sexta-feira, junho 06, 2008

metafísica de linhagem condal 2.0 [ou Pediram-me posts sobre o poder masculino 4.0]

DON MARZIO Uma festa? Ouvi bem, uma festa? E há alguma coisa para se comer?

TRAPPOLO Sim, até para si.

DON MARZIO Oh, que bom, assim poupo os 15 soldos da ceia.

LEANDER Este come por 15 soldos, isso são €22,42, quatro contos e quinhentos. Não está mal. E agora tu, minha menina, alguma vez o rapaz louro te possuiu?

LISAURA Onde pensas chegar, senhor conde? Ele é tão fiel quanto eu e eu quanto ele.

LEANDER Isso é alguma resposta de jeito? Diz lá, não te faças de esquisita.

LISAURA Não me agarres com tanta força, isso não se faz.

LEANDER Eu é que decido que se faz ou não se faz.

LISAURA Nem sempre, meu amigo, nem sempre, e agora largai-me.

LEANDER Que linguagem tão hostil, estranho o teu tom de voz.

LISAURA Pois, mas é conhecendo coisas novas que se continua jovem.

LEANDER Eu chamaria a isto insubordinação, e não outra coisa.

LISAURA Chamai-lhe o que quiserdes e dai-vos por satisfeito.

LEANDER Nem pensar. Eu nunca poderia gostar de modos novos e pouco agradáveis numa mulher.

LISAURA Uma pessoa não é apenas uma coisa, é composta de muitas coisas.

LEANDER Uma pessoa, sim, mas uma mulher não é uma pessoa.

LISAURA Está bem. Está cá um primo meu de visita, Ferrante, vem de Milão e passou por cá.

LEANDER Ai sim, um primo, de visita, e de Milão, ainda por cima. Muito bem.

LISAURA Está hospedado em minha casa, por alguns dias, mas não se incomoda contigo.

LEANDER Já chegámos a este ponto, de me enganares assim às claras e nas minhas barbas?

LISAURA Um primo é um primo.

LEANDER E é homem.

LISAURA Quando o vires vais mudar de opinião. Aí vem ele.

PLACIDA É este o conde?

LISAURA É ele, em carne e osso.

PLACIDA É mesmo belo, o conde, e viril. Também me agradaria, com certeza.

LEANDER O senhor é o primo aqui da Lisaura, minha noiva, e acaba de chegar de Milão?

PLACIDA Eu diria prima, mas no registo civil ficou decidido que seria primo.



Rainer Werner Fassbinder, O Café [a partir de Goldoni], II acto, trad. Cláudia Fischer

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