Um grupo e um automóvel atolado. Três homens exibindo à vez as suas perícias de brecagem, sempre debalde e o carro sem arredar pé da cova. Diz o quarto elemento, "o carro do João tem um gancho para reboque, há ali uma corda, porque é que não...?". E os três homens revezam-se, embraiagem, acelerador, travão de mão, embraiagem, ai ai ai, está quase, afinal não, venha o próximo. E o quarto elemento: "mas porque é que não?...". E os três homens, novamente, bravos guerreiros, surdos às vozes pequeninas.
Ao fim de uma hora o Fred tem uma ideia luminosa: "o carro do João tem um gancho para reboque, há ali uma corda, porque é que não...?" e de repente a surdez epidémica desvanece-se, pois claro, como é que não pensámos nisto antes?, vamos a isso!
O quarto elemento encolhe os ombros e acede, "eu compreendo, eu compreendo... mas porque razão haviam de escutar o que eu estou a dizer há uma hora? é claro que eu não havia de perceber nada do assunto, só poderia estar a deitar conversa fora..."
O quarto elemento, resta acrescentar, chama-se Sofia. E nenhum dos três homens é militantemente machista, misógino, sexista, chauvinista. São mesmo o que se pode chamar de "gajos porreiros". Infelizmente o porreirismo é pouco contra séculos de comportamentos e [des]valorizações enraizadas bem abaixo do couro cabeludo.
sábado, junho 07, 2008
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16 comentários:
Não há aí uma questão de cliché? Como a ideia que se fosse um homem a dar conselhos de moda a um grupo de mulheres, estes seriam ignorados? Não poderá a perguiça (ir buscar a corda e tudo o mais dá trabalho) e a soberba ( eu sou um grande condutor) serem motivos mais fortes do que o facto de ter sido uma mulher a ter a ideia?
Não estás a perceber, eles pura e simplesmente não a ouviram. Novamente, está tudo isso misturado com a soberba masculina, mas a soberba masculina vem de onde?
Sai outro post... :p
Podes sempre encontrar exemplos concretos de seja o que for que estejas à procura. Não estive lá, não vi, acredito que tenha sido a menorização da opinião dela apenas por ser mulher. Mas há que ter cuidado quando se procuram sinais nas mais pequenas coisas porque se encontram sempre. Eu sou casado, sou eu que conduzo e trato do carro. É ela que passa a ferro e trata da roupa. Rapidamente encontras aqui sinais do Poder. Mas sou eu que cozinho e é ela que trata do bricolage todo (montar prateleiras e coisas do género). Já existe uma inversão dos papeis tradicionais. O que, por si só, não significa nada. Resumindo, quando procuras algo encontras, O Poder está lá, mas será este um exemplo? Não a ouviram? A mim muitas mulheres não me ouviram em muitas coisas. Eu olho mais para o facto de não existir uma única mulher no concelho de administração da minha empresa por exemplo...
Ainda não me apeteceu ir aos números, às estatísticas. Quando aos exemplos do dia-a-dia... são eles o alicerce do edifício todo.
Há uns tempos o Júlio Machado Vaz dizia: sou machista, tenho de assumir que sou machista; se ao terminar uma refeição tenho de pensar e obrigar-me a não passar directamente para o sofá enquanto as mulheres levantam os pratos, tenho de reconhecer que sou machista.
Quanto a esta história especificamente, se calhar há um pormenor que deveria estar no texto: eu não estive presente e a história não me foi contada pela Sofia, mas pelo João, um dos que não a ouviu, assumindo o ponto de vista que uso aqui. Portanto, acho que sim, que podes acreditar que é o sexismo que a define.
E não acho que encontres tudo o que procuras. Se não procurares não encontras nada, isso é certo, agora o contrário...
Se não procurares não encontras, certo, mas chamarias feminista a uma mulher que, ao ver que o pneu do carro está furado, chama o marido para resolver a questão?
Pode ser feminista e não conseguir mudar pneus. Chamaria machista a qualquer mulher ou homem que partisse do princípio que uma mulher, por ser mulher, não seria capaz de mudar um pneu. São duas coisas muito diferentes.
Eu cá nunca mudei um pneu, ainda não precisei, apesar de conduzir há mais de dez anos. Imagino que com esta prática toda, a primeira vez, que há-de chegar, imagino, vá ser digna de nota, eheheh...
Ah... e retiro aquele disparate que escrevi ali em cima. Há imensa coisa que se encontra sem procurar. Coisas maravilhosas, às vezes. :)
Quis dizer feminista como oposto a machista e não no sentido normal de feminismo. Ou seja, um homem que não faz automáticamente algo que nunca fez na vida, como lavar a loiça, é machista. Eu acho isso redutor. Acho que é apenas um homem que não faz algo que nunca fez na vida. O que chamar a uma mulher que não muda o pneu então? Ou a um homem que não aspira? Ou a uma mulher que não monta prateleiras? Ou a um homem que lava o chão? Ou a uma mulher que gere as contas da casa? Ou a um homem que cozinha? Ou a uma mulher que joga à bola com os filhos?
Qual é o sentido "normal" de feminismo? :)
Feminismo -s. m.,
sistema que preconiza a igualdade de direitos entre a mulher e o homem;
Neste caso estaria a dar-lhe o tom pejorativo de machismo, ou seja uma mulher que se sentiria superior aos homens em geral.
Pois, mas é que o dicionário está certo. Feminismo não é machismo ao contrário. É uma corrente de luta pela igualdade. É por isso que me incomoda ver que tão poucos homens têm coragem de se assumir como feministas. Das mulheres que repudiam a palavra, então, nem falo. Sempre que oiço uma mulher dizer "não sou feminista" fico doente... e triste. É como ouvir um chinês gritar "morte aos amarelos!" [mau exemplo, se calhar, considerando o contexto de greves em que andamos nos últimos dias :p]
Seja como for, e repondo o conceito de feminista, acabaste por não responder à minha pergunta... ;)
Se andares um bocadinho para trás, verá que já tinha respondido... :)
RIght...
No fundo o que eu queria dizer é que não se pode chamar machista a alguém por fazer ou não fazer algo em casa. Eu cozinho, não é por isso que sou ou deixo de ser machista. É diferente um homem não fazer uma coisa, ou achar que, por direito divino, essa coisa não deve ser feita por ele apenas pelo que tem entre pernas. Às vezes são conceitos que acho que são metidos todos no mesmo saco.
O Machado Vaz usou a questão do levantar a mesa como símbolo dos esforços que às vezes é preciso fazer para ultrapassar comportamentos adquiridos. E por acaso acho que foi um exemplo bem escolhido: tenhas ou não cozinhado, costumes passar a ferro, aspirar ou apanhar bebedeiras frente ao futebol na tv, acabares de comer e partires do princípio que outra pessoa tem obrigação de arrumar e limpar o que sujaste... enfim. Mas sim, não é por isso que és ou deixas de ser machista.
O que queria dizer é que uma acção tem três pontos de vista: a de quem executa, a da pessoa sobre quem ela recai e a interpretação de terceiros. O machismo está na intenção de quem executa. O problema é que os outros dois pontos passam muitas vezes pelo primeiro. É preciso cuidado nas interpretações...
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