Hoje tive um dia como há muito não via. Voltas em atraso, horas a menos e lá sai o boguinhas do estacionamento onde estava há mais de uma semana. Não posso deixar de pensar que é pelo trânsito que este país não avança. Não, a sério, a quantidade de mau karma acumulado por cada besta que anda no asfalto só pode ter repercussões na errância patética desta santa terrinha. Por todo o lado ouvi berros, vi gesticular, vi acelerações radicais só para impedir o parceiro de entrar à frente. Fui insultada logo pela manhã e insultada pela tardinha. O eterno retorno.
Não sou de grandes modas a conduzir. Paro nas passadeiras, respeito as regras, faço uma condução cívica, mas não me fico à espera de decretos para avançar e fluir na estrada. Se uma rua está em fila e o carro que tem prioridade demora a arrancar, não fico, obviamente, à espera que me dêem passagem. Ora foi exactamente isto que aconteceu quando vinha a chegar a casa, preparando-me para cruzar a Almirante Reis, vinda do Paço da Rainha. Tudo poderia ter sido fluído e pacífico, mas o dito automóvel que demorava a arrancar acelerou sofregamente: o macho latino que ia ao volante tinha de fazer valer o seu poder e mostrar quem mandava ali. Eu entrei na mesma, tal era o espaço que mo permitia, mas ouvi buzinas, berros e observei os gestos da praxe no retrovisor. Aos que me insultaram de manhã só me ri e pedi que respirassem fundo antes que lhes desse uma coisinha má, agora já não estava tão fresca, e, carago, não se vive com um pé e meio coração no Porto durante tanto tempo impunemente. Pois sim, braço de fora e fiz-lhes um saboroso pirete. Já sabia que ia parar no semáforo, mas nunca pensei ter de assistir a um espectáculo tão triste. Ameaçadoramente, saem os dois machos entradotes e dirigem-se de peito feito à minha janela. Berram, gesticulam, estão genuinamente escandalizados com a minha falta de educação, teatram, insultam. Calmamente, encaro-os e pergunto, "mas vão-me bater?". Um chapadão, era o que eu merecia, eu isto eu aquilo, ou uma trancada no carro. Apontando a polícia que sempre está do outro lado da avenida, convido-os a concretizarem a ameaça. Continuam a berrar, mas mais baixinho, e vão recuando pouco a pouco. Eu só articulo um "que cena tão triste" enquanto recebo os olhares divertidos dos peões que nem deram pelo verde para atravessarem a rua. Mas estava a estranhar a falta do elemento recorrente. Ainda nenhum deles me tinha chamado puta. E discussão de rua com machos sem que me chamem de puta, eu até estranho. "Vais trabalhar, não é, sua ordinária, ali para baixo?", o braço em riste aponta o largo do Intendente, pois claro. Sorrio, quase aliviada. "Sim, pego agora, que a tua mulher está quase a largar o turno". Ele fica a barafustar dentro do carro, vermelho de raiva, e o sinal abre. Cruzo a avenida e paro na passadeira para dar passagem a quem de direito. Ambas as bestas aproveitam para me ultrapassar, e está o retrato acabado. A moça por pouco atropelada agradece-me e eu sorrio-lhe. Mau karma, senhores, é o que eu digo. Em boa hora aprendi o mantra perfeito para estas situações: hmmmmmmkiiiiisssssmmmmmyaaaaaasssssss...
Agora a questão: porque é que respondi na mesma moeda, chamando puta à respectiva da abécula condutora? Se calhar apenas porque sabia que era a melhor forma de o atingir. Se calhar porque para mim, ser mulher do dito cujo, isso sim, é um insulto.
E quanto ao poder puro e duro... basta pensar quais seriam as minhas hipóteses de sair por cima se isto se tivesse passado de noite, sem testemunhas e sem a polícia que sempre patrulha aquele cruzamento, graças precisamente aos dealers e às putas do Intendente.
quinta-feira, junho 05, 2008
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1 comentário:
Ora bem. Já fui vitima (?) de um episódio parecido, com um motard que, resumindo uma história longa, acabou por ficar de capacete, colete, luvas, e o resto da parafernália de gladiador, a bater-me na porta do carro aos berros, a gritar para eu abrir as janelas, acrescentando que eu tinha era sorte por ele não ser violento...
É, infelizmente, um tipo de episódio comum.
Agora, recuando um pouco na conversa, onde está o tal Poder masculino?
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