sexta-feira, outubro 31, 2008

felimbo


Colin Ruffel, Cat and gramophone


Os gatos são animais estranhos, no limbo, alegremente perdidos entre a selva e o mais interior de nós humanos. E sempre em estilo.

quarta-feira, outubro 29, 2008

macaquinho do chinês




Esta é precisamente uma das especialidades do meu príncipe dinamarquês, quando tenta enfiar o nariz no meu copo de água enquanto leio ou trabalho. No teatro a malta leva anos em exercícios deste género. Mas nunca se consegue ter nem metade desta graça natural.

isto hoje está um bocadinho ácido, pois...

Estou um bocado fartinha daqueles sorrisinhos. Daqueles caracolinhos. Dos vestidinhos, das sabrinas, dos gestos infantilizados e tão, mas tão fofos. Não há anúncios a pedir-nos para reciclar a fim de contribuirmos para postos móveis de rastreio do cancro da próstata? Anúncios fofinhos em croma branco com os rapazes vestidos em verde-folha, ou amarelo-sol, ou azul-mar, de calçõezinhos, a fazer beicinho sorridente e a dizer "vá lá...", a fazerem lembrar as criancinhas a que toda a gente — e também eu — achava tanta graça?


Tu queres ver que os putos cresceram e os rapazes eram todos trans? Se calhar há aqui uma mensagem subversiva que me está a escapar... Sobretudo se considerarmos que os homens, embora estatisticamente não seja comparável, também podem sofrer de cancro da mama. Mas isso interessa pouco, neste caso. É mais difícil encontrar homens que fiquem bem de bibe, sabrinas e fitinha nos caracóis.

Cada novo anúncio da campanha é mais infantilóide e infantilizante. Só estou à espera de ver uma mulher de xuxa, no próximo. Talvez a FloriLucybela, não sei... é cena para pegar bem e pôr todo o bom pai de família a reciclar furiosamente.

é... pois... é mais ou menos assim... maizoumenos. :p

Whatever you give a woman, she's going to multiply. If you give her sperm, she'll give you a baby. If you give her a house, she'll give you a home. If you give her groceries, she'll give you a meal. If you give her a smile, she'll give you her heart. She multiplies and enlarges what is given to her. So - if you give her any crap… you will receive a ton of shit!




Recebi por e-mail. É, pois claro, uma generalização, uma brincadeira com o estereótipo, mas fez-me rir. E como me fez rir e não gosto de spam, aqui fica. Hoje estou de ressaca, é o melhor que consigo. Também por estar de ressaca vou passar por cima daquela coisa que me incomoda que é a mulher encarada como terra fértil onde se lança semente, o abençoado sujeito passivo, superior na sua santidade que tudo recebe e apenas instintivamente actua... Tão querida, tão natural, tão mãe-terra, ui, é que nem vou começar. ´Tá engraçado, 'tá. Pronto.

terça-feira, outubro 28, 2008

nem de ti mesmo servo — cerejas

Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria. Manda no que fazes,
Nem de ti mesmo servo.
Niguém te dá quem és. Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
Cumpre alto. Sê teu filho.

Fernando Pessoa



Já me falaram neste trecho como sendo um estandarte do voluntarismo, do controlo. Quando ele é exactamente o oposto. Porque a alheia vontade esconde-se na nossa e mina-a por dentro, tantas, demasiadas vezes. Quase todas, mesmo. Julga-nos. Tolhe-nos. Faz-nos duvidar do que sentimos certo e levantar certezas que não conhecemos. O meu incerto método é uma confusão mas lá vai resultando. Desobedeço-me. Sou minha filha. E devo dizer que tive uma sorte dos diabos na mãe que me pariu.

mensagem interplanetária — eco

Eu tenho medo do escuro. Mas tenho mais medo de estar no escuro julgando que tenho luz por todo o lado. Tenho mais medo de fugir do escuro e perder-me. Ou nunca chegar achar-me. Quando há luz a mais, nada se distingue. Só a partir do escuro se pode ver todas as primárias e talvez um pouco além disso.

segunda-feira, outubro 27, 2008

mensagem interplanetária

o que se ganha num sopro, pode ir-se num sopro. como a vida. o resto é fábula para mascarar o medo do escuro.

água vem!


Anjos, 27 de Outubro de 2008

para ti, minha enguia, em discurso directo.


Roma-Areeiro, Outubro de 2008




o que faz uma casa não são as paredes

eu sinto-me sozinha em quase todo o lado

Lisboa é uma cidade estranha

não tem um ritmo



tem arritmia cardíaca


constrastes irreais que começam logo na luz


na orientação das telhas

que estão nas pessoas


talvez por isso mesmo não haja metadona para isto de que sofro

continuo a querer ver tudo o que há no mundo


mas sei onde é a minha casa.

um homem é um homem?



O título de Brecht é afirmativo. Mas sempre achei que lhe faltava qualquer coisa. Depois de finalmente ver Titticut Follies percebo que era apenas o ponto de interrogação.




Os olhos dos sãos, as vozes, os gestos, são idênticos aos dos declarados loucos. Uma assembleia de doentes encartados é claramente diagnosticada por um esquizofrénico paranóide, condenado pela clareza da sua lógica, condenado pela sua inteligência. Ele quer ir para a prisão, onde pertence, ele sabe o que o põe doente, o hospital fá-lo regredir. Mas é de loucos, a capacidade de distorção da realidade dos que determinam a loucura. A capacidade para a desumanidade. A relação de objecto com o corpo e a mente do outro. A arrogância dos erros, das desculpas, das humilhações feitas vida normal, feitas tratamento. É, absolutamente, de loucos. Sei agora que tomei a decisão errada. Não tinha preço, uma manhã escutando um homem que assim suga a realidade, que a rasga sem a fazer sangrar — o sangue tende a toldar a vista. E todos os dias tomamos decisões assim gaguejadas, quando me trouxeram para aqui achei que me iam cortar os tomates e eu disse, eu disse ao doutor que não queria que me fizessem nada aos tomates e então pronto eles cortaram um bocado na cabeça.

