Só espero que isto não caia tudo...

[Pano.]

[...]

Like Humans Do.wma


MULHER B [levantando a cabeça, limpando as lágrimas]: Juvenal? O que é que estás aqui a fazer?

HOMEM D: Estou aqui para te ajudar a encontrares o teu caminho. Para reconheceres a essência verdadeira do teu eu.

MULHER B: O meu eu estaria muito melhor se não me tivesses obrigado a andar nesta vida! Sempre à caça, sempre em busca do amor e sempre a apanhar patadas de toda a gente!

HOMEM D: A segurança não existe, Maria dos Anjos, é uma ilusão. A segurança está dentro de ti, tu é que tens de ser tu própria, filha, de te encontrares a ti própria! Vai a um Instituto de Beleza, filha, faz um tratamento com algas e ginseng, trata de ti, do teu corpo, faz umas massagens, se tu não gostas de ti, quem gostará?

MULHER B: A quem o dizes! Mas quando estávamos casados eu sentia-me um bocado mais protegida.

HOMEM D: Ilusões, filha, Maria dos Anjos, ilusões! Tens de viver a tua vida plenamente, sem ressentimentos em relação ao passado, assumindo todos os teus desejos, a tua sexualidade de mulher madura... [Pausa. A Mulher B voltou a esconder o rosto no braço.] Vá lá, concedo-te dois desejos.

MULHER B: Costumam ser três. [O Homem D nega com a cabeça.] Leva-me contigo, Juvenal, que eu estou farta do mundo!

HOMEM D: E vai um.

MULHER B: Aquele não contava, pá!

HOMEM D: Vá, falta um!

MULHER B
: Oh, já te conheço, Juvenal, ainda acabas por me vender coisas que eu não quero e de que não preciso!

HOMEM D: Não aceitas o que te dão de boa vontade e queres sempre mais do que mereces. Mas trabalho é trabalho, serviço é serviço e ainda tens direito a mais um desejo.

MULHER B
: Homem, larga-me da mão! Parece que andas a vender enciclopédias!


Luísa Costa Gomes, Nunca nada de ninguém, segundo interlúdio e segundo acto



E já vou subindo o Arranha-Céus... entre outras pulsões que para aqui me empurraram, a verdade é que duvido que haja trabalhos melhores para um rato de biblioteca com o coração ao pé da boca. Pagam-me para ler, para pensar, para sentir, like humans do. Há lá coisa melhor?

sábado, outubro 20, 2007

a rainha e o sargento



Deborah Kerr morreu ontem, aos 83 anos, de Parkinson. Era uma actriz bela, subtil, elegante. Infelizmente, como já li hoje algures, nunca filmou com Hitchcock, e a perda é nossa e do cinema. E se outros filmes não tivesse feito, bastaria este, para que a sua morte fosse tão digna de registo como foi a sua vida. E é por isso que não imagino melhor epitáfio do que o que Ferreira Fernandes hoje publicou no DN. Um homem e uma mulher [...] dão o mais belo beijo do cinema (enrolados numa praia do Havai). Ela diz-lhe que foi o melhor beijo dela. Ele pergunta quantos já dera. Ela pergunta se ele trouxe a máquina de calcular. Eles estavam de fato de banho. Um dos pilares da minha civilização apoia-se naquela praia.

anjinho

Et voilà, mais uma prova de que sou uma tenrinha que deixa passar ao lado as telenovelas - ou os filmes para maiores de 18 - desta vida. Passando os olhos pela Sábado da semana que passou, vou dar à entrevista de uma ex-oboísta da New York Philharmonic, agora jornalista e autora de um livro onde descreve sinfónicas brincadeiras de sacristia, com droga, sexo e muitos pizzicatos. Quase dez anos de coro gulbenkian, de trabalho com orquestras de todo o mundo, e não é que tudo me passou ao lado? Bom, havia aquele trompista holandês... mas enfim, era um bocado loiro demais para o meu gosto. Tripes, só aquelas em que nos momentos de maior stress surgiam alucinações colectivas que pregavam com batutas os maestros em agonia sobre o púlpito, em vão tentando esbracejar contra nós. Sim, não sou surda, ouvi muita conversa sobre trocas de quartos, sobre corações despedaçados em viagens pelo oriente, mas pronto... drogas, sim, cerveja, sobretudo, muita cerveja, e vá, o ocasional space cake [muita passagem por Amsterdão, ninguém se escapa]. Anjinho, é o que sou. Ainda bem que sempre fui altamente arrebatada pela música, ou teria de considerar tais anos uma década inteira de louca juventude desperdiçada.

trabalho de casa

ou
divergências significantes: a paixão


BOLINHA: Já estiveste apaixonado?

