As oito horas de viagem na carruagem foram uma experiência horrível, que jamais poderei esquecer enquanto viver. Não sei precisar se esta alteração se deveu ao facto de eu ter tomado consciência de que a viagem me aproximava irremediavelmente do meu objectivo final, ou se era apenas o sentimento febril e de desassossego que em geral nos acompanha numa viagem de comboio. Apenas sei que, a partir do momento em que entrei no compartimento, perdi o controlo dos meus pensamentos, que voavam de umas imagens para outras incessantemente, cada uma mais cínica do que a anterior, inflamando cada vez mais o meu ciúme, focando sempre o mesmo tema... o que se estaria a passar em minha casa na minha ausência, e como ela me estava a ser infiel. [...] "Não, não pode ser! Não, as minhas suspeitas não têm qualquer fundamento. Não foi ela própria que me afiançou ser uma desonra eu sentir ciúmes por aquele homem? Sim, ela tinha-mo dito; mas estava a mentir; esteve sempre a mentir-me."
[...]
Não conseguia descobrir nenhum tema que afastasse os meus pensamentos das suas pessoas. Eu sofria terrivelmente. Mas o que me causava maior dor era a incerteza, a dúvida, a ignorância em que me encontrava e o facto de não saber que sentimento devia ter para com ela: amor ou ódio. Sentia-me flagelado pela minha angústia, de tal modo que pensei em deitar-me sobre os carris de ferro e deixar que o comboio me despedaçasse, terminando com todo o meu sofrimento. [...] Só não o fiz por sentir pena de mim próprio, o que imediatamente converti em ódio em relação à minha mulher. [...] Quanto a ela, o meu ódio era total. "Eu não posso morrer e deixá-la viva," disse para comigo. "É justo que ela sofra o mesmo que me tem feito sofrer".
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
terça-feira, agosto 07, 2007
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