domingo, junho 29, 2008

of sheep and lions

Unless you drop your personality you will not be able to find your individuality. Individuality is given by existence; personality is imposed by the society. Personality is social convenience.

Society cannot tolerate individuality, because individuality will not follow like a sheep. Individuality has the quality of the lion; the lion moves alone. The sheep are always in the crowd, hoping that being in the crowd will feel cozy. Being in the crowd one feels more protected, secure. If somebody attacks, there is every possibility in a crowd to save yourself. But alone? - only the lions move alone.

And every one of you is born a lion, but the society goes on conditioning you, programming your mind as a sheep. It gives you a personality, a cozy personality, nice, very convenient, very obedient. Society wants slaves, not people who are absolutely dedicated to freedom. Society wants slaves because all the vested interests want obedience.

Osho, One Seed Makes the Whole Earth Green, Chapter 4

sábado, junho 28, 2008

hoje vi morrer um homem

O corpo estava estendido no chão e duas mãos jovens massajavam-lhe o peito. O INEM levou vinte minutos a chegar, o meu espelho não embaciava frente à boca entreaberta e enrugada, a pele ganhava gradualmente leves tons de roxo. Para algumas pessoas a ajuda tinha sido pedida há uma hora, não era verdade, mas o tempo é a relatividade por excelência, e para aquele corpo em despedida da vida sob o calor da Rua da Rosa, vinte minutos foram a eternidade necessária para desistir. Ao lado está o Hospital de St.Louis. A recepcionista, a quem mais do que uma pessoa acorre em busca de ajuda, nem pega no telefone, de acordo com todos os relatos, e a resposta é sempre a mesma "isto é uma clínica privada, os médicos que vêm ao fim-de-semana vêm para operar, não podemos fazer nada". A terceira pessoa que a ela se dirige diz que a única coisa que a viu fazer foi chamar o 112. Que já tinha sido chamado, havia um quarto de hora.

Chega o carro de socorro, chega o soro e a máquina de reanimação, mas é tarde demais, nem um sinal vital, apenas as pálpebras abrem por um momento, era capaz de jurar que aqueles são os olhos de um vivo, mas não, é projecção dos meus próprios olhos. A mulher entretanto avisada, velha e frágil, bebendo água com açúcar apoiada numa ombreira de pedra, a filha sem derramar uma lágrima, pergunta aos paramédicos se não conseguem mesmo fazer mais nada, os olhos parados face à resposta negativa, a boca repetindo sozinha num ciclo, o meu pai, o meu pai, o meu pai. O saco branco recebe finalmente o corpo. Ainda há quem tente que a polícia registe a ocorrência da omissão de auxílio, não me vou embora, pode ser que seja preciso testemunhar alguma coisa, mas as respostas são sempre as mesmas, é uma clínica particular não podemos fazer nada, não podemos fazer nada. Vejo dispersar, e lá me vou em direcção ao Príncipe Real, ainda sem pensar nada do nó que me enche o peito. Mas não é crime, a omissão de auxílio? Ou só é crime se não formos médicos, se não formos uma clínica particular? Mas que país é este? Mas que gente merece ser chamada de humana?

eu prometo que não guardo segredo...

... sai do armário!




Bichas. Fufas. Travecas. Trans. Heteros. Rede ex-aequo, ILGA-Portugal, Panteras Rosa, Médicos pela Escolha, Associação para o Planeamento da Família, UGT, BE, SOS-Racismo. Carrinhos de bébé guiados por duas mães, putos às cavalitas de um dos dois pais. À passagem por São Pedro de Alcântara, sangria oferecida pelo dono de um café. As bandeiras coloridas misturando-se no burburinho dos casamentos nas igrejas do Chiado. Reencontros, abraços, gargalhadas, palavras de ordem, eu amo quem quiser seja homem ou mulher ou outra coisa qualquer, deixem passar deixem passar sou paneleiro e o mundo vou mudar, o teu afecto não é maior do que o meu. Temos orgulho porque não temos vergonha. Alguém me diz, divertida, acabei de encontrar a minha professora de inglês, e encontrei também uma antiga colega de escola, mas ela "não é", estava só a observar... as coisas que nos saem pela boca, penso logo, e atalho, —mas olha que eu também "não sou", e estou aqui no meio. Ou melhor, eu sou, como todos nós somos e por isso ali estávamos, por isso tantos ficaram no Terreiro do Paço para continuar a festa no Arraial. Porque, como disse o Vasco Freire dos MPE, vivo num país, porra, onde não posso casar com quem escolher. Não à vergonha. Temos orgulho em estar vivos. E não guardamos segredo.

mac the laptop


A loja onde costumava tratar de tudo o que tinha a ver com os meus pc's, compras, seguros e os mais que frequentes tratamentos ao estado vegetativo em que todos os filhos do deus Gates acabam por cair com alguma regularidade, tem-me na sua mailing list. As promoções sucedem-se, a preços inimagináveis há apenas três anos. Mas esta última bate todas as expectativas e estampou-me na cara um sorriso de borracha solidário com o desespero: na compra de um CPU de desktop com tudo e mais alguma coisa, pelo simpático preço de €299, a dita loja oferece nada mais nada menos que... uma piscina insuflável.

Well the shark has pretty teeth, dear, and he shows them pearly white... Mac, mac, mac the knife, embora uma banheira de borracha talvez me faça pensar se não vale a pena voltar ao maravilhoso mundo da microsoft, jejeje...

e você, o que prefere?...



Pois, diz que vai estar calor. Mas a partir das quatro, caramba, qualquer factor 20 nos safa. Antes do arraial nocturno na Praça do Comércio, aqui se desfila um orgulho que o é apenas porque há coisas que não admitem meios-termos: o contrário de vergonha é orgulho, orgulho que se pode materializar de cem mil maneiras diferentes, mas orgulho. Orgulho em quem não deixa os seus direitos por mãos alheias. Orgulho em quem não se desculpa pelo seu íntimo, pelo seu ser. Orgulho em quem não fica em casa nem vai para o Colombo. Porque fracturante é a discriminação. E também na rua se travam estas lutas. Não foi tão pouco assim que se conquistou nos últimos anos, graças a uns quantos carolas. E ainda assim, está tão longe de ser suficiente. De nos ser suficiente, a todos e a cada um de nós, até aos que disso não se dão conta...


... just for the record, a Teresa e a Lena ainda não casaram, não, e no entanto continuam a ser mulher e mulher.