LUISINHO: Não sei.

BOLINHA: Se não sabes é porque não estiveste.

LUISINHO: Posso ter estado sem ter tomado consciência de que estava.

ANITA: O Luisinho não é do género de se apaixonar.

BOLINHA: Isso não é verdade. Toda a gente tem a capacidade de se apaixonar, é só encontrar a pessoa certa.

LUISINHO: Pois, é capaz de ser isso. Quer dizer, aquelas coisas de romance, deixar de dormir, de comer, e assim, isso nunca me aconteceu. Acho que é um bocado difícil. (Pausa.) Uma vez deixou de me apetecer ver televisão, mas acho que não era por estar apaixonado. Nunca percebi o que é que me deu.

Luísa Costa Gomes, Nunca nada de ninguém, terceiro acto

quarta-feira, outubro 17, 2007

quarto com vista para o convés

Porto, 17 Out. 2007

Ao fim de quatro anos de convivência íntima, este hotel ainda me consegue surpreender. Agora, para além do maravilhoso janelão sobre os Clérigos, tenho de brinde três escotilhas sobre a Sé e as gaivotas. Apropriado para a navegação à vista que costumo por cá fazer. Bom dia, Porto, e obrigada por mais uma luminosa e quente recepção. Já tinha saudades.

terça-feira, outubro 16, 2007

as vidas interiores que saem pelas pontas das canetas

É significativo do estado em que andam os meus dias que hoje, terça, finalmente, num intervalito roubado aos preparativos das viagens que me esperam, tenha conseguido passar os olhos pelo Y. Pausa. Bom modo de esperar que mais uma máquina de roupa levante voo durante a centrifugação, ler os belos textos de Vasco Câmara sobre o DocLx. Já tinha saudades. Mas a melhor parte de ter dedicado esta meia-horita à letra impressa [loucura, meia-hora sem trabalhar, sem arrumar caixotes, sem dobrar roupa! aaaaarrrgh!] foi uma pequena pérola escondida numa relativamente banal entrevista a Paul Auster, a propósito do seu filme recém-estreado. A pergunta era: É possível que haja alguma coisa muito importante para si mas sobre a qual nunca escreva [o português da questão era mauzito, eu alindei-a, confesso...]? O elegante Auster, no seu fato de realizador cosmopolita, responde intrépido: É uma óptima pergunta. Nunca me deparei com essa situação. Mas se sentisse necessidade de escrever sobre alguma coisa escrevia. Não há nada em que eu não tocasse.


A resposta é interessante. Transborda confiança. É simplista, mas não simples. Deixa-me a pensar. Não são só os preconceitos que nos impedem de tocar em algumas coisas, coisas diferentes, embora tantas se intuam idênticas, para cada um de nós. E a necessidade de escrever ou criar ou falar sobre seja o que for, nasce de onde, até que ponto a controlamos, ou mesmo conhecemos? Até que ponto a reconhecemos nas palavras, traços ou imagens visuais ou sonoras que produzimos? Até que ponto é que, escrevendo para o nosso leitor interior, temos coragem e capacidade de não deixar pedra sobre pedra, de desenhar e encarar os produtos das mais profundas necessidades? E a um escritor de profissão, e, salvaguardadas as devidas distâncias, a um blogger que, como eu, não saiba muito bem por que tem um blog, coloca-se uma pergunta suplementar: quais dessas necessidades são publicáveis, e sob que forma?

interlúdio socio-político II: a gratidão

Não sei se já deram por isso, mas este humor felino é fora de tudo o que por cá sempre se fez, sobretudo a um nível tão mainstream, com esta exposição, com esta largueza de público, com este lugar na televisão pública. Humor comprometido apenas consigo mesmo, com a inteligência e com uma crua ironia que se ri de peito aberto. Um gato com tomates, que observa tudo do ramo da sua árvore, mesmo que por vezes as alices cá em baixo mal lhe consigam topar as listas... You're sure to get somewhere, if you only walk long enough.

interlúdio socio-político: a etimologia

Desde ontem que só oiço falar em "liderança bicéfala". A minha pergunta aos media que repetem infindavelmente a expressão é apenas esta: considerais realmente, senhores, que o conceito de "encéfalo" se aplica neste caso?