Falei em Brecht... mas isto é mais Büchner. Só que ninguém escreveu. E isso é o que mais dói.

domingo, outubro 26, 2008

unidade de espaço



be a man!

Frederick Wiseman não respeita nada. Porque não desrespeita nada. Passa o seu olho de coiote por tudo, porque o mantém frio, não frio, cool é a palavra. Por uma magia tão simples e tão clara quanto invisível, a sua câmara suga-nos para a realidade, e não nos permite desculpas. Porque não nos deixa certezas para encosto, afirma-se em todas as dúvidas, define-se em todo o grão do preto e branco. Tens de mostrar que és um homem, e a forma de o fazer é mostrares que sabes aceitar ordens e resignar-te a castigos injustos, tomares enfim o teu humilde lugarzinho na roda inexorável. A prova de que esta escola é um sucesso é que há um ex-aluno que docemente escreve que é apenas um corpo executando uma função, feliz com o que acha ser a sua superior filosofia. Escreve do Vietname. Não é preciso um motim para que reluza toda a força de um polícia de bastão debaixo do braço num corredor de liceu cheio de alunos que passam por ele com naturalidade, não é preciso gritos nem confusão, não é preciso violência para que a força dessa imagem se imponha sem apelo, bastão de possibilidades, braço de probabilidades. Não é preciso um declarado acto misógino para que o indicador em riste de um professor seja obsceno.


O cinema ficcional de hoje não seria o mesmo sem este cinema documental. O cinema de hoje não seria o mesmo sem Frederick Wiseman.


Não se encontra grande coisa no Tube [ou pelo menos eu não consegui]. Mas achei graça a este redux acabadinho de sair do forno...

como um actor imperfeito.


Beato, 23 de Outubro de 2008


As an unperfect actor on the stage,
Who with his fear is put besides his part,
Or some fierce thing replete with too much rage,
Whose strength's abundance weakens his own heart;
So I, for fear of trust, forget to say
The perfect ceremony of love's right,
And in my my own love's strength seem to decay,
O'ercharged with burthen of mine own love's might.
O, let my books be then the eloquence
And dumb presagers of my speaking breast,
Who plead for love, and look for recompense,
More than that tongue that more hath express'd.
     O learn to read what silent love hath writ:
     To hear with eyes belongs to love's fine wit.

William Shakespeare, Sonets

e quanto às faunas e aos venenos...

Neste Jogo de Cena tive atrás de mim uma tipa a falar ao telemóvel. I rest my case.

que força é esta?




Qual é o nosso material? Como se torna real? Quanto vale uma lágrima? E uma história de vida? O que é uma mulher? O que é uma actriz?


Pontos a reter:

procurar cristal japonês em todas as lojecas que me aparecerem no caminho; se a Marília Pêra pode, eu também posso [tinha cá para mim que não era a facilidade em chorar que fazia uma actriz, cá está a prova numa das maiores actrizes do mundo, a quem as lágrimas só vêm quando têm de vir, e não por decreto].

nunca mais entrar em autocomplacência e ameaçar fugir para o Faial; ver em apuros uma actriz que já me fez passar por tantos e tão profundos estados emocionais enquanto público de teatro é vacina para me lembrar de não ter peninha de mim; há dias em que a coisa simplesmente não acontece, e quanto mais o cérebro se enche, mais o corpo se nega; Fernanda Torres, és linda!

a verdade está pouco interessada na forma; há qualquer coisa que muda de contornos numa actriz como a Marília Pêra, por exemplo, mas nunca é fora dela, não é a partir do gesto, a partir do modo de falar, a partir do acessório, por mais que a camisa preta ajude, por mais que haja pequenas bengalas externas que nos possam ajudar a pôr o pé em solo mais fértil; as verdades, as várias, são bem mais indefiníveis do que isso, bem maiores, tão abstractas quanto viscerais.

... as mãos só agarram. O que se tem não é nelas que fica, é em algum outro lugar.

sábado, outubro 25, 2008

Hunger

Os sentidos, desde o início. As imagens que escorrem devagar, a segurança lenta da câmara de um filmador só agora feito cineasta. As mãos feridas, o medo da bomba. A chegada, a nudez da recusa, a merda nas paredes, o mijo protestado por debaixo das portas das celas. As diferenças entre os guerreiros, na mesma cela, na mesma luta, mas o gaélico só é língua-mãe para um, para o outro a mãe fala inglês. Os desvios, a câmara segue o guarda, ou este específico prisioneiro, ou todo o grupo, ou apenas o percurso solitário de um outro? A brutalidade, a animalidade, o polícia que chora esmagado pela sua própria condição, esse plano avassalor dividido em dois. A mãe coberta de sangue, impassível. O lento avanço da esfregona pelo corredor que quase se cheira, um homem só limpando um corredor de portas fechadas, um homem só no meio de prisioneiros atrás dos ferrolhos de ferro, a pista que se prepara para uma nova etapa do corta-mato de Bobby Sands. Na missa o vigário prega, mas o verdadeiro celebrante está no meio da assembleia, senhor dos passos preparando a própria via. O homem está só entre os outros nove que entretanto puseram também pés ao caminho. Entre os milhares que se manifestaram pelo mundo inteiro. Não se ouvem, os outros, os gritos, os discursos políticos. Já nem Maggie Thatcher se ouve quando o processo se inicia, depois de pivotear calma, elegante, profundamente nos dois homens à mesa beijados pela luz e abençoados por um magnífico diálogo, já não há mundo, já só há corpo. O corpo que se vai expulsando a si mesmo na fome, na certeza, no corta-mato, na sua escatológica dignidade. Chagas, pele, cheiros, toques, feridas que ardem, desde as mãos gastas de esmurrar da abertura do filme, lágrimas silenciosas, cinema, luz e um actor que se recolhe e entrega à medida que o seu corpo fraqueja e nos esmaga sob o seu peso. Um soco. Um alento. Uma claustrofóbica, luminosa, grandiosa beleza. Um portento.



Madredeus, 23 de Outubro de 2008


Not to say everything means to give an opportunity to the listener to complete it.

