segunda-feira, outubro 22, 2007

trabalho de casa II

CARECA: Eu não sou careca. Não sou careca. O que acontece é que os cabelos, e todos os pêlos em geral, me crescem para dentro.

RODRIGUINHOS: E isso não lhe faz cócegas?

CARECA: Não, nenhumas. É uma grande felicidade. Mantém-me os órgãos internos aconchegadinhos e quentes. O que para mim é óptimo. Sabe que eu sou uma pessoa muito frágil... Por dentro.

RODRIGUINHOS: Para dizer a verdade, isso faz-me impressão. Os pêlos a avançarem para os pulmões. A cercarem o coração...

CARECA: Um tipo habitua-se.

RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se.

CARECA: Um tipo habitua-se a tudo.

RODRIGUINHOS: Pois é, um tipo habitua-se a tudo.

CARECA: E você, o que é que faz?

RODRIGUINHOS: Eu tenho um dom.

CARECA: Ah... (breve pausa.) Um dom?

RODRIGUINHOS: Um dom. Olho para um ovo e sei se vai ser galinha ou não. Sim ou galo.

CARECA: Ah... (breve pausa.) É muito bom ter um dom.

RODRIGUINHOS: Ai não que não é. Ter um dom é tudo.

Pausa; ouve-se vento e chuva.

CARECA: O meu coração é como certas piadas. Tem barbas.

Jacinto Lucas Pires, Arranha-céus, 32

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