...

Bom, é verdade que "bicéfalo" é uma expressão de sentido lato. Refere-se mais ao espaço contentor do que ao encefálico conteúdo.

segunda-feira, outubro 15, 2007

para o Orlando

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bem-vindo

Há dias assim, em que até as nuvens de trovoada descartam o rosto ameaçador e parecem surgir apenas para se juntar à festa; não estão mal encaradas, as pobres, são apenas como são, ou seriam outras. Dias largos, em que os sorrisos não chegam para a alegria que cá por dentro vai desaustinada, em gincana entre emoções e afectos, entre espanto e amor. Em que depois de ver crescer uma barriga durante nove meses, se fica extasiado com a surpresa de um novo pequeno rosto, umas pequenas mãos, uma pequena voz, vibrando junto ao peito nu desta amiga que nos mora bem cá dentro do coração. Em que, para cá das portas de duplo batente, no corredor frio e fluorescente, nos entreolhamos e nos rimos das lágrimas claras que, de tão doces, nem o mais forte dos diques consegue conter.

O Orlando nasceu.

sexta-feira, outubro 12, 2007

o 28

Gosto de andar de eléctrico. Dá-me a ilusão de que tenho tempo. E dá-me a certeza de que tenho esta cidade. Desconfio, aliás, de que foi para estar perto de uma paragem do 28 que me mudei para este bairro...

La frontera.wma

terça-feira, outubro 09, 2007

a fama

Depois de já nos termos habituado à ideia de sermos vizinhas da Maria José Valério, chega hoje o meu puto a casa com a notícia de que se cruzou com o António Calvário. Bom, não sabemos se será vizinho, se será uma visitinha cordial entre velhas glórias. Só sei que o puto ainda mal tinha metido a chave à porta e já dizia, "já percebi porque é que este bairro tem má fama..."

as conclusões tiram-se no fim

... e às 22h24m a conclusão é que este foi o som do meu dia. Isto nos ouvidos na hora de ponta da linha vermelha, entre Chelas e a Alameda, só vos digo, é uma beleza de filme.

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segunda-feira, outubro 08, 2007

heil little miss pyromaniac

Ainda estou a fazer o café, devo ter ouvido mal. Estou a alucinar, com certeza foi do excesso de tinto do Douro durante o fim-de-semana. Os gajos na rádio estão a gozar comigo, estes tipos da Europa-Lisboa ouvem demasiada música francesa e depois nas notícias não dizem coisa com coisa, caramba. Deixa cá pesquisar na net... bolas, é mesmo verdade. Verdade verdadinha, fogo ideológico de falsas boas intenções paridas por cérebros afogados em rótulos de boiões de blédine. O ser humano é o rei do chiaro-oscuro: quanto mais idiota mais patético mais arrogante, mais divertido mais risível... mais assustador.



A porta-voz desta Happy Ending Foudation, Adrienne Small, aqui deliciosamente apelidada de Little Miss Pyromaniac, tem o nome perfeito, é metáfora em si própria da dimensão do seu cérebro. É uma anedota. Mas é uma anedota amarga. Vem recordar-nos, na sua esmagadora pequenez, que history will teach us nothing. Mas, acrescento eu, literature might. E como sou um ser humano compassivo, aqui lhe deixo a minha contribuição para que leve a bom porto a sua missão. Não se esqueça, Sra.Pequenina, que a temperatura certa é 451. Fahrenheit.

domingo, outubro 07, 2007

chegaram os actores

Bem, meu senhor, tratai de ver se esses actores ficam bem instalados. Ouviste? Trata-os bem pois são o breve sumário e a crónica dos tempos. Mais te valerá ter depois de morto um mau epitáfio do que em vida eles te abocanharem...