Osho, Joshu: The Lion's Roar

sexta-feira, outubro 24, 2008

a todos os que, à procura da sua, têm encontrado a minha cabeça... e vice-versa...

A Chicken With Its Head Cut Off - The Magnetic Fields


...e particularmente para ti, que me amparas desde a primeira queda dos degraus da torre. Ah, que queres? É preciso ter esperança, e nunca renunciar.

quinta-feira, outubro 23, 2008

I read you so deep it [never] bores me.


Beato, 23 de Outubro de 2008


Ill Be Your Mirror - The Velvet Underground

quarta-feira, outubro 22, 2008

harvest girl

O outono que é para tantos depressivo, sempre me foi uma época de regeneração, talvez pela marca do trabalho, dos projectos, do mundo que, bem ou mal, volta a mexer. Bem mais do que a primavera, tempo de melancolias e cansaços, de balanços de ganhos e perdas, anúncio mágico de um fim a distância incerta. Sou do outono, tendo embora nascido no pino do verão. Sou do sol e da chuva misturados. Dos inícios sorridos e chorados. Das luas grandes e baixas e amarelas. Do debulhar de tudo o que germinou ao longo do ano para na eira encontrar as sementes, transformar o joio, aproveitar o trigo. Sou das colheitas.


prisma

Estou de castigo a pôr trabalho computorizado em dia, o que no meu caso quer dizer escrever escrever escrever. Estava a dissecar um Walt Whitman para prática de elocução em inglês com as minhas miúdas e no momento em que escrevo "the ring of alarm-bells", no preciso momento em que digito o hífen, toca a campainha aqui do lado, que é quase dentro do meu quarto. Sorriso imediato. A realidade é também coisa de sonho, às vezes.

mais um post sobre o dinheiro ou antes nem pouco mais ou menos

Há uns dois dias tive de tomar uma daquelas decisões dilacerantes, e por mais que tente andar e esquecer, a verdade é que a escolha me mói. Hoje de manhã Frederick Wiseman deu uma masterclass na Culturgest, e logo a seguir passou La dernière lettre. Já estava na agenda, inamovível, axial, corolário da semana. Mas precisamente porque perdi a minha fortuna ao jogo, não consigo dar-me ao luxo de recusar trabalho, e pimba, toma lá uma locução para o CêGripe, que está na época.

Os spots televisivos são pagos à tabela, e compensam sempre. Mas o Wiseman não ia para o banco agora, ficar-me-ia para sempre. O trabalho correu bem, eles pareceram-me até relativamente impressionados, o que pode significar bem mais do que um mero recibo, mas trabalhos futuros. E o intermitente que se preza sabe bem quanto valem esses "futuros", no nosso muito próprio jogo bolsista.


Mas o Wiseman... o Wiseman ficar-me-ia cá dentro, nãu nas mãus qe agárrãu, mas cá dentro.


Foda-se mais a puta da realidade.



Desculpem lá a falta de maneiras.

a intervenção do eStado

Estou a considerar seriamente ir queixar-me ao Ministério das Phinanças, alegando que perdi toda a minha fortuna à roleta e em consequência disso a mesa quer executar[-me] a dívida. Agora preciso de uma injecção de capital para poder voltar a jogar. Pode ser na nádega esquerda, por obséquio.

as faunas — um post venenoso

Há pessoas que se reencontram sucessivamente nas sessões dos festivais, algumas conhecem-se, algumas reconhecem-se. É bom, ver o Londres cheio de gente para ver fantásticos documentários de enfiada, mas para sair com esta sensação de felicidade estatística que traz a mancha de público, a descida à terra é de evitar a todo o custo, é a de sempre. Na Nan Goldin, um ressonava no inesperado berço do silêncio. Ao meu lado, um tipo com todas as características exteriores do intelectual-papa-docs, escolheu os momentos mais tocantes do filme para se assoar, para bocejar, no fundo, para criar poços de ar na minha viagem, que estava a ser maravilhosa. A algumas pessoas as melhores dissertações que ouvi foi que na véspera se tinham cruzado com a Nan Goldin no wc e que quanto ao Afterschool, era bom, mas já não há pachorra para filmes sobre adolescentes [lá está, um adulto que não percebe até que ponto aquele é um filme sobre adultos, eu acho preocupante]. Não há conversa possível. Qualquer discussão acima de tal nível vai ser um pavonear pedante, por mais que não se queira. E eis quando o silêncio é de ouro.

Por oposição, do fim do Afterschool, guardo a noite da Alameda, mas também três espíritos em troca, sem merdas, sem presunções, repartindo e contrapartindo as sensações, as questões, as emoções da viagem que sempre é um bom filme.


Dou por mim a perguntar por que razão algumas das pessoas que enchem as salas dos festivais não andam antes nas festas do Buddha Bar, ou qualquer coisa assim. Mas as respostas possíveis são muitas. Por mero acidente de percurso de vida, por exemplo. Por alergia à tequilla, também pode ser. Ou apenas porque acham que os tons escuros e o semblante meditabundo têm muito mais estilo do que as purpurinas. São respeitáveis razões. E vá, ainda bem que existem, ou estes certames estariam absolutamente condenados.


Como dizia a outra, oh gOd, make me good, but not yet.

sobrevivência à prepotência numa lição

— You have no idea of what you're dealing with here.
— Then enlighten me or stay out of my way.



Um bom diálogo é como uma boa laranja.

she'll be our mirror



E hoje, mais poesia. Da mais baixa. Da mais bela.