Homens e Mulheres - Ana Carolina

o jogo

É possível. É possível jogar sem alinhar. É possível não aceitar a batota sem ter de recorrer ao moralismo, ao julgamento, à vitimização. É possível fazer pequeninas revoluções diárias apenas pelo cultivo da verdade, mas não pelo medo, pela inocência injustificada, pela tontice revoltosa. É possível até, no fim de tudo, ter gozo com o jogo, com o que se aprende com o jogo. Porque é da ordem natural das coisas, talvez. O Bobo é a melhor das cartas do Tarot. Tem em si as cores de todos os elementos, fogo água terra ar, e por mais que os outros não se mostrem à altura e isso se traduza em porrada, o Bobo recusa fechar-se, recusa-se a morrer aos poucos. O Bobo confia. É bobo. Mas não é parvo.

sexta-feira, junho 27, 2008

some of them are just transcendental, some of them are just really dumb

Tudo desligado da corrente. Tudo cheio de amor desencantado, de irónica esperança, de uma inteligência construída em subtilezas, em pequenos ferrões destilando um doce veneno, em escondidos afagos, em cruas palavras. Faltaram-me algumas, a galinha de cabeça cortada, o how fucking romantic urso amestrado, as pequenas palavras com o valor do chá da China. Mas o livro do amor, ah, o livro do amor, tão despojado, tão vulnerável, tão medrosamente carinhoso, uma voz grave, um alaúde, uma guitarra e uma outra voz muito longínqua, brilhando no prazer de não ser ouvida, apenas intuída, e o silêncio absoluto absorvendo tudo sob o tecto académico. Depois de me ter saído de cima uma tonelada —ou menos—, depois da surpresa doce e clara deste alívio, depois do tempo passado num circo movido pela combustão de uma estranha bonfire of vanities, era esta a recompensa que eu merecia. A tranquila carícia dos mundos a que pertenço mas que não pretendem possuir-me, e mais um aprofundado e despretensioso ensaio sobre como less is oh so much more.


All My Little Words - Magnetic Fields

quinta-feira, junho 26, 2008

divergências significantes: as vitórias

As vitórias são pessoais. E algumas são tão pessoais que só cada um, dentro de si, reconhece o seu tamanho. Subir degraus mil em dois dias. Saber que o que se fez é bom por dentro e por fora. Guardar as experiências até ao tutano e perceber até que ponto as escolhas nos fazem sentido. Aprender, aprender, aprender, aprender sobre nós e sobre o mundo. Saber por experiência entre que mundos se quer viajar e que dimensões paralelas se quer continuar a recusar. Saber que não nos perdemos no túnel de chamas. Saber quem somos. Saber a cada dia mais sobre o que somos, e descansar sabendo que nem por um momento nos traímos. Estar-se bem onde se está, mas continuar a sentir ao chegar vontade de partir para outro lugar. Escolher, como Jeremias, a luz franca do lado de fora. Estou aliviada. Estou acordada. E estou feliz. Saltei a fogueira. Venci.

terça-feira, junho 24, 2008

morta [mas só de cansaço]

Estou no inferno na terra. Aquela história do Corto, de os amigos se fazerem no inferno, tem-me dado um jeitão. Amanhã, por esta hora, estará tudo a acabar, como um sonho confuso, mas o grosso do caminho, o mais espinhoso, está ainda por palmilhar. Há pessoas das quais provavelmente nunca me teria aproximado se não fosse por esta bizarra [para mim] circunstância. Hoje uma dessas pessoas chorou nos meus braços sem me sugar nem um bocadinho de energia. Franca, frágil e forte, doce. Chegue ou não ao fim do caminho, voltemos ou não a cruzar-nos, a mim já me ganhou.

segunda-feira, junho 23, 2008

conquista de domingo [ou A vida é feita de pequenos nadas]

Está nos dedos e na língua o Enfim SOS. Parece que só se ouve essa palavra, fala perene dentro da nossa voz... Para quê? Para nada, para nenhum espectáculo, para nenhuma audição, para nenhum evento. Apenas porque me apetece. E porque se lê também ao contrário, SOS. Antes assim. Não há nada como o lanço circular de um motor ternário. O cha-cha-cha da amiga Fátima, já há muito que deixou de fazer-me sentido... [a colocação coxa do pronome é intencional, ó Rodrigues... só para não entrares para aí em hiperventilação, jejeje]

Enfim S.O.S. - Sérgio Godinho

domingo, junho 22, 2008

des.en.cadeia

Hoje não digo mal da Paula Moura Pinheiro. Foi um serão bem passado, entre a clareza de Irene Pimentel e a delícia que é ouvir Rui Zink dissertar sobre a necessidade do feminismo e de se ser feminista, ambos de acordo sobre o perigo dos ismos, ambos lúcidos e claros nos argumentos e nos factos. Não consigo fazer de conta que não vejo o ar encantado de uma mulher face a um homem que diz coisa com coisa; nem que esse mesmo homem, por vezes bastante insolente, usou nas palavras e no tom uma suavidade que me fez sorrir e pensar:—é isto um cavalheiro. Cabeças limpas, e ainda assim lá estão todas as pontas, todos os códigos. Claro que o programa tem sempre um registo de cultura progressista cheia de classe, presta-se pouco a grandes irreverências. Mas a verdade é que se respirou um clima que me deixa entre a satisfação e a interrogação. É dos diabos, isto. Ainda por cima, a conversa pôs-me à procura desta cena que não revia há anos. There was never a man like my Johnny, canta a Peggy Lee, mas o desenlace, na terra, de arma na mão, pertence às mulheres, graças à inteligência e à sensibilidade de Nicholas Ray. 




Isto tudo a propósito deste congresso, oitenta anos depois do último.



















cartaz de Agostinho Santos

primeiro verão




Femme qui vous accordez avec la bouche du poète, ce torrent au limon serein, qui lui avez appris, alors qu'il n'était encore qu'une graine captive de loup anxieux, la tendresse des hauts murs polis par votre nom (...), Femme qui dormez dans le pollen des fleurs, déposez sur son orgueil votre givre de médium illimité, afin qu'il démeure jusqu'à l'heure de la bruyère d'ossements l'homme qui pour mieux vous adorer reculait idéfiniment en vous la diane de sa naissance, le poing de sa douleur, l'horizon de sa victoire.
(Il faisait nuit. Nous nous étions serrés sous le grand chêne de larmes. Le grillon chanta. Comment savait-il, solitaire, que la terre n'allait pas mourir, que nous, les enfants sans clarté, allions bientôt parler?)


René Char, "Seuls Demeurent", in Fureur et Mystère



Castelo, Junho de 2008

sábado, junho 21, 2008

adenda em delay

Nos homens as alterações de humor em trabalho tendem a ser demonstrações de poder, sinal de força, de superioridade, de decisão, uuuuiiii que tesão. Já nas mulheres são antes sintoma de histeria, de desequilíbrio emocional, de incompetência, de TPM.

É um mundo tão engraçado, este... mas vou ver se anoto uns itens para utilizar no caso de algum dia vir a estar na posição de entrevistar um homem para um trabalho:

1. é casado, junto, namorado? @ seu/sua companheir@ satisfá-lo sexualmente? se não, como é que o seu sistema nervoso lida com isso? sofre de síndrome de abstinência, fica rabugento, com dores de cabeça, etc etc etc?
2. gosta de futebol? quando o seu clube perde tem vontade de desatar à porrada com toda a gente, ou fica stressado ou mal-disposto?
3. está disposto a respeitar as suas colegas como profissionais competentes antes de pensar no quanto gostaria de lhes saltar para a espinha?
4. até que ponto tem o seu complexo de Édipo resolvido?
5. está a pensar frequentar um ginásio, ou não? é que essa barriguinha... e sabe como é, numa mulher uma barriguinha é sinal de que é maternal, ou de que é auto-confiante e se está marimbando para as dietas; agora num homem, traduz-se em duas palavras e uma proposição: barril-de-cerveja. [grazie mille, MPR, és um companheirão...]


