Os sentidos, desde o início. As imagens que escorrem devagar, a segurança lenta da câmara de um filmador só agora feito cineasta. As mãos feridas, o medo da bomba. A chegada, a nudez da recusa, a merda nas paredes, o mijo protestado por debaixo das portas das celas. As diferenças entre os guerreiros, na mesma cela, na mesma luta, mas o gaélico só é língua-mãe para um, para o outro a mãe fala inglês. Os desvios, a câmara segue o guarda, ou este específico prisioneiro, ou todo o grupo, ou apenas o percurso solitário de um outro? A brutalidade, a animalidade, o polícia que chora esmagado pela sua própria condição, esse plano avassalor dividido em dois. A mãe coberta de sangue, impassível. O lento avanço da esfregona pelo corredor que quase se cheira, um homem só limpando um corredor de portas fechadas, um homem só no meio de prisioneiros atrás dos ferrolhos de ferro, a pista que se prepara para uma nova etapa do corta-mato de Bobby Sands. Na missa o vigário prega, mas o verdadeiro celebrante está no meio da assembleia, senhor dos passos preparando a própria via. O homem está só entre os outros nove que entretanto puseram também pés ao caminho. Entre os milhares que se manifestaram pelo mundo inteiro. Não se ouvem, os outros, os gritos, os discursos políticos. Já nem Maggie Thatcher se ouve quando o processo se inicia, depois de pivotear calma, elegante, profundamente nos dois homens à mesa beijados pela luz e abençoados por um magnífico diálogo, já não há mundo, já só há corpo. O corpo que se vai expulsando a si mesmo na fome, na certeza, no corta-mato, na sua escatológica dignidade. Chagas, pele, cheiros, toques, feridas que ardem, desde as mãos gastas de esmurrar da abertura do filme, lágrimas silenciosas, cinema, luz e um actor que se recolhe e entrega à medida que o seu corpo fraqueja e nos esmaga sob o seu peso. Um soco. Um alento. Uma claustrofóbica, luminosa, grandiosa beleza. Um portento.
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