Nan Goldin, Joana de dos dans l’encadrement de la porte à Châteauneuf-de-Gadagne, 2000, e Self-portrait with eyes turned inward, 1989, o ano em que conseguiu voltar a reconhecer a luz. Ela é um dos nossos espelhos. E I'll be your mirror é um espelho feito à medida pelas próprias mãos que quiseram guardar para sempre os seus reflexos.

terça-feira, outubro 21, 2008

aftermovie



Quando as imagens e as interrogações e os gatilhos emocionais ainda estão vivos vinte e quatro horas depois, quando a confrontação com a realidade é tão docemente dolorosa, tão clara, quando a memória da poesia visual parece chamar os olhos para ângulos e geometrias que eles nunca viram, quando tudo isto acontece, sabe-se que se viu um filme especial. E que o segredo está todo ali, não necessariamente no sentido psicanalítico do reviver e do esmiuçar, mas no sentido de se começar por não fazer merda, mesmo. Para isso é preciso crescer. É preciso coragem. É preciso verdade. Há tempos para as infâncias, e há poucas coisas mais perigosas do que crianças que nunca crescem. Tornam-se adultos em quem não se pode confiar, tutores académicos que preferem caixas de bombons embrulhadas numa música de powerpoint sobre as últimas palavras do taxista que viu a luz ao passar no túnel do marquês, a obras de arte genuina, mesmo que ela se ofereça generosamente e sem contrapartidas.

Afterschool, de Antonio Campos [como se topa logo pelo nome, o senhor é nova-iorquino de gema]. Não sei se tem estreia comercial prevista. No Doc só teve direito a uma sessão. E eu estou especialmente feliz por ter estado lá.

registo de um dia bem passado.

uma hora e meia com u omãi qe dáva pulus tãu áltus qe saíu pêlu tôpu

duas horas em Afterschool, um clip de duas horas desvelando em vídeo, espaço, luz e rostos, a nossa vida interna e externa e de eterna adolescência renegada num dos filmes mais brilhantes que já vi — também eu, como o Augusto M. Seabra, fiquei siderada

a felicidade que uma obra de arte deste calibre me deixa, na corda bamba com esta dor fininha que é a certeza de que nós fazemos muito, mas muito mal aos miúdos, e não é porque eles vêem porno no youtube, nem porque eles são burros, apenas porque a cobardia e a perigosa infantilidade dos adultos são ilimitadas — mas toda a poesia, filosofia, plasticidade, complexidade, clareza, que uma mente de 25 anos pode pôr num filme de ficção documental é candeia suficiente para o percurso, pelo menos por esta noite

Lisboa à noite em conversa lenta e passo falado, com paragem no Império para um gelado e uma imperial — e da mesa nem se via o Phil Collins no écran gigante

ah, e o dia começou comigo a partir-me toda numa hora de barra de chão — porque só o corpo sabe, pois como dizia u omãi qe dáva pulus, as mãos não têm, as mãos só podem agarrar. Qer dizêr, as mãus.

segunda-feira, outubro 20, 2008

milonga del angel


Anjos, Outubro de 2008


Duas semanas sem Frika. Uma semana com Noa, que já cá tem o seu lugar mas ainda é infotografável para mim. Coitada, a miúda não tem culpa do buraco que a Frika deixou, mas também não lhe falta mimo, lá por isso. Já cheira a glicerina, deixou de feder a gatil, e portou-se lindamente no banho. E é uma oferecida de primeira, ao contrário da sua antecessora, que era bicho-do-mato como a dona.


Milonga del Angel - Astor Piazzolla

quanto espaço há num ano?


Lisboa, Outubro de 2008

Ah pois, assim também eu, depois de uma tarde inteira de mimo e maluqueira e gargalhadas e birras-relâmpago e tias babosas e aquele par de mamocas para afocinhar enquanto me rio porque a outra maluca me está a morder o pé, pois, também eu dormia com este sorriso de palhacito. Então se todas as noites tivesse este maravilhoso vozeirão de preta para me embalar, haviam de ver se não me passava a tendência insomníaca [isto existe, ó Rodrigues?]. Oiçam lá isto e digam se não é só pasta, só dengo, só gozo. Só beleza e requebro.

A Força De Cretcheu - Sete Lágrimas


Ca tem nada ness bida más grande qui amor, si Deus ca tem midida, amor ainda ê maior. Amor ainda ê maior, maior qui mar qui céu. Ma d`entre otros cretcheu, di meu ainda ê maior.

Cretcheu más sabi, ê quêl quê di meu, ele ê quê tchábi qui t`abrim nha céu. Cretcheu más sabi, ê quêl qui'm crê. Ah s`m pêrdel mort dja bem.

Ah força di cretcheu abrim nha asa em flôr, dixam alcançá céu pám ba odjá noss senhor, pam ba pidil simente d`amor sima ess di meu, pam bem dá tudo djenti, pa tudo bem conchê céu.




...

Esta é uma pré-publicação absolutamente não autorizada, para meros fins passionais e não-comerciais. Enquanto não me põe um processo em cima, aproveitem e espreitem AQUI para saberem o que estão a ouvir. Sai em Novembro. Chama-se Diáspora.pt e em sete lágrimas se dança. Ah, e não sei se já disse, mas o meu sobrinho é a coisa mais deliciosa do mundo. Ó mãe truta, bem disseste há uns meses que ele havia de rir-se muitas vezes para mim. ;)


[Ai... as saudades que eu tinha de nós todas juntas, miúdas!...]

domingo, outubro 19, 2008

sangue arterial

A jorros. AQUI.

o gato que ri no vale de lençóis


Anjos, Outubro de 2008


... com a cama feita de lavado, claro.

sábado, outubro 18, 2008

arco-íris

É dia do rosto de chumbo azulado. Acorda assim muitas vezes, este céu, construindo-se em andares infinitos de cúmulos e nimbos e limbos de veludo rasgados aqui e ali por garras luminosas que abrem caminho à preguiça do sol. Quase a rebentar, a bica foi estacionar de jorro em cima do zarolho, e em tempo nenhum estava a praça deserta sob o peso do aguaceiro. Nem um respirar, nem um som, nem um pombo, tudo se recolhe com medo da enxurrada. Mas um longo beijo feliz de ser molhado, feliz de estar sozinho em si e em ambos e na praça, foi arc-en-terre vindo do chão para tomar o lugar do outro que em tais dias costuma vir do céu e que hoje não se atreveu a expôr-se à competição de cor. A chuva continuou, mais rija, mais grossa. O beijo, encharcado, ninguém o viu terminar. 

quinta-feira, outubro 16, 2008

aprendo-me a ensinar

Lição número 1: recusar liminarmente o julgamento, a projecção; lê-las mas não tentar escrevê-las; ler-me, para que me vá escrevendo deste novo ponto de observação.