Gosto. Nada disto é dispiciendo no que toca ao bom-ambiente no local de trabalho. Ou então se calhar começar a avaliar as pessoas pelo trabalho que mostram, em vez de pelo género que têm... hmmmm, não, não teria metade da graça.

sexta-feira, junho 20, 2008

e quando menos se espera os posts vêm ter connosco

Finalista do curso de cinema com experiência em televisão, atrás e à frente das câmaras, desdobra-se em entrevistas de trabalho. Três exemplos da alegria que é ser mulher.

Entrevista 1:
— Está a pensar engordar, emagrecer, ficar na mesma?
— Não sei, não estou a pensar nada, portanto devo estar a pensar ficar na mesma...
— Boa, que você assim está bem gostosinha. Tem é que tirar um pouco esse ar de menina. É preciso que qualquer homem que olhe para si tenha vontade de foder.
— Mas afinal esta entrevista é para quê?...


Entrevista 2:
— É casada, solteira, tem namorado?
— Aaahhh... não, neste momento não tenho namorado.
— Ainda bem. Se estivesse a pensar casar-se ou ter filhos proximamente era mais difícil.


Entrevista 3:
— Nós costumamos ter períodos de rodagem muito prolongados. Tem algum problema com isso?
— Não, não, eu estou habituada.
— Óptimo. E tem síndrome pré-menstrual?
— Hã?... Não, por acaso não costumo ter.
— Ainda bem, porque com as rodagens longas as alterações de humor são complicadas.


Façamos o que fizermos, corremos o risco de ser entrevistadas por chulos. E o mais triste é que lhes respondemos. Devíamos já estar programadas para recusar certo tipo de perguntas. Porque nós podemos culpar a TPM pelas alterações de humor. E os homens. Qual é a desculpa? Ou só eu é que tenho tido o azar de apanhar com homens alterados, mal-criados e com péssimo humor?

País machista? Nããããã... Isto transpira igualdade a cada passo do caminho.

post mete-nojo

Bom, pelo menos este ano a parvoeira generalizada acaba mais cedo. E o pessoal vai poder voltar a perceber a que preço estão os combustíveis e que a Galp está no governo com maioria absoluta.

relâmpago

Sabias que eu te veria, estavas preparado. Como sempre, tu estavas preparado e eu não. E é uma merda, ser transparente. Mas o curioso é que, logo a seguir, quando passaste por mim sem saberes que eu te via, —e passaste devagar, muito devagar, como se farejasses o ar—, nesse momento não tinhas na cara o sorriso número 3. Nesse momento pareceu-me mesmo que te conhecia de qualquer lado. Mas o carro arrancou e a sensação desfez-se.

quinta-feira, junho 19, 2008

os direitos humanos são para quase todos

A mesma Europa que quer forçar os seus cidadãos a engolir uma Constituição disfarçada de Tratado [chamado "de Lisboa", ainda por cima, iac], a Europa que com a sua manga de alpaca quer impingir dos altos corredores do império aquilo que não consegue ganhar nas urnas, aquilo que nem tenta ganhar nas urnas, decidiu agora que é legítimo deter durante 18 meses uma pessoa pela simples razão de esta ser estrangeira, tentar melhorar a sua vida e não ter documentos. 18 meses. Um ano e meio.

Fico triste. Fico com o coração apertado. Fico genuinamente preocupada. Acho que todos deveríamos ficar. Europa, Europa, über alles?

quarta-feira, junho 18, 2008

puta da lua!

Até podia entrar para aqui em poesias, mas o que eu quero dizer é mesmo só isto.

the terrible truth



Nem me dou ao trabalho de esperar pela autorização escrita desta voz profunda que tão bem se aconchega sempre nos meus ouvidos. O que é bom é para se (ou)ver.


imagem de Pedro Guimarães
sonorização de Paulo Sousa
voz de António Durães
sobre o poema "Portugal", de Jorge Sousa Braga
apresentado a 15 de Maio de 2008, nas Quintas de Leitura do Campo Alegre

terça-feira, junho 17, 2008

raindrops on roses and whiskers on kittens

As palavras, acordar com a luz a fazer cócegas nas pestanas, o 28, o piano, o Taxi, a Thara, o mar no Rio da Prata, o mar na Arrifana, sempre o mesmo mar, as árvores de Guimarães, os olhos de mel do Tito, as palavras na boca, o sabor do primeiro beijo, uma feijoada à brasileira com caipirinha [pouco açúcar, para se sentir bem o ácido do citrino], as palavras no ar, o som, o humor temperado com lágrimas que se evaporam docemente, o sol forte num dia muito muito frio no Passeio Alegre, o Pulo do Lobo, a Caldeira Velha e as vacas do Faial, a Fajã do Ouvidor, o Pico, o Pico, o Pico, ver as nuvens de cima, o ar pesado e os cheiros de Macau, o cheiro dos bastidores do TeCA, a teia do São João, o som de um bandoneón gemendo um despertar na Batalha, o swing, a marimba do puto Sérgio, et les oiseaux rasant de l'aile la coline naquele pequenino rendilhado do Duparc, o palco do Maria Matos, as palavras no corpo, os meus sapatos de carácter, os olhos do Orlando acabado de nascer, o Sanctus cantado de olhos húmidos e alma cheia, conseguir fazer uma invertida sobre a cabeça sem levar os pés à parede, as mãos da ME, o Sombra a morder-me o cotovelo, uma açorda à alentejana com um tinto bem aberto, acordar com um bigode de gato a fazer cócegas na orelha, o castelo de Urquhart, não gostar assim muito do Begin the Beguine e adorar saber que gostas de o ouvir na minha voz, a Audrey Hepburn numa vespa, Roma, Roma, Roma, a luz do Caravaggio, as gaivotas no terraço na Rua da Alegria, a voz do Caetano, fazer amor, mergulhar de cabeça, cantar o Begin the Beguine se fores tu quem ouve, cantar outra coisa qualquer que gostava que ouvisses, tocar o O'Sailor e cantar a alma depois de sonhar o Clair de Lune, as Goldberg pelo Gould, com gemidos e tudo, o Coltrane, passear de vespa com o David, cantar em alemão, sonhar com Charing Cross, dançar, o som da trompa, a gargalhada do Puto, a gargalhada do Nuno, a gargalhada da Adriana, a gargalhada do João, a gargalhada da Sara, a gargalhada da Rita, o cheiro das tílias em Lisboa. A minha gargalhada. As minhas lágrimas. O céu de Lisboa, um por crepúsculo, a luz dourada sob as copas do Príncipe Real. As palavras do Diogo. Sentir as gotas de chuva caindo sobre mim como se fossem beijos.

