RODRIGUINHOS: E isso não lhe faz cócegas?
CARECA: Não, nenhumas. É uma grande felicidade. Mantém-me os órgãos internos aconchegadinhos e quentes. O que para mim é óptimo. Sabe que eu sou uma pessoa muito frágil... Por dentro.
RODRIGUINHOS: Para dizer a verdade, isso faz-me impressão. Os pêlos a avançarem para os pulmões. A cercarem o coração...
CARECA: Um tipo habitua-se.
RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se.
CARECA: Um tipo habitua-se a tudo.
RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se a tudo.
CARECA: E você, o que é que faz?
RODRIGUINHOS: Eu tenho um dom.
CARECA: Ah... (breve pausa.) Um dom?
RODRIGUINHOS: Um dom. Olho para um ovo e sei se vai ser galinha ou não. Sim ou galo.
CARECA: Ah... (breve pausa.) É muito bom ter um dom.
RODRIGUINHOS: Ai não que não é. Ter um dom é tudo.
Pausa; ouve-se vento e chuva.
CARECA: O meu coração é como certas piadas. Tem barbas.
Jacinto Lucas Pires, Arranha-céus, 32
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