Lição número 2: a paciência, sempre; sobretudo comigo mesma e os meus desvios.

Lição número 3: maldita a hora em que assustei aquele polícia maçarico na Gulbenkian e ele não me passou a multa por desrespeito à autoridade: é muito triste ver um registo criminal absolutamente vazio, sinto-me uma menina de coro [coisa que já não sou há quase três anos].

Lição número 4: nunca pensar que uma fantasia foi definitivamente abandonada; dois dias de papelada —o papel, qual papel, o papel, qual papel, o papel—, de cartões e fotocópias e atestados e o diabo a quatro, voltou em grande o sonho de formar uma comunidade hippie perdida no mundo e nunca mais olhar para o BI na vida.

Lição número 5: o que faz uma escola não é o edifício; esta ainda está por (re)nascer.

Lição número 6: não partir do ingénuo princípio de que as habilitações que conseguimos a nosso custo e do pagamento de propinas são nossas; para as recebermos e voltarmos a entregar na escola que as possui [sim, voltei a casa, a vida dá voltas...], temos de ter mais de cem euros para arrotar; pelos vistos as minhas notas de exame, que me saíram do corpinho e da goela, pertencem ao Politécnico de Lisboa, e não a mim; os cem euros devem ser pelo leasing.

@s noiv@s



Cortesia de Raquel F., aka, a minha maria. Não estamos tod@s lind@s?



E agora uma proposta de exercício: auto-observação das reacções que as imagens causam no nosso corpo, no nosso espírito. Quem reagir na base do "ai que nojo, isto não tem ponta por onde se lhe pegue" tem na sua própria sensação o argumento que rebate qualquer imposição moral. Há pessoas que são assim, há cidadãos que são felizes assim e só assim, cidadãos inteiros, que contribuem como todos os outros para a sociedade, para a economia, para a produção, para a cultura, para a vida. Nenhum de nós pode negar-lhes um direito que é deles por definição de cidadania, sejam quais forem as nossas pulsões, repressões ou tesões internas. Todos somos "nós", ninguém é "eles".


Há umas décadas usavam-se argumentos semelhantes aos de hoje para recusar o casamento entre raças. Acho que chegou a haver alguém a propor que se denominasse "semáforo".


Há alturas em que os tempos andam, outras em que correm...

quarta-feira, outubro 15, 2008

a pouca-vergonha

Inesperadamente fiquei sem um trabalho que era certo [certinho como tudo nesta vida] e consequentemente sem ordenado. O primeiro mês foi especialmente complicado, uma vez que no mês anterior tinha andado a trabalhar de graça, e se o Céline já lá vai, lido nos intervalos entre História dos Media e o King, a verdade é que juntando o aumento absurdo da prestação da Habitação, tive de dar asas ao meu diletante alter-ego de cobrador-do-fraque [sim, sou daquelas que se esquece de ir receber até ver a luz da saída de emergência] e mesmo assim fiquei a conhecer a vida a crédito, cada cheque direitinho para pôr a zeros o plafond da conta ordenado. Que é super, como dizem eles. Ando assim desde Julho. O meu banco, o único, o Big Brother que conhece toda a minha realidade financeira, sabe-o tão bem como eu, e a coisa reequilibrou-se aos poucos mas só vai compensar daqui a mais umas semanas que me vão parecer anos. No último mês a minha prestação desceu doze cêntimos, afinal enganei-me nas contas, é má-vontade com certeza. E hoje recebo em casa uma carta muito simpática exortando-me a concretizar sem demora os meus projectos. Um Crédito Pessoal pré-aprovado que posso accionar pelo telefone, pela internet, por telepatia, quiçá. E como se não bastasse, no fim da página vem, simulando um "destaque pelo picotado", um cheque com todo o aspecto de oficial, com onze mil setecentos e cinquenta euros passados ao meu nome. Claro que na margem explicam que o "documento simboliza o crédito que o Banco está disposto a conceder-lhe, não sendo válido como título de pagamento", que eles são gajos decentes e de repente o cliente até se pode esquecer que lá em cima se propunha a maravilhosa prestação de 298,46€ por 60 meses. Gosto do uso do símbolo, revela elevação intelectual, alguém no departamento de marketing estudou o Umberto Eco. Bravo.


Por muito que me desagrade a palavra, só encontro um adjectivo para isto: imoral.

fotos do dia do meu Vrrrnhiec! — cortesia de Sara Cacao




Entre les trois, mon coeur balance: Rita, Paulo e a fotógrafa. O mundo é lugar maravilhoso, digo eu...





Foi um lindo Vrrrnhiec! Ah foi sim senhor@s. E cá fora respirava-se, ao contrário do que acontecia nos Passos Perdidos da democracia parlamentar, paz às almas dos senhores deputados... Agora eu a minha maria só temos de decidir se vamos a Espanha a uma clínica [onde é que eu já ouvi isto?], ou se nos candidatamos à Marquise...





Há coisas que não se podem mesmo levar a sério. Por uma questão de seriedade.

na teia


Estrela, 5 de Outubro de 2008

terça-feira, outubro 14, 2008

errata — o seu a seu dono

Onde AQUI se lê "socrática" e "socráticos", deve passar a ler-se "socrista" e "socristas". Por uma questão de respeito, que a Filosofia para mim é assunto sério.

flor de pico


M.C. Escher






Estaria o meu senhor a assobiar
à sua porta, ou quereria entrar de noite
sem chave, no meu coração?

Sandro Penna, No brando rumor da vida [trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo]

hoje houve porrada na marquês de pombal

Da boa, com chota e tudo. São setecentos alunos, sete funcionários, vulgo contínuos, um por cem, e todos com postos fixos, portarias, telefones, et cætera. A marquês de pombal de má-fama, uma das históricas escolas-problema de Lisboa, tem corredores vazios de adultos a cada interrupção. Só agora é que houve porrada da séria, com direito a sirenes azuis. E foi porque chamaram os pais para pôr cobro a uma luta entre alunos e os pais portaram-se à altura, saltaram para o ringue e orgulhosamente desataram à solha. Repito, só agora é que houve porrada, não há funcionários e os pais deram o exemplo. Devo andar numa fase optimista, porque dá-me esperança nesta geração, apesar de toda a merda que lhe fazem.