My Favorite Things - John Coltrane

segunda-feira, junho 16, 2008

moralismo de balneário

Hoje, no estúdio onde fazemos parte dos ensaios, cruzámo-nos pela primeira vez com uma enxurrada de mini-bailarinas que ali tiveram aula, cada pimpolha mais irritantemente fofa que a outra. O balneário esteve três dias por conta de nove mulheres que ganharam os seus hábitos. Mas eu tenho esta sina, ou cara de saco de boxe, e alguma coisa está fora da ordem desde que na sexta-feira passada percebi que tenho um talento especial para atropelar velhotes de maus fígados [ah, pois, é verdade, nem vos contei essa história e não sei se agora me apetece...]; quando vou à mochila buscar um batido lá tenho de aturar uma avó mal encarada, enterrada em base, muito loira, muito, como direi, decente:

— Esses sacos não podem ficar em cima do banco, senão nós não conseguimos vestir as nossas netas!
— Com certeza, tem razão, eu peço desculpa. Vou dar o recado às minhas colegas.
— É que não pode ser, depois nós queremos vestir as nossas netas e não conseguimos, as coisas não podem ficar aí, não pode ser!
— Sim sim, eu vou dar o recado, não se preocupe. [será que a mulher encravou?]
— Não pode ser, não pode ser, vocês não podem deixar as coisas aí!

Olho-a em silêncio, ela resmunga mais um bocado, espera resposta, mas eu não vou descompô-la em frente às miúdas, e não tenho nada de bom para dizer. Espero. Não diz mais nada? Respiro. Desencravou. Volto à minha vida e tiro a minha mochila de cima do banco. Ela sai. Entra nova avó com a sua neta. Puxo os sacos que consigo apanhar e encavalito-os, tentando deixar um espaço razoável para elas, num balneário claramente sobrelotado. A senhora sorri, bonita, simples, de olhos brilhantes, sem ter sequer consciência do tamanho da sua genuína simpatia:

—Ah, não é preciso, não se preocupe. Nós temos espaço suficiente.

É giro, quando o boomerang volta assim com esta rapidez.

moralismo de quiosque

Quiosque em Campolide. Nada pipi, revistas penduradas ao acaso, desarrumação geral, algum desleixo. Pergunto à senhora que mortalhas vende. Ela olha-me de alto a baixo e responde, com um subtil orgulho: —Não vendo mortalhas.

Olho-a com vontade me desmanchar a rir, quando à minha frente estão umas quantas onças de Águia, Amber Leaf e Drum. Faço um ar bem-posto e digo o costume, obrigada e boa tarde. A A., à minha espera no caminho para o estúdio e que acaba por ter de me dar um cigarro dos pré-fabricados, tem a reacção que eu não verbalizei à moral guardiã dos meus neurónios: —Então aquilo nos pacotes era rapé...!


Em compensação, no quiosque das Amoreiras, bem quero comprar mortalhas pequenas, para tabaco, sim, para tabaco, e não consigo, só há Smoking vermelhas ou pretas. Caraças, toda a gente sabe, se tens dessas, das duas uma: ou fumas ganzas ou tocas clarinete. Vá-se lá perceber esta gente.

domingo, junho 15, 2008

la route

É bom saber que há pessoas que são casa. Tanto que sobrevivem aos maiores tremores de terra, às maiores fissuras, àquela sensação de que o edifício foi abalado até às fundações. Estranho, o conforto que no fundo sabemos que sempre esteve lá e nunca quisemos que morresse. Doce, a música de um afecto que fica e que se dá, que quer continuar a dar-se, a alimentar, a receber. Meu doce amigo. Obrigada [agora que estou a uma distância de segurança e não me podes bater]. Não me sinto obrigada, mas sinto-me agradecida. Fazes parte da minha casa e eu da tua, de ambas as fundações construídas pacientemente em terreno pantanoso. Hoje percebi isso tão claramente que me permiti quebrar, que me permiti alagar, que me permiti lavar-me num lago sem um fundo falso de cimento. Aqui te deixo, em troca da tua generosidade, o teu próprio presente. Com um abraço apertado.


Un Dernier Verre (Pour La Route) - Beirut

sábado, junho 14, 2008

as palavras e o acaso 11.0 [delay 2.0]

Entre os papéis desenterrados de caixotes, a carta da Presidência da República, ainda de apelido Sampaio: recebemos a sua mensagem referente à extinção do Ballet Gulbenkian, a qual merecerá a nossa melhor atenção. A 27 de Julho de 2005.

Ainda ontem, à mesa do almoço, tentávamos explicar a algumas das nossas miúdas o que significou esta morte. Ainda ontem percebi, ao sentir os olhos húmidos, que foi uma perda que não ultrapassei. E se calhar não quero ultrapassar. A CNB fez muito recentemente a sua homenagem, recriando a Cantata de Mauro Bigonzetti, a minha Cantata, que nos foi dada uma última vez na despedida do BG no Camões, a casa da CNB. Eu não estava ainda em Lisboa, mas mesmo que estivesse... talvez não fosse capaz de encarar os corpos que não esqueço noutros corpos, por mais generosos que sejam. Não há Cantata sem os caracóis da Sandra Rosado.


Na Suiça, em 2004, com os Danças Ocultas, White de Paulo Ribeiro


E no meio destas referências repentinas, lá fui espreitar o sítio da petição: parámos, vencidos pela prepotência, nas 19 209 assinaturas. De nada serviu, senão para sabermos que não nos calámos. Estão quase a passar três anos. E eu, como tanta gente, continuo sem compreender como foi possível.

guerra civil

Nas multiculturais traseiras do meu prédio, debatem-se renhidamente dois contigentes de peso: uma verdadeira guerra civil está a decorrer entre a facção axé e a trincheira sertaneja. À falta de armistício, ganhou o kuduro, com um ataque relâmpago.

as palavras e o acaso 10.0 [delay]

Este ano pago multa justamente. No ano passado tive de pagar uma multa à DGCI pela sua própria incompetência, ao menos desta vez é a sério e em grande: o IRS, este ano, é em Julho. Ao fim seis meses de exílio, longe de uma casa que ainda só existe pela metade, lá consigo um dia para limpar papéis, organizar declarações e facturas, enfim, só falta agora conferir a correspondência do Campo Pequeno que ainda não me chegou às mãos. Mudar de casa é uma saga em pasta de celulose.

Mas o meu desfasamento temporal é tal, que dei por mim a abrir correspondência de Dezembro. E vem-me às mãos o postal de Natal do TNSJ. Foi onde passei o Natal, mas os votos deste ano passaram-me ao lado. Ou estiveram quietinhos no seu canto até chegar o momento certo para me apertarem um pouco o coração e me imprimirem um sorriso melancólico.

Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?


Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Turismo Infinito, sequência 1



Mas como já dizia o grande filósofo Jagger:

You Cant Always Get What You Want - The Rolling Stones

as palavras e o acaso 9.0 [dose dupla]

Window - Fiona Apple


...quando alguém aponta para o céu, há sempre quem olhe para o dedo.


Oh Well - Fiona Apple


Oh, well...

mistura de verão

Vai durar pelo menos todo o Junho e é tão impertinente como deliciosa. A receita: odor de sardinhada diluído em tília e flor de jacarandá; kizomba e música sertaneja batidas com marchinhas populares.

Na manhã seguinte aconselha-se uma ostra da pradaria. Para curar a ressaca. E aguentar nova dose. Hoje vou ao arraial da Graça, vou pôr uma sardinha no grelhadooooor...!

cover girl





























































Lisboa, 14 de Junho de 2008

it would certainly come in handy...

