É verdade que desconcertei o par ao aperceberem-se do meu próprio embaraço: durante muito tempo fui incapaz de proferir uma palavra que fosse; eu parecia uma garrafa virada de pernas para o ar, não deixando sair o líquido nela contido por estar demasiado cheia. Queria recriminá-los, expulsá-lo de minha casa, mas sentia, por outro lado, que devia parecer amigável e afável para com o músico. E assim fiz; fingi que concordava com tudo... e obedeci ao impulso de intensificar a minha estranha relação de civismo e cordialidade para com ele; só que a sua presença agudizava ainda mais o meu sofrimento. [...] Ele permaneceu o tempo que achou indispensável para fazer desaparecer a impressão desagradável que eu tinha provocado ao irromper pela sala com a minha expressão de terror estampada no rosto, e pelo silêncio embaraçoso que tinha mantido mesmo depois de ter entrado. Só depois é que resolveu sair, fingindo já terem decidido que peças musicais iriam tocar no dia seguinte. Eu estava convencido de que o programa musical lhes era de todo indiferente. [...] E apertei-lhe a mão macia e branca com um entusiasmo pouco habitual.
Lev Tolstoi, Ensaio sobre o ciúme [A sonata Kreutzer], 1891, trad. Isabel Risques
domingo, agosto 05, 2007
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