- És bem capaz de matar uma pessoa e depois dizer que ela está a fingir estar morta. [...]
- Quem me dera que morresses como um cão! -respondi-lhe, gritando. Recordo-me de ter ficado surpreendido e horrorizado depois de ter proferido estas palavras tão terríveis; não consigo perceber como elas podem ter saído dos meus lábios. Assim que as disse, corri em direcção ao escritório, depois sentei-me e comecei a fumar. Dali conseguia ouvir os seus movimentos na antecâmara, preparando-se para sair. Chamei-a: -Onde vais? -mas não me respondeu. O diabo persegue-a!, disse para comigo, enquanto regressava ao escritório, onde permaneci e continuei a fumar. O meu cérebro arquitectava mil e um planos para me vingar e, ao mesmo tempo, também engendrava ideias para reparar todo o mal que tinha sido feito e dito. Meditava sobre tudo isto, sem nunca parar de fumar. Pensei em fugir, em esconder-me, em emigrar para a América; cheguei mesmo ao ponto de pensar na melhor maneira de me livrar dela, imaginando ainda com alegria que depois dela morta, tudo voltaria aos seus devidos lugares e que eu me casaria com outra mulher maravilhosa, mais nova e pura. Mas para me livrar dela teria de ser através de morte natural, ou então pedia o divórcio; mentalmente comecei a pensar na forma mais propícia de provocar esta situação. Depois tomei consciência de que estava a desviar-me do problema e não estava a pensar como devia, e para toldar a minha consciência limpa, continuei a fumar.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
domingo, agosto 05, 2007
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