Dream Operator - Talking Heads

divergências significantes: a troca

ela tinha todas as razões para fechar o peito, mal-tratado, destratado, desbaratado. mas não. vamos lá, pensou, passou tempo, lembro-me de o ouvir falar em preservar qualquer coisa, falha-me agora o que era, acho que tinha qualquer coisa a ver com amizade [risos enlatados]. e foi. de coração aberto. terrivelmente, e mais uma vez, ele confundiu o coração dela com outra parte da sua anatomia [risos enlatados]. que fazer quando em troca de flores recebes bosta? ora, nada, rapariga... cada um dá o que tem. [aplausos]

sexta-feira, junho 13, 2008

pictures of you

Com os Cure nos ouvidos, mudo de plataforma, mudo de linha e de repente acordo ao quase chocar com alguém que escolhe a mesma porta para entrar na carruagem. É ele. Mal posso acreditar, mas é ele. O filme retoma-se, encantado no reencontro, e rasga-se-me um sorriso que durará a viagem inteira. Continua de fato escuro. Continua indiferente à observação. Eu continuo de pé, ele senta-se, desta vez há menos gente e não o perco de vista um segundo. O lado esquerdo do lábio ergue-se, como da primeira vez, mas o arco das sobrancelhas está cortado por duas rugas paralelas sobre o nariz. Estará preocupado? Ou estará apenas num dia de mau-feitio? Cala-se o Smith enevoado, entra a Nina em tempo de verão escorregadio, e eu temo, de repente, ser desmascarada na minha vigia, e num disfarce patético vou fazendo que observo outros filmes. Mas é vão, porque a verdade é que lhe sou indiferente, talvez nem lhe passe pela cabeça que alguém perca tempo a observá-lo.Tanto quanto parece indiferente às mulheres que se vão sentando e levantando perto dele, ao lado, à frente. A nuvem parece estar a afastar-se aos poucos, está a pensar noutra coisa. A expressão suaviza-se e o arco das sobrancelhas reconstrói-se na sua desarmante perplexidade. Ei-lo, my funny valentine. Sai em São Sebastião, como eu, e perde-se no cinza das paredes. Só ao voltar-me para sair também, me apercebo que das três mulheres de pé perto do varão, duas me observam a mim.


Summertime - Nina Simone

quinta-feira, junho 12, 2008

shaker


















Parque, 12 de Junho de 2008


tequilla
Ando com uma questão metafisico-profissional para resolver. Porque raio é que na cabeça de um responsável de guarda-roupa os vestidos são uma coisa e os sapatos outra? Porque raio é que me chateio sempre com esta gente por causa dos sapatos? Porque raio é que hão-de achar que, porque não arranjam patrocínios [ou vontade] para calçar o pessoal, temos de ser nós a pagar para fazer o trabalho deles? Porque razão não me pagam eles os almoços, as viagens de metro, os táxis, tudo o que tenho de gastar para fazer o meu trabalho? Ou porque é que não agarram nos seus sapatinhos e sobem el@s ao palco, hã? Isso é que eu gostava de ver... Mas os sapatos, pá. Há qualquer coisa com os sapatos... é que a cena é recorrente. E logo comigo, que até estou sempre a ver se arranjo maneira de andar descalça...

cointreau
O segurança da sala de ensaios anda a divertir-se muito a escutar as nossas conversas. Não sei se está a aproveitar para aprender alguma coisa com elas, ou se já nos meteu no caixote das galdérias, para o bem e para o mal. A propósito: qual é a palavra masculina para "galdéria"?

sumo de limão
Com a pele ao ar torna-se cada vez mais difícil andar nos passeios roxos de Lisboa. Há gente, sobretudo do género masculino —ou deveria antes dizer bovino [sem desprimor para as vacas que para os gregos antigos tinham os próprios olhos de Hera]—, que fica subitamente com graves descoordenações psicomotoras. Vêm no seu passo regular e de repente colam-se ao passeio e em vez de de se mexerem ficam a olhar, mistos de menir e pudim flã passado do prazo. Então se vêem um umbigo, meus deuses, o cérebro parece mesmo tornar-se uma nebulosa inerte, sem princípio nem fim nem forma nem tempo. Invejo-os. Aquele olhar bovino só pode ser reflexo de alguma espécie de nirvana. Meio-nirvana, vá, da cintura para baixo. Eureka, já percebi a paragem cerebral: problemas de irrigação.

sal
26 de Junho, babes, 26 de Junho. A data parece escolhida propositadamente para nós. Ofereço-vos esta, porque graças a vocês, nas últimas semanas, sinto-me the luckiest gal on the lower east side.



The Luckiest Guy on the Lower East Side - The Magnetic Fields

terça-feira, junho 10, 2008

mouraria

Hoje fui espreitar o arraial. Está-se beeeeem. E o crooner de serviço no seu melhor.

1970 [Retrato] - JP Simões


... o que eu gosto desta letra. "... o teu único defeito é teres demasiadas qualidades e tropeçares nelas."

mecanotecnia - adenda [ou pediram-me posts sobre o Poder masculino 9.0.1]

O caminho do meio é, ao contrário do que geralmente se assume, o mais difícil de trilhar. Não é o da virtude, no significado banal da palavra, é o do funâmbulo. E não é mais fácil, para os homens, largarem a função de carrasco. Até porque quem tem o poder na mão, dele não abdica levemente. Entre outras razões, por não saber lidar com a fragilidade. E é por isso que acho que no fim de tudo, são eles, e não nós, quem mais perde com este sistema. Porque perdem vida. Vendo bem, acho que a partir de agora me vai fazer ainda mais impressão que um homem não se assuma como feminista. Não é só pelas mulheres que o feminismo luta.


...two roads diverged in a wood, and I, I took the one less travelled by.

segunda-feira, junho 09, 2008

mecanotecnia [ou pediram-me posts sobre o Poder masculino 9.0]

A mecânica do jogo dos géneros é tão viciada, que por vezes não resta às mulheres mais do que uma escolha: para deixar de ser vítima, assumir-se carrasco, como forma de virar totalmente a mesa. Ambos os papéis me repugnam. Mas para fugir a qualquer deles, o trabalho é diário. E sempre traiçoeiro. Yin e yang, paradoxo, desafio. Vontade de ir acendendo luz atrás de luz atrás de luz. Algumas são tão tímidas que só de olhos fechados se sentem. Nem por isso se tornam menos significantes. Chego a pensar que são elas, aliás, que determinam realmente a qualidade da iluminação.

let's face the music and dance [para o MPR]

Já aqui postei esta canção, mas o vídeo é de tal forma delicioso e tem tanto a ver com os posts mais recentes, que não resisto a tê-lo aqui. Às vezes achamos que andamos a dar pérolas a porcos, quando na realidade só atiramos maçãs a miúdos, eheheh...




