Apresentei-o à minha mulher, e imediatamente a conversa se virou para a música e ele ofereceu-se para a acompanhar com o violino. Nessa manhã, bem como durante todo o período que se seguiu, a minha mulher esteve sempre muito elegante, com uma beleza sedutora e provocante. Era por demais evidente que ele lhe tinha agradado desde o início; para além disso, ela estava encantada com a ideia de ele a acompanhar com o violino, um prazer que ela tanto apreciava; tinha chegado até a contratar um músico de um dos teatros para o acompanhar ao piano. Os seus olhos reflectiam esta alegria; e assim que os nossos olhos se encontraram, ela adivinhou os meus pensamentos e, de imediato, alterou a expressão do seu rosto; e então demos início ao jogo do engano. Eu sorria com toda a graciosidade e parecia sentir-me verdadeiramente encantado.
[...]
Ela esforçava-se por parecer indiferente, mas ficou algo confusa com o falso sorriso e com a expressão que viu na minha cara, que mostrava o homem ciumento que lhe era familiar. A partir do momento em que o viu pela primeira vez, pude observar que ela tinha um brilho diferente no olhar; e, muito provavelmente devido ao meu ciúme, uma corrente eléctrica parecia ligá-los, conferindo-lhes o mesmo olhar e o mesmo sorriso;[...] então ele levantou-se para ir embora e, apertando o chapéu contra a coxa, sorriu, e assim ficou, olhando ora para ela, ora para mim, como se estivesse à espera que um de nós fizesse algo.
Recordo-me bem deste momento, porque durante esses segundos esteve na minha mão impedi-lo de continuar a frequentar a nossa casa e assim a catástrofe nunca teria ocorrido.
[...]
Mas eu não podia esconder de mim próprio que a presença daquele homem era uma tortura para mim; "Está na minha mão", disse para comigo, "evitar que ele nos continue a perturbar com as suas visitas; mas se admitir que ele me incomoda, também estou a admitir ter medo dele, o que não é verdade, isso seria demasiado degradante". E quando ele já se encontrava na antecâmara e se preparava para sair, insisti novamente para que nos visitasse nessa noite e trouxesse o violino; ao fazer isto sabia que a minha mulher conseguia ouvir tudo o que dizíamos. Ele prometeu fazê-lo e saiu.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
domingo, agosto 05, 2007
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