Uma das razões da minha paixão pelo 28 são as janelas. Num eléctrico antigo abrir a janela significa planar sobre a rua e hoje o meu dia foi um jackpot. O fedor dos escapes cortado na passagem das horas pelo vento de tília que só aqui se sente, cada esquina arroxeada pela flor dos jacarandás e uma viagem dos Prazeres até à Graça, com a janela aberta. Na paragem da Estrela, um cromo grande e gordo demais para usar a pala do boné ao contrário sem suscitar um sorriso, tenta convencer uma outra personagem, essa sim, digna de nota, a subir.
É uma velhota mestiça, magra, encurvada, bem mais pequena do que já foi, com certeza. Bengalinha na mão, o turbante verde-vivo dá com a saia verde-vivo. A blusa é acetinada, preta. E as pantufas de malha, ortopédicas, são prateadas, como os brincos compridos, as pulseiras mil, os óculos grandes. Liberto os tímpanos, é nítido que neste momento do filme o Dylan tem de passar a um enevoado background. A deixa da personagem, é curta e colorida: "Não, não, é que se passar um micro-ondas que vá para Santos, também me serve." Uns segundos antes, um grupo de turistas gritava para dentro do eléctrico "Baixeu, baixeu!, Non, non baixeu, non baixeu!" Esta cidade está a receber-me com os highlights do seu espectáculo luminoso. E o i-pod de nada me serve, de repente, agora que só me vem à cabeça uma canção que não tenho comigo: yo quiero ser una chica Almodovar...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
"O fedor dos escapes cortado na passagem das horas pelo vento de tília que só aqui se sente, cada esquina arroxeada pela flor dos jacarandás e uma viagem dos Prazeres até à Graça, com a janela aberta."
Magnífica descrição, manel....Quase me senti lá :)
:) ena... obrigada, Max. um abraço para os algarves!
Enviar um comentário