E o realizador, quem é, quem é? O senhor PT Anderson, pois claro...


agradecimentos à minha Amora do coração

durante o mês de Junho


há arraial na Mouraria.

burguesinhas [ou As aparências iludem e este não é um título negativo]















Lisboa, 8 de Junho de 2008


... tarde boooa, tarde leeeenta, língua solta e pele a arder, taaaarde. Final de semana, nem gastando grana, na maior gandaia. Coragem, babes, unidas sobreviveremos ao que aí vem. E todas sabemos no fundo, que até vai valer a pena. Já valeu.


Burguesinha - Seu Jorge

luz
























































Lisboa, 8 de Junho de 2008

sábado, junho 07, 2008

maçada...

Rás'parta o Pepe. Até estava com vontade de ir beber um copo, graças a ele já me passou a gana de pôr o pé na rua...

isto é o que se chama não querer fazer um corno...

The Caffeine Click Test - How Caffeinated Are You?
OnePlusYou Quizzes and Widgets


E aposto que se continuar a praticar, consigo chegar às Delusions of Godhood...

ponto de situação 2.0 [ou Dormi quatro horas, só me apetece afundar no sofá a dizer disparates e a luz cá dentro está bem bonita, suavezinha...]

Não se pense por estes posts que eu não gosto de homens. Muito pelo contrário, ou nem me daria ao trabalho. Isto é tudo carinho, amores...


Nem por acaso, a tirada do dia já foi eleita e ainda o sol vai alto: ontem fui tirar medidas aos Prazeres, jejeje...

distribuição de culpas entre garfadas de arroz de feijão [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino 8.0]

Homem 1: Eh pá, por favor, vocês mulheres quando têm filhas, parem de lhes meter na cabeça a ideia de que existe um príncipe encantado!...

Homem 2: Não são elas, pá, somos nós; os pais é que criam essas fantasias.

Mulher: É o Édipo, meu, é o Édipo Electrico...

subjectivamente objecto 2.0 - reminiscências da Sala Estúdio [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino 7.0]

Ainda em embrião o espectáculo em redor das canções, e nós no último andar do mausoléu a passar cada número com o piano. O doce Don Juan do grupo, sempre galaró, mas sempre carinhoso, coloca-se frente ao microfone para o seu solo. Eu e a Luísa, sentadas no degrau, ficamos com uma vista privilegiada da parte posterior do corpo maneirinho que se atira à canção. Bem discretamente, comentamos as vistas entre nós. No ensaio seguinte, cúmplices, vamos sentar-nos precisamente no mesmo sitio. As calças eram diferentes e as vistas menos entusiasmantes. A canção termina e nós, rindo e lançando a piada como pedindo cumplicidade [já que a nós também é pedido desportivismo em situações semelhantes], atalhamos: "aqui a malta prefere as calças de ontem..."


O nosso Don Juan não dá parte fraca, claro, e sorri. Mas resposta, não tem. E revejo-lhe nos olhos de repente tímidos e algo desorientados, o tamanho insignificante a que uma apreciação física, mesmo que elogiosa, pode reduzir-nos. Sejamos mulheres ou homens. A diferença é que qualquer uma de nós está, infelizmente, mais que habilitada a dar palestras sobre piropos bem mais rasteiros, bem mais violentos, bem mais menorizantes. Quase desde os cueiros. Lembro-me bem de ter onze, doze anos, e passar a tremer e em passo estugado frente aos prédios em construção que me ficavam no caminho da escola. Não é pêra doce, crescer assim, acreditem-me rapazes.

ponto de situação

Não creio que o chauvinismo, o machismo, a misoginia, o sexismo em geral, prejudiquem apenas as mulheres. Aliás, tendo sempre a pensar que, em abstracto, os homens, no seu desenvolvimento como pessoas, perdem muito mais do que as mulheres, ou pelo menos mais do que aquelas que conseguem ir combatendo os estereótipos —uma vez que há mulheres que não são mais do que aquilo que acham que os homens querem que elas sejam. No concreto é que as contas se tornam bastante mais difíceis de fazer.

vozes de pardaleco [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino 6.0]

Um grupo e um automóvel atolado. Três homens exibindo à vez as suas perícias de brecagem, sempre debalde e o carro sem arredar pé da cova. Diz o quarto elemento, "o carro do João tem um gancho para reboque, há ali uma corda, porque é que não...?". E os três homens revezam-se, embraiagem, acelerador, travão de mão, embraiagem, ai ai ai, está quase, afinal não, venha o próximo. E o quarto elemento: "mas porque é que não?...". E os três homens, novamente, bravos guerreiros, surdos às vozes pequeninas.


Ao fim de uma hora o Fred tem uma ideia luminosa: "o carro do João tem um gancho para reboque, há ali uma corda, porque é que não...?" e de repente a surdez epidémica desvanece-se, pois claro, como é que não pensámos nisto antes?, vamos a isso!

O quarto elemento encolhe os ombros e acede, "eu compreendo, eu compreendo... mas porque razão haviam de escutar o que eu estou a dizer há uma hora? é claro que eu não havia de perceber nada do assunto, só poderia estar a deitar conversa fora..."


O quarto elemento, resta acrescentar, chama-se Sofia. E nenhum dos três homens é militantemente machista, misógino, sexista, chauvinista. São mesmo o que se pode chamar de "gajos porreiros". Infelizmente o porreirismo é pouco contra séculos de comportamentos e [des]valorizações enraizadas bem abaixo do couro cabeludo.

sexta-feira, junho 06, 2008

i-pod

Uma das razões da minha paixão pelo 28 são as janelas. Num eléctrico antigo abrir a janela significa planar sobre a rua e hoje o meu dia foi um jackpot. O fedor dos escapes cortado na passagem das horas pelo vento de tília que só aqui se sente, cada esquina arroxeada pela flor dos jacarandás e uma viagem dos Prazeres até à Graça, com a janela aberta. Na paragem da Estrela, um cromo grande e gordo demais para usar a pala do boné ao contrário sem suscitar um sorriso, tenta convencer uma outra personagem, essa sim, digna de nota, a subir.

É uma velhota mestiça, magra, encurvada, bem mais pequena do que já foi, com certeza. Bengalinha na mão, o turbante verde-vivo dá com a saia verde-vivo. A blusa é acetinada, preta. E as pantufas de malha, ortopédicas, são prateadas, como os brincos compridos, as pulseiras mil, os óculos grandes. Liberto os tímpanos, é nítido que neste momento do filme o Dylan tem de passar a um enevoado background. A deixa da personagem, é curta e colorida: "Não, não, é que se passar um micro-ondas que vá para Santos, também me serve." Uns segundos antes, um grupo de turistas gritava para dentro do eléctrico "Baixeu, baixeu!, Non, non baixeu, non baixeu!" Esta cidade está a receber-me com os highlights do seu espectáculo luminoso. E o i-pod de nada me serve, de repente, agora que só me vem à cabeça uma canção que não tenho comigo: yo quiero ser una chica Almodovar...

subjectivamente objecto - reminiscências de uma conversa antiga [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino 5.0]

Os decotes servem para refrescar, primeiro, depois, claro, para mostrar e para olhar, sem dúvida. Mas se estamos a falar de gente e não de bichinhos em cio, expliquem-me porque é que tanta gente [leia-se, tantos homens], na presença de um decote, consegue ter conversas inteiras sem quase olhar nos olhos da interlocutora... é só isto que eu não percebo. Voltamos sempre à diferença entre uma pessoa e um objecto. Uma pessoa também tem mamas, faz parte do conjunto, um objecto não tem conjunto, só mamas.


