sábado, junho 07, 2008

subjectivamente objecto 2.0 - reminiscências da Sala Estúdio [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino 7.0]

Ainda em embrião o espectáculo em redor das canções, e nós no último andar do mausoléu a passar cada número com o piano. O doce Don Juan do grupo, sempre galaró, mas sempre carinhoso, coloca-se frente ao microfone para o seu solo. Eu e a Luísa, sentadas no degrau, ficamos com uma vista privilegiada da parte posterior do corpo maneirinho que se atira à canção. Bem discretamente, comentamos as vistas entre nós. No ensaio seguinte, cúmplices, vamos sentar-nos precisamente no mesmo sitio. As calças eram diferentes e as vistas menos entusiasmantes. A canção termina e nós, rindo e lançando a piada como pedindo cumplicidade [já que a nós também é pedido desportivismo em situações semelhantes], atalhamos: "aqui a malta prefere as calças de ontem..."


O nosso Don Juan não dá parte fraca, claro, e sorri. Mas resposta, não tem. E revejo-lhe nos olhos de repente tímidos e algo desorientados, o tamanho insignificante a que uma apreciação física, mesmo que elogiosa, pode reduzir-nos. Sejamos mulheres ou homens. A diferença é que qualquer uma de nós está, infelizmente, mais que habilitada a dar palestras sobre piropos bem mais rasteiros, bem mais violentos, bem mais menorizantes. Quase desde os cueiros. Lembro-me bem de ter onze, doze anos, e passar a tremer e em passo estugado frente aos prédios em construção que me ficavam no caminho da escola. Não é pêra doce, crescer assim, acreditem-me rapazes.

3 comentários:

MPR disse...

Lá está, aqui dizes que o lixado é o comentário sexual, seja feita por homens ou mulheres...

Manel disse...

Sim. E também digo que, socialmente, está por defeito nas bocas masculinas, e quanto mais violento mais a relação é directa. E que as mulheres crescem com a agressão disfarçada de elogio, dos pátios da escola até à calçada. Eu, com a carapaça de mulher que fui obrigada a construir, dificilmente me sentiria menorizada ou ficaria desorientada se estivesse no lugar do nosso Don Juan. Mas a que custo?

Daqui ninguém sai vivo, como dizia o outro. Nem vocês nem nós. Mas as mulheres são, por definição [embora muito tenha mudado e muito esteja sempre a mudar] as vítimas, aos olhos dos homens e para si mesmas. É uma caixa negra fodidita de desmontar...

MPR disse...

Point taken...