William Shakespeare, Hamlet, acto II, segunda cena



Isto tudo porque os Gatos regressam hoje. E um fã, é um fã, carago.

sábado, outubro 06, 2007

sábado ternário

The Jitterbug Walt...


Nothing to do, but waltz
You never know how far this sort of thing can get you
One never knows, one never, never knows
We're not as tired as we would like to think, I bet you
You stay up half the night with me, if I would let you
Yes
So come, let the waltz play again

sexta-feira, outubro 05, 2007

um pouco de luz

catedral de Reims, Janeiro de 2006


O ARGUMENTO
Já que o verdadeiro método de conhecimento é a experiência, a verdadeira faculdade de conhecer tem de ser a faculdade que experimenta. Desta faculdade trato eu aqui.

PRINCÍPIO 1.º
Que o Génio Poético é o verdadeiro Homem, e que o corpo ou forma externa do Homem deriva do Génio Poético. De igual modo as formas de todas as coisas derivam do seu Génio, a que os Antigos chamavam Anjo & Espírito & Demónio.

PRINCÍPIO 2.º
Tal como todos os Homens são semelhantes na forma externa, Assim (e com a mesma variedade infinita) todos são idênticos no Génio Poético.

PRINCÍPIO 3.º
Nenhum homem é capaz de pensar, escrever ou falar do coração sem intentar a verdade. Por isso todas as seitas da Filosofia resultam do Grande Génio Poético adaptado às fraquezas de cada indivíduo.

PRINCÍPIO 4.º
Tal como ninguém consegue descobrir o desconhecido viajando por terras conhecidas, Assim do conhecimento adquirido não conseguiria o Homem adquirir mais, por isso existe um Génio Poético universal.

PRINCÍPIO 5.º
As Religiões de todas as Nações derivam dos diferentes modos de cada Nação receber o Génio Poético, que é chamado em toda a parte o Espírito da Profecia.

PRINCÍPIO 6.º
Os Testamentos Judaicos & Cristão são Uma derivação original do Génio Poético, o que é necessário devido à natureza confinada da sensação corporal.

PRINCÍPIO 7.º
Tal como todos os homens são semelhantes (ainda que infinitamente variados), Assim todas as Religiões, & como todos os similares, têm uma origem. A origem é o verdadeiro Homem, uma vez que é ele o Génio Poético.



William Blake, Seven illuminated works, "book one . All religions are one - the voice of one crying in the Wilderness", 1795, trad. Manuel Portela, Antígona

uma pequena data na história das mentalidades

U.S. Rep. Pete Stark "Comes Out" as an Atheist
via Arrastão


O primeiro, de sempre. Ora... estamos em 2007, é só fazer as contas aos séculos. E parece que há um grupo grande de agnósticos que ainda não tem coragem de sair do armário, como fez este congressista da ala liberal dos democratas, eleito pela liberal Califórnia. Parece que há uma grande fatia de norte-americanos que mais facilmente votaria numa mulher negra e lésbica, do que num ateu. Há gente que se agarra a ninharias, realmente. É óbvio que ser mulher é bem pior que ser ateu, basta perguntarem ao reverendo baptista da área da vossa residência.

quinta-feira, outubro 04, 2007

l'amour au portugal e olé!

Pois diz que hoje é o dia do animal. E diz que a RTP o festeja assim. É um modo de funcionar muito português. Afinal, os amantes das touradas não se dizem os únicos defensores da espécie taurina? Não afirmam convictamente que o touro desapareceria no momento em que deixasse de servir para suporte de bandarilhas e outras projecções freudianas?