O ponto "Poder": é também rara a vez em que tal não acontece quando a conversa é séria, profissional, por exemplo. A menorização do outro é regra de ouro para a prepotência.

metafísica de linhagem condal 2.0 [ou Pediram-me posts sobre o poder masculino 4.0]

DON MARZIO Uma festa? Ouvi bem, uma festa? E há alguma coisa para se comer?

TRAPPOLO Sim, até para si.

DON MARZIO Oh, que bom, assim poupo os 15 soldos da ceia.

LEANDER Este come por 15 soldos, isso são €22,42, quatro contos e quinhentos. Não está mal. E agora tu, minha menina, alguma vez o rapaz louro te possuiu?

LISAURA Onde pensas chegar, senhor conde? Ele é tão fiel quanto eu e eu quanto ele.

LEANDER Isso é alguma resposta de jeito? Diz lá, não te faças de esquisita.

LISAURA Não me agarres com tanta força, isso não se faz.

LEANDER Eu é que decido que se faz ou não se faz.

LISAURA Nem sempre, meu amigo, nem sempre, e agora largai-me.

LEANDER Que linguagem tão hostil, estranho o teu tom de voz.

LISAURA Pois, mas é conhecendo coisas novas que se continua jovem.

LEANDER Eu chamaria a isto insubordinação, e não outra coisa.

LISAURA Chamai-lhe o que quiserdes e dai-vos por satisfeito.

LEANDER Nem pensar. Eu nunca poderia gostar de modos novos e pouco agradáveis numa mulher.

LISAURA Uma pessoa não é apenas uma coisa, é composta de muitas coisas.

LEANDER Uma pessoa, sim, mas uma mulher não é uma pessoa.

LISAURA Está bem. Está cá um primo meu de visita, Ferrante, vem de Milão e passou por cá.

LEANDER Ai sim, um primo, de visita, e de Milão, ainda por cima. Muito bem.

LISAURA Está hospedado em minha casa, por alguns dias, mas não se incomoda contigo.

LEANDER Já chegámos a este ponto, de me enganares assim às claras e nas minhas barbas?

LISAURA Um primo é um primo.

LEANDER E é homem.

LISAURA Quando o vires vais mudar de opinião. Aí vem ele.

PLACIDA É este o conde?

LISAURA É ele, em carne e osso.

PLACIDA É mesmo belo, o conde, e viril. Também me agradaria, com certeza.

LEANDER O senhor é o primo aqui da Lisaura, minha noiva, e acaba de chegar de Milão?

PLACIDA Eu diria prima, mas no registo civil ficou decidido que seria primo.



Rainer Werner Fassbinder, O Café [a partir de Goldoni], II acto, trad. Cláudia Fischer

metafísica de linhagem condal [ou Pediram-me posts sobre o poder masculino 3.0]

LEANDER Jukebox Somos dois homens, o senhor e eu.

EUGENIO E isso que está a dizer faz algum sentido?

LEANDER Oh sim, o que é que eleva o homem acima da mulher, o que faz com que seja ele o soberano?

EUGENIO Não vejo o sentido desse discurso.

LEANDER O que de um homem faz um homem é o facto de poder livremente decidir o que fazer, disso não há dúvida.

EUGENIO É bem possível que tenha descoberto o cerne da questão.

LEANDER E não foi a mulher que inventou o jogo, que tanto estimamos, de se queixar, de constantemente se lastimar?

EUGENIO Pode ser, e depois?

LEANDER Não foi dado ao homem o poder de livremente arbitrar sobre o que é bom para si mesmo?

EUGENIO Estou a ouvir, continue.

LEANDER Quando o homem tem o prazer de apostar, numa única carta, a sua casa, o seu dinheiro, a sua felicidade, em suma, tudo o que lhe pertence, para poder ganhar mais ou perder tudo, só nessa altura é que é um homem.

EUGENIO Quando ganha tudo, também.

LEANDER Ora, o meu amigo Eugenio está neste instante a tornar-se num homem. Digo-lhe que é uma bela sensação.

RIDOLFO Não consegui encontrá-la, a sua mulher, Eugenio, por mais que a procurasse.

LEANDER Sabe onde poderá encontrar-me, Eugenio, vou ajudá-lo a fazer de si um homem.



Rainer Werner Fassbinder, O Café [a partir de Goldoni], II acto, trad. Cláudia Fischer

errata [ou Pediram-me posts sobre o poder masculino 2.0]

No post anterior, onde se lê "fala-se em democracia, em liberdade de escolha, coisa fácil de tomar por garantida quando somos brancos, portugueses e heteros", deve ler-se "fala-se em democracia, em liberdade de escolha, coisa fácil de tomar por garantida quando somos brancos, portugueses, homens e heteros".

venham todos, que isto sozinho custa...

Muita da luta mais importante é feita no quotidiano, e é dia-a-dia que a mentalidade se muda. Mas a morrinha do um-dia-de-cada-vez pode bem servir para mascarar, à la Visconti, que no fim de tudo, tudo fica na mesma. A nossa Sara Cacao, escreveu um duro post, que naturalmente suscita reacções diversas. Na respectiva caixa de comentários, fala-se em democracia, em liberdade de escolha, coisa fácil de tomar por garantida quando somos brancos, portugueses e heteros. Mas se cada um de nós, oriente-se para onde se orientar [oeste, continuo a dizer, a minha orientação sexual é a oeste], se cada um tem direito ao silêncio, também a Sara tem direito a exprimir o que o silêncio e a inacção dos amigos a fazem sentir. Preocupa-me o silêncio dos bons, como se costuma dizer. Eu tenho tido participações intermitentes nas marchas, nos arraiais, nas reivindicações. Sábado vou filmar um spot institucional para convocar a malta. E não sou —pelo menos até agora, prefiro sempre ressalvar assim— lésbica. Perguntam-me, há anos, porque razão me envolvo, então. E a minha resposta é e será sempre a mesma: porque tenho amigos. Porque não consigo lidar calada com a discriminação dos meus amigos, e se saio à rua contra a xenofobia, eu que não sou imigrante, pela legalização da ivg, eu, que nunca abortei nem tenciono abortar, se faço doações para a unicef, para a amnistia, eu, que vivo num pacífico cantinho onde aparentemente nada se passa, terei de sair à rua por algo que me é tão próximo, que acho tão básico de uma civilização democrática e respeitadora do indivíduo.

É um duro post, o da Sara, sem dúvida, porque é uma dura realidade.

quinta-feira, junho 05, 2008

karma police [ou Pediram-me posts sobre o Poder masculino]

Hoje tive um dia como há muito não via. Voltas em atraso, horas a menos e lá sai o boguinhas do estacionamento onde estava há mais de uma semana. Não posso deixar de pensar que é pelo trânsito que este país não avança. Não, a sério, a quantidade de mau karma acumulado por cada besta que anda no asfalto só pode ter repercussões na errância patética desta santa terrinha. Por todo o lado ouvi berros, vi gesticular, vi acelerações radicais só para impedir o parceiro de entrar à frente. Fui insultada logo pela manhã e insultada pela tardinha. O eterno retorno.

