terça-feira, outubro 07, 2008
frika
Frika e Sombra, Setembro de 2008
Era um gremlin numa jaula, uma girafinha de orelhas monstras e cabeça pequenina, pescoço comprido, esgalgado, perna-longa. A coriza já estava tratada e ponta do rabo que gangrenara estava já amputada, mas o pêlo ralo ainda estava longe de esconder aquele estranho apêndice pelado que ficou de testemunha dos seus precoces tempos de rua. Lembro-me bem das minhas palavras quando a vi, oh pá, tão feia, tão linda! Foi amor à primeira vista. Com o Sombra já não... estava escaldado, já tinha recebido a Circe, depois o Aquiles, sempre o mesmo processo, sopra durante dois dias, ao terceiro é o melhor amigo e passadas umas semanas eles piram-se sem dizer água-vai, os galdérios. Mas a Frika ficou. E assim a guiou pelos cantos da casa, e assim veio ter com ela à casa que ela ocupou primeiro, assim a fez passar uns bons bocados de mimo e sexo oral quando a miúda se começou a tornar uma mulherzinha. Cool como sempre, equilibrou bem o triângulo amoroso que se formou com o alvo badocha-mor do território, ciumento como só visto.
Ela fez-se gata. Doce e pespineta, curiosa, esperta, bicho-do-mato, dada, elegante, ágil, segura. A ponta do rabo escondida pelo pêlo agora farto era a sua luzinha de pirilampo que só nós sabíamos sempre acesa. O corredor vibrava sob as suas corridas, os nossos olhos brilhavam a vê-la transpor obstáculos, elástica, espiral de vida. Sei que esse último salto que te levou para esse estúpido acidente na casa vazia deve ter sido lindo. Esperaste. Sentiste-me em casa e chamaste, chamaste até que eu percebesse onde estavas e em que estado. Já a vida tinha deixado as tuas patinhas de trás e a tua luzinha de pirilampo. Sossegaste no meu colo enquanto eu te sentia a fugir, em pânico, e despediste-te num espasmo, ferrando as presas no meu braço, um furo até ao tendão que me deu um esticão e adormeceu o polegar. O teu coração parou junto ao meu peito, cruzando a noite até ao hospital onde apenas o veredicto nos aguardava, e nada mais.
Não sei qual de nós quatro, os que ficámos aqui na tua casa, está mais triste, princesa. Adeus, pirilampo. Acho que esta noite ainda te vou sentir abandonada ao sono e à curva dos meus joelhos.
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13 comentários:
Não sei porquê, mas estou a ouvir Beirut, A Sunday Smile, talvez a melhor canção de despedida que ouvi este ano, um agri-doce que me deixa sempre com um nó na garganta, que o teu texto me trouxe para os olhos...
"A Sunday smile you wore it for a while.
A cemetary mile we paused and sang.
A Sunday smile you wore it for a while.
A cemetary mile we paused and sang.
A Sunday smile and we felt true. (and)"
Não quero acreditar...
:(
Nem sei o que te dizer.
.
O molhado dos olhos e a tristeza que se instalou comprovaram-me que não estava a sonhar (ou a ter um pesadelo)... mas ainda não acredito!
Apetece-me ligar-te... mas falar agora... só quando o nó afrouxar.
Beijos beijos beijos
e abracinhos dos meus.
Lamento imenso a tua/vossa perda.
Um beijo.
Lamento muito, Manelinho... :(
Muitos beijinhos para ti e para os gatinhos...
Lamento muitíssimo :(
Recentemente, também, perdi a minha tartaruguinha velhinha e sei bem o quanto dói!
Coragem... porque, nestas alturas, não há muito mais a dizer e tudo parece vão a quem sofre :(
Um abraço
(Sinto muito. Nada mais há que possa dizer. Creio)
beijos, muitos. um abraço apertado, querida.
Vi a fotografia - é uma gata lindíssima, com um ar "egípcio"; mas o que me tocou verdadeiramente foram as palavras, as emoções, de uma beleza avassaladora. Só quem tem animais e os ama assim como amamos as pessoas consegue escrever algo assim.
Obrigada. E onde quer que Frika esteja, estará bem.
Obrigada. E obrigada especialmente a ti, Catarina, por teres usado o verbo ser no presente. É uma gata lindíssima, sim.
Nasci para morrer,
Este é o meu fado.
No dia em que nasci,
Nada sabia senão que ia morrer...
Tudo o resto é nada!
Nascemos para morrer.
Morremos por ter nascido.
Portanto, não chorem.
Não desperdicem lágrimas com a minha morte.
Chorar?
Chorem por vós.
A meio vai o vosso fado.
Para mim?!
Palmas!
Pois o meu fado,
esse, está cantado.
(1999)
Nasci para morrer,
Este é o meu fado.
No dia em que nasci,
Nada sabia senão que ia morrer...
Tudo o resto é nada!
Nascemos para morrer.
Morremos por ter nascido.
Portanto, não chorem.
Não desperdicem lágrimas com a minha morte.
Chorar?
Chorem por vós.
A meio vai o vosso fado.
Para mim?!
Batam palmas,
pois o meu fado,
esse, está cantado.
(1999)
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