divergências significantes: o risco

À conversa com um amigo propenso a riscos consideráveis no seu trabalho de palco, e a propósito de um seu espectáculo no qual parecia facilmente empalável nas pernas de umas quantas cadeiras invertidas, entra um terceiro vértice na conversa que afirma que sem risco as coisas não têm graça nenhuma, são monótonas. O risco é que é, afirma triunfante, a alegria e a temeridade nos olhos. A minha resposta parece-me a única possível: nada há que se faça sem risco; a vida é um risco, constante. E estar no palco é já em si um risco, concorda o meu amigo, é tudo, como sempre, uma questão de perspectiva. O terceiro vértice está relutante. Não não, a vida não é um risco, porque se vives todos os dias deixa de ser risco, habituas-te; a vida é vida [bela definição que inutiliza todo o pensamento, digo eu]. Pressupondo, portanto, que do hábito - ou da negação - vem uma transformação da realidade. Mas o risco, vejamo-lo ou não, continua lá, contraponho, não é por te habituares que ele desaparece, muda é a forma como o sentes... ou o ignoras.

Ele fica um pouco em silêncio. O rosto, há poucos minutos convicto e animado, fecha-se, taciturno, pensativo. Repete mais uma vez: não não, a vida não é um risco, a vida é vida. E vai embora. Fiquei preocupada, confesso. Porque o rapaz pareceu-me, subitamente, assustado, francamente assustado. Daqueles sustos que nos batem quando percebemos que há que pôr em prática o que dizemos da boca p'ra fora quando abrimos a cauda de pavão. Com o risco de estar vivo diante dos seus olhos, chego a pensar se hoje terá saído de casa. 'Tadito. E estava tão bem disposto...

quarta-feira, outubro 03, 2007

no metro, pitosga

O filme hoje está completamente desfocado. A qualquer momento pode saltar um alter-ego do Woody Allen gritando em aflição, I'm out of focus, I'm out of focus! Mas a luz não deixa de ser interessante. Será que sem lentes a realidade continua a existir?*



*pergunta só aparentemente filosófica que encerra em si um pedido de desculpas pelas minhas eventuais faltas de chá, isto no caso de ter encontrado alguém no percurso até ao oculista: é que nestes dias não consigo, a mais de dois metros, distinguir a Kate Moss do Alberto João Jardim...

terça-feira, outubro 02, 2007

meditações pós-desconstrução-pela-rama-no-maria-matos

ou
alguém me explica como se pode tencionar fazer uma desconstrução da dramaturgia de Hamlet em uma hora e quinze minutos sem pedir ajuda à companhia teatral do chiado?

Peter Brook disse, numa das conferências reunidas sob o nome de O diabo é o aborrecimento, que as grandes obras não têm uma forma, têm uma direcção, um sentido, uma energia. É Hamlet. Não Hamlet-o-texto, este sendo obra-prima gémea em génio de outras primas da mesma pena, mas Hamlet, a figura que Shakespeare criou a partir de um obscuro mito historico-literário. O príncipe Hamlet não tem forma, tem uma direcção, um sentido, uma energia, contém tudo de claro e de obscuro, de universal, é uma obra-prima dentro da obra-prima, é ego e é tudo, é louco e clarividente, é humano e intangível. Tanto ou mais do que as palavras em que vive.

divergências significantes: o estilo II

óculos de sol €24
acesso a água €8

after-shave €35
equipamento básico para uma casa nova €6.50

quartilho de cerveja €4.50
50 litros de água fresca €1.50

bolsa €32
comida para uma semana €4


... sem outros comentários. Agradecimentos ao João Barbosa. Informações sobre a organização por detrás da campanha, aqui.

divergências significantes: o estilo I

Um caro e metropolitano amigo diz-me que consegue adivinhar qual o meu perfume, e eu até o acredito, o André é um nariz sofisticado. Snifa um bocadinho. "Gaultier, de certeza que é Jean-Paul Gaultier". Digo-lhe que não, que é meramente uma essência de jasmim, vinda direitinha da Body Shop do Chiado. Snifa novamente, incrédulo. "Não pode ser... estás a brincar! É que cheira mesmo a Gaultier!" Garanto-lhe que não, que tenho uma pele teimosa, que transmuta todos os perfumes que nela assentam.

E é isto, senhores, o verdadeiro estilo. Por meia dúzia de moedas conseguir tresandar a haute-couture. Embrulha.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Alcântara, Dezembro de 2006

Para a Violeta e para quem a quiser agarrar. Não quero ser estanque, como quem constrói estradas e não anda; quero no escuro como um cego tactear estrelas distraídas...

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