...

Sete funcionários numa escola secundária central da capital do país. E há quem queira convencer-me de que uma crise não significa apenas que alguns se estão a encher ainda mais do que o costume à nossa custa? Quando oiço que aqui se perderam não sei quantos milhões, ali outros tantos, não posso deixar de me perguntar se se esqueceram deles no eléctrico, se explodiram, se foram abduzidos por extra-terrestres ou mastigados por algum bode pachorrento. Para onde foram? Onde estão? Em que bolsos, em que crimes?


Ando numa de perguntas... estou cansada de tagarelar. A partir de agora quero que me expliquem tudo, por obséquio. Não há cu para este mundo.

segunda-feira, outubro 13, 2008

o eStado do mErcado

Estou tão feliz, mas tão feliz. A prestação da minha casa baixou seis cêntimos. Bem, menos do que subiu a prestação da Segurança Social. Mas ao menos nesta casa eu vivo, já a Segurança Social só se paga para evitar a chantagem da penhora e alimentar esta convicção de que há pequenas coisas que distinguem um país de uma empresa*, porque quando estou sem emprego a única coisa que têm para me dar é simpatia, se tiver sorte no funcionário que me atende.


Este país é mesmo um orgulho para mim, carago...



*algumas empresas que me perdoem, já que são bem mais inteligentes do que o Estado nas condições sociais que dão aos seus empregados; e não fazem de conta que têm um parlamento democrático, como a seita socrática que nos governa [chamar-lhes socráticos é uma blasfémia, mas pronto...]

o poder que é bom não ter

se eu mandasse, hoje o decreto seria: ESTA NOITE NÃO SE SONHA. mas onde quer que esteja a película dos meus filmes internos, por felicidade está fora do meu alcance. e toda na minha mão.


Nem Deus Nem Senhor - José Mário Branco

double face

Primeira série da Britcom, conversa de machos em descontraída exibição para uma só fêmea, aqui este não anda a comer nada, coitado, responde o segundo, pois, mandou-me uma sms a dizer que ontem tinha batido quatro em duas horas, termina o terceiro em galhofa rapazola, desculpa Stacy, esta conversa não é para os delicados ouvidos de uma donzela. A moça, mulher do segundo, nem pestaneja e com a maior das naturalidades responde sorrindo que não há problema nenhum, que compreende, que anda aborrecida e só nessa tarde tinha tido três a ver o Cash in the Attic na televisão. O silêncio instala-se. Só ela continua na maior, sem sequer perceber o desconforto. Mais uns dedos de conversa, faz de conta que não estamos todos a pensar o mesmo, e beijinhos e até já, o casal vai à sua vida. O homem 1, com um sorriso glutão: —Então ela bateu cinco só esta tarde, ahn? Grande cabra... O homem 3: —Aí tens as mulheres galesas. É quase tudo putas. Filth.

Espelho deformado. Alguns iguais são mais iguais que outros. Os rapazolas são giros, quem não lhes acha graça? As gajas que não coram quando se fala de masturbação, são umas putas. Galesas ou não. E o silêncio desconfortável deveu-se apenas ao respeito pelo amigo que tem o galo de estar casado com tal peça de autonomia biológica. Point taken.

Em contraponto ao gosto que me deu ver esta cena, na segunda série aparece-me uma histérica que quando for grande quer ser a Catherine Tate —mas tem de comer muito bife e berrar muito menos, santa paciência. Sketches sobre actrizes famosas, são mato, não percebo tanto interesse, mas pronto, às tantas dá vontade de dizer, ó rapariga, desencana, não vês que a Kate Winslett também é gorda? Bom, às tantas, lá vem o par Jolie-Pitt. Não estou interessada em especulação cor-de-rosa, mas dos raspões que dou, estes dois chamam-me um pouco a atenção [ok, mais ela do que ele, apesar dele ser melhor actor, mas é de personalidades que a brincadeira da bifa-que-berra vive]. Ele tornou-se uma personagem bem mais interessante, e ela parece bem menos passada dos cornos, e parecem-me canalizar esforços para coisas que, para mim, valem a pena. Dizem que não casam enquanto o casamento não for universal e secreto [piscadela de olho], mexem-se no mundo real e não no mundo "deles", enfim, como diria o Botto, gosto. 

Pois a bifa-que-berra traz-nos a boa da Jolie em tarzan-girl, e o Pitt em homem-macaco, tipo mascote da dominadora, que só grunhe e come o papel dos guiões que lhe apresentam. Triste, ver-se um homem que muda numa relação como um animal básico e submisso, sobretudo quando até parece que se trata de uma estrada a dois. Triste, ver uma mulher forte como uma amazona que só uma mascote amputada de individualidade pode acompanhar. Triste, ver tudo isto pelos olhos de uma mulher europeia do século XXI. Alguém quer tentar convencer-me de que um homem feminista é um freak?

domingo, outubro 12, 2008

sábado, outubro 11, 2008

ele há dias...

E lá me casei pela manhãzinha, três vezes, aliás. Grávida, mas só porque o vestido emprestado era um bocadinho largo —daí também os dois pins nas costas, um com o Trotsky [que, chegámos todos a essa conclusão, não é gajo para segurar as pontas], outro convenientemente cor-de-rosa e com a frase "Dip me in chocolate and throw me to the lesbians". E casei-me com um rico partido, quite a catch, I'd say. No post anterior fiz uma brincadeira com a cançãozita, mas fosse este casamento real e a Raquel seria minha mulher, não meu marido, como eu, apesar de Manel, marido não seria. Aos olhos da lei seria apenas cônjuge, e é tudo. O resto seria entre nós. Tal qual é agora. Só que com os mesmos direitos para deveres iguais. Simples, não é? Chega de argumentos pelo SIM, por favor alguém que me explique o NÃO... como se eu fosse muito burra, sim? 