Não sou de grandes modas a conduzir. Paro nas passadeiras, respeito as regras, faço uma condução cívica, mas não me fico à espera de decretos para avançar e fluir na estrada. Se uma rua está em fila e o carro que tem prioridade demora a arrancar, não fico, obviamente, à espera que me dêem passagem. Ora foi exactamente isto que aconteceu quando vinha a chegar a casa, preparando-me para cruzar a Almirante Reis, vinda do Paço da Rainha. Tudo poderia ter sido fluído e pacífico, mas o dito automóvel que demorava a arrancar acelerou sofregamente: o macho latino que ia ao volante tinha de fazer valer o seu poder e mostrar quem mandava ali. Eu entrei na mesma, tal era o espaço que mo permitia, mas ouvi buzinas, berros e observei os gestos da praxe no retrovisor. Aos que me insultaram de manhã só me ri e pedi que respirassem fundo antes que lhes desse uma coisinha má, agora já não estava tão fresca, e, carago, não se vive com um pé e meio coração no Porto durante tanto tempo impunemente. Pois sim, braço de fora e fiz-lhes um saboroso pirete. Já sabia que ia parar no semáforo, mas nunca pensei ter de assistir a um espectáculo tão triste. Ameaçadoramente, saem os dois machos entradotes e dirigem-se de peito feito à minha janela. Berram, gesticulam, estão genuinamente escandalizados com a minha falta de educação, teatram, insultam. Calmamente, encaro-os e pergunto, "mas vão-me bater?". Um chapadão, era o que eu merecia, eu isto eu aquilo, ou uma trancada no carro. Apontando a polícia que sempre está do outro lado da avenida, convido-os a concretizarem a ameaça. Continuam a berrar, mas mais baixinho, e vão recuando pouco a pouco. Eu só articulo um "que cena tão triste" enquanto recebo os olhares divertidos dos peões que nem deram pelo verde para atravessarem a rua. Mas estava a estranhar a falta do elemento recorrente. Ainda nenhum deles me tinha chamado puta. E discussão de rua com machos sem que me chamem de puta, eu até estranho. "Vais trabalhar, não é, sua ordinária, ali para baixo?", o braço em riste aponta o largo do Intendente, pois claro. Sorrio, quase aliviada. "Sim, pego agora, que a tua mulher está quase a largar o turno". Ele fica a barafustar dentro do carro, vermelho de raiva, e o sinal abre. Cruzo a avenida e paro na passadeira para dar passagem a quem de direito. Ambas as bestas aproveitam para me ultrapassar, e está o retrato acabado. A moça por pouco atropelada agradece-me e eu sorrio-lhe. Mau karma, senhores, é o que eu digo. Em boa hora aprendi o mantra perfeito para estas situações: hmmmmmmkiiiiisssssmmmmmyaaaaaasssssss...


Agora a questão: porque é que respondi na mesma moeda, chamando puta à respectiva da abécula condutora? Se calhar apenas porque sabia que era a melhor forma de o atingir. Se calhar porque para mim, ser mulher do dito cujo, isso sim, é um insulto.


Karma Police (Radiohead) - The Dresden Dolls


E quanto ao poder puro e duro... basta pensar quais seriam as minhas hipóteses de sair por cima se isto se tivesse passado de noite, sem testemunhas e sem a polícia que sempre patrulha aquele cruzamento, graças precisamente aos dealers e às putas do Intendente.

por uma noite...

ainda não percebi se sou ou não cabé. telescópio, espero a aprovação por escrito.

quarta-feira, junho 04, 2008

some days are better than others

Se há manhãs em que os olhos são meus, outras há em que se alagam antes que eu possa perceber de quem são. Manhãs em que é o teu traço que os acorda e os molha. Em que sacam a película dos arquivos e a projectam, e me recosto e revejo a tua fortaleza desfazendo-se à minha frente quando a bala de canhão acerta em cheio numa das tantas fissuras que tentas esconder desesperado, gato com o rabo de fora. És tão mais velho do que pareces, meu amor, tão tristemente velho. E sabes? Peço-te perdão. Porque quando a fortaleza tremia, recusei sempre o mapa das tuas fraquezas que se desenhava à minha frente, recusei-te pelo poder se não te podia ter apenas pelo querer. E acho que quem perdeu mais com isso não fui eu. Assim aos poucos a saudade vai cedendo lugar a um nojozinho pequenino, insidioso. De duplo sentido. Nojo de luto. Mas também um nojozinho mal-saboroso pelos jogos de perversão infantil que sempre vi e nunca quis ver. Aquela perversão infantil de que só os velhos, os muito velhos, são capazes. Se bastasse a luz triste que revela sem agravo os contornos retorcidos do objecto amado, já o meu coração estaria cicatrizado.

terça-feira, junho 03, 2008

as gajas

As gajas trazem-te à terra. Enchem-te de luz a primeira esperada noite e deixam-te a alma cheia e um sorriso irresistente nos lábios. Claro que não há como um gajo bem gingão no saborear de uma boa kizomba, mas as gajas... as gajas é que iluminam o percurso, as vielas, os recantos saudosos.

Há muito tempo que uma noite de copos não me sabia tão bem. Estou em casa. Tudo é meu. E tudo é novo.

Bendita sois vós entre as mulheres... ámen.

domingo, junho 01, 2008

um do seis

I
Estes direitos devem ser reconhecidos a todas as crianças sem nenhuma excepção e sem distinção ou discriminação fundadas na raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, ou sobre qualquer outra situação, quer se aplique à própria criança ou à sua família.

II
A criança deve gozar de protecção especial e ter oportunidades e facilidades para desenvolver-se de maneira sadia e normal em condições de liberdade e dignidade.

III
A criança tem direito, desde que nasce, a um nome e a uma nacionalidade.

IV
A criança deve beneficiar da segurança social.
A criança tem direito a alimentação adequada, a alojamento, a distracções e a cuidados médicos.

V
A criança física e mentalmente diminuída, ou socialmente desfavorecida deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que o seu estado ou situação exigem.

VI
A criança tem necessidade de amor e compreensão para o desabrochar harmonioso da sua personalidade.
A sociedade e os poderes públicos têm o dever de tomar um cuidado especial em relação às crianças sem família ou às que não têm meios de subsistência suficientes. É desejável que sejam facultadas às famílias numerosas alojamentos do estado ou outros para o cuidado das crianças.

VII
A criança tem direito a uma educação que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos ao nível elementar.
Deve beneficiar duma educação que contribua para a sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de classes, desenvolver as suas faculdades, opiniões pessoais, sentido das responsabilidades morais e sociais e de se tornar um membro útil à sociedade.

VIII
A criança em tempo de perigo deve estar entre os primeiros a receber protecção e socorros.

IX
A criança deve ser protegida de todas as formas de negligência, crueldade ou exploração. A criança não deve trabalhar antes de ter atingido a idade mínima apropriada; não deve em nenhum caso ser constrangida ou autorizada a aceitar uma ocupação ou emