Julgo ser supérfluo dizer que eu era uma pessoa extremamente vaidosa. Viver sem vaidade é quase impossível.
[...]
Tocaram a Sonata Kreutzer, de Beethoven; conhece o primeiro presto? Eh? Ah!... -exclamou. -Essa sonata é uma música estranha, especialmente a primeira parte. Em geral a música é algo estranho. Eu não a compreendo. Mas o que é a música? Que efeito é que ela produz? E porque produz ela o efeito que produz?
[...] De facto, age sobre nós, só que produz um efeito terrível... falo em meu nome... em vez de deleitar a alma, nem a eleva nem a deprime, apenas tem o dom de a irritar? Como posso ser ainda mais claro? A música obriga-me a esquecer-me de mim próprio e do estado em que me sinto; transporta-me para outra dimensão. A sua influência faz-me imaginar e sentir coisas que não são verdadeiras, compreendo coisas que não entendo, faço coisas que estão para além da minha capacidade. [...] No caso de uma marcha militar a situação é bem diferente; os soldados avançam ao compasso da música, guardando tempo para essa mesma música, e o objectivo é alcançado; se se trata de música para dançar, o objectivo é alcançado do mesmo modo [...]; se falarmos numa missa, eu comungo ouvindo os cânticos, e também aqui a música não foi em vão. Mas noutros casos esta só provoca irritação, sem dar qualquer pista sobre o que fazer enquanto este sentimento durar. [...] Na China a música é uma preocupação de estado; e é assim que deve ser. Será que algum país iria tolerar que alguém hipnotizasse outra pessoa para depois fazer com essa pessoa o que bem lhe aprouvesse, em especial se este hipnotizador, por exemplo, fosse sabe Deus quem, uma pessoa sem moral?
A música é, de facto, uma arma terrível para quem a souber manejar.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
segunda-feira, agosto 06, 2007
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