Aqui fica a manhã vista pela Catarina Leal e pela Margarida Madureira, mas no YouTube começam a aparecer as reportagens das três televisões. Só que, pronto, esta é toda nossa. E a música é dos OqueStrada, ainda por cima. E agora é que a minha mãe deve estar num misto de orgulho e desespero, comovida por finalmente me ver de noiva e a achar que é desta que a filha não arranja gajo que aguente [e não, não falta o artigo].



Foi uma manhã luminosa, como são todas aquelas em que se luta pelo que sentimos certo. Concretizámos em símbolo aquilo que é um direito que não tem de ser concedido, apenas reconhecido. Aquilo que cobardemente, por conveniências eleitorais e mesquinhez mental, alguns se sentem no direito de negar aos seus concidadãos. Foi mais uma etapa que poderia e deveria ter sido a última. Mas foi uma manhã luminosa. E preparou-me para o resto do dia, melancolicamente luminoso também. Despedi-me finalmente do meu pirilampo, na companhia certa, e fui adoptada novamente. Não há substituições, não há lugares a ocupar, e realmente um ente querido nunca chega ao fim da sua morte, que nos acompanha tanto quanto a sua vida. Mas há espaço. E há uma fundação —por sinal o único local do país onde se faz cremação individual [sei que há muita gente que nem percebe porque é que não vai tudo para o lixo e pronto, mas enfim, nem vale a pena tentar explicar...]— uma fundação que é também abrigo para animais abandonados, com uma enorme lista de espera; e há uma gata arredia que vem miar para mim e que com cinco anos e sem rabo dificilmente vai ser adoptada. Também é uma tartaruga, chamava-se Boa-Nova, resolvemos num anagrama para Noa. Ainda anda a explorar território. E o zangado e triste Sombra lá vai bufar durante dois dias, mas bem ou mal desencolheu-se e largou o lugar da Frika no sofá. Os lutos fazem-se cá dentro. Chorar na altura certa faz bem. Limpa o pára-brisas. Ainda é estranho ver aqui uma tartaruga que não a que ainda cá pertencia. Mas a Noa encontrará o seu lugar. Há pelo menos três anos que não tinha quentinho, e mais gata de casa não podia ser. Está nas sete quintas. E acho que é razão mais do que suficiente para deixá-la ficar.


Minha Rodrigues, não consegui falar contigo, mas aqui tens a minha resposta à tua proposta. Como vês, não tinhas nada com que te preocupar. No meu caso, também ganhou a gata. ;)

sexta-feira, outubro 10, 2008

o discurso da prepotência

No Corredor do Poder um so called socialista repete o discurso quase-oficialmente-oficioso do PS: são a favor mas votam contra porque não andam a reboque do Bloco de Esquerda.


Não consigo imaginar que haja alguém que entenda claramente este discurso em espiral, que não pela mera exibição e abuso do poder. A igualdade no acesso ao casamento civil é um assunto constitucional que implica mudar duas vírgulas no código civil e escrever "cônjuges" onde hoje se lê "marido e mulher". É um assunto de direitos cívicos. De evolução civilizacional. Eles sabem. Eles têm maioria absoluta. Mas votam contra porque não estava no programa —deles. Porque não andam a reboque —de ninguém. E para não andar a reboque é preciso arrear bem os machos de carga e não dar liberdade de voto, não vá escapar-lhes a ferradura para exercerem em pleno os seus mandatos de deputado.



Se isto não é prepotência, eu ando a precisar de comprar um dicionário.


Ainda não é desta, sabemos todos. Mas de qualquer modo, eu amanhã vou-me casar, e a Raquel é o meu marido.

terça-feira, outubro 07, 2008

obrigada a todos





Frika em Outubro de 2006, com três meses

as partidas do son(h)o

abraçaste-me a noite inteira, sentiste? só esse abraço, quente, que me rodeou e aqueceu, que me consolou na cama incompleta. custou-me adormecer, mas quando o escuro desceu veio o teu abraço e o teu peito nas minhas costas, o teu sopro cálido no meu pescoço, carregando-me na paz possível até ao romper da manhã cinzenta.



sentiste?


[Perda após perda, este ano a morte tocou-me no ombro nas mais diferentes formas, nas mais diversas distâncias. E para cada morte houve um nascimento.

E porque é que isso, neste momento, não me consola?]

frika


Frika e Sombra, Setembro de 2008

Era um gremlin numa jaula, uma girafinha de orelhas monstras e cabeça pequenina, pescoço comprido, esgalgado, perna-longa. A coriza já estava tratada e ponta do rabo que gangrenara estava já amputada, mas o pêlo ralo ainda estava longe de esconder aquele estranho apêndice pelado que ficou de testemunha dos seus precoces tempos de rua. Lembro-me bem das minhas palavras quando a vi, oh pá, tão feia, tão linda! Foi amor à primeira vista. Com o Sombra já não... estava escaldado, já tinha recebido a Circe, depois o Aquiles, sempre o mesmo processo, sopra durante dois dias, ao terceiro é o melhor amigo e passadas umas semanas eles piram-se sem dizer água-vai, os galdérios. Mas a Frika ficou. E assim a guiou pelos cantos da casa, e assim veio ter com ela à casa que ela ocupou primeiro, assim a fez passar uns bons bocados de mimo e sexo oral quando a miúda se começou a tornar uma mulherzinha. Cool como sempre, equilibrou bem o triângulo amoroso que se formou com o alvo badocha-mor do território, ciumento como só visto.

Ela fez-se gata. Doce e pespineta, curiosa, esperta, bicho-do-mato, dada, elegante, ágil, segura. A ponta do rabo escondida pelo pêlo agora farto era a sua luzinha de pirilampo que só nós sabíamos sempre acesa. O corredor vibrava sob as suas corridas, os nossos olhos brilhavam a vê-la transpor obstáculos, elástica, espiral de vida. Sei que esse último salto que te levou para esse estúpido acidente na casa vazia deve ter sido lindo. Esperaste. Sentiste-me em casa e chamaste, chamaste até que eu percebesse onde estavas e em que estado. Já a vida tinha deixado as tuas patinhas de trás e a tua luzinha de pirilampo. Sossegaste no meu colo enquanto eu te sentia a fugir, em pânico, e despediste-te num espasmo, ferrando as presas no meu braço, um furo até ao tendão que me deu um esticão e adormeceu o polegar. O teu coração parou junto ao meu peito, cruzando a noite até ao hospital onde apenas o veredicto nos aguardava, e nada mais.

Não sei qual de nós quatro, os que ficámos aqui na tua casa, está mais triste, princesa. Adeus, pirilampo. Acho que esta noite ainda te vou sentir abandonada ao sono e à curva dos meus joelhos.

segunda-feira, outubro 06, 2008

sábado, outubro 04, 2008

piu


Rua da Rosa, Setembro de 2008


E pela noite piora e é mais ou menos assim que eu me sinto e tenho comichão no nariz e só digo disparates e dói-me tudo e mais o lado esquerdo e aiiiiiiiiiiiiiiiii... vá, pelo menos tenho mimo. E vem mais a caminho, que isto quem tem amigos, mora no centro, tem chá e não tem sono, tem tudo. Qualquer dia obrigam-me a pedir alvará...



... e isto não é um lamento. :)

gripeeeeeeeee... chuiff

A única vantagem do bicho foi obrigar-me a ficar em casa neste dia lindo e de temperaturas fatais. Sem dar por ela, dei por mim a ver a repetição vespertina d'Os Contemporâneos. E, bom, amiguinhos, à volta da personalidade do Moita Flores there's only so much you can do, foi um 'cadinho secante, ok? Mas houve bastantes compensações. Toda a paródia à volta da insegurança foi deliciosamente absurda e no ponto. Tipo photomaton distorcida. Do melhor. Mas este, este deu cabo de mim.

well...

... she's got my vote, that's for sure. Not so sure about the tatoo, though...

manhã esclarecedora

Conclusões a tirar de uma visita ao osteopata:

1. ser mulher é mesmo do c#&#%*o... recebemos menos por trabalho igual, somos reprimidas e sovadas e violentadas desde tempos imemoriais, e a culpa é toda nossa porque somos nós que os educamos, somos nós que nos educamos, somos nós que parimos o mundo senhores, tudo começa e acaba em nós, até devemos ser nós que batemos em nós mesmas quando não há uma porta de armário envolvida na história. No fim de contas somos todas-poderosas. Rejubilai!


[suspiro] Juro que não fui eu que comecei a conversa, aliás, eu e os meus feminismos ainda estávamos na cama, só os meus ossos estavam no consultório. Mas lá consegui dizer, laconicamente, que me faz confusão que ainda se ande à procura da culpa ao invés das soluções. E que se considere que existem facções separadas nesta história, como se este arremedo de tribalismo da caverna que ainda nos assombra não nos afectasse a todos, e não diminuísse imensamente o género masculino na sua fruição da vida e acção sobre ela. Pelos vistos o estado meio adormecido favorece-me. Reduz-me o discurso ao essencial. Ele ficou com olhos de processador, calado. Talvez não tenha sido ao lado...


2. o meu lado esquerdo é mais torto do que o outro; o que se calhar explica muita coisa.


Lado esquerdo - Clã


Nota final: desconfiar sempre de um homem que, nos tempos que ainda correm, diz de si mesmo que não é machista. Porra, eu sou gaja e feminista e faço exercícios diários contra o meu machismo latente, inescapável por estar na base da própria civilização que me criou. Realmente, a vã soberba é a qualidade mais democraticamente distribuída.

sexta-feira, outubro 03, 2008

quadrícula


Santa Catarina, Outubro de 2008

quinta-feira, outubro 02, 2008

yes, it's only a paper new moon...




... e assim é. Dança-se um bocadinho na passadeira rolante, depois agarra-se na mala e ala, que a viagem tem de seguir. Quando a passadeira já não rola, anda-se pelo próprio pé. Anyway, there's nowhere to go but on.

quarta-feira, outubro 01, 2008

os argumentários

Pois que eu não sou gaja de deixar passar a oportunidade de chatear, pois que não sou. E como tal, lá mandei o meu amélio para cada grupo parlamentar. A primeira resposta veio do Bloco, que por acaso é a origem da proposta que se vai discutir no dia dez. Não sei se o miolo do hemiciclo ainda vai dar sinal de vida, mas a segunda resposta veio da outra ponta da sala, do CDS-PP. E reza assim:

Exma. Senhora 

Agradecemos o e-mail que nos enviou.

Cumpre-nos informar que o CDS/PP respeita as opções de vida de cada um, no entanto, declinamos uma alteração ao regime do casamento e à sua natureza jurídica

Apresento a V. Exa. os melhores cumprimentos.

Lisboa e Palácio de S. Bento, 30 de Setembro de 2008



Tive de me desviar num repente, para não ficar esmagada sob o peso dos argumentos apresentados. Ainda assim, atrevi-me a responder...


Exm.ºs senhores,

Não querendo desrespeitar as convicções de ninguém, não me é compreensível que o respeito pelas opções de cada um seja compatível com a inconstitucionalidade patente no código civil quanto ao regime do casamento.

Mas aprecio e agradeço a vossa atenção à minha mensagem, assim como a vossa a resposta. Seguem abaixo, se vos prouver dar-lhes alguma atenção, as razões jurídicas pelas quais, como cidadã, considero que a vossa decisão é uma decisão contra a lei-base da nossa democracia. Se outra coisa não está em causa, está pelo menos isso.
Com os melhores cumprimentos,
AJM


Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.


(...)


Artigo 36.º
(Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.

(...)


in Constituição da República Portuguesa, Parte I — direitos e deveres fundamentais, Título I — princípios gerais





Continuo à espera da resposta... mas ainda não perdi a esperança de manter uma animada e democrática tertúlia cibernética com a chefe de gabinete do insigne grupo parlamentar mais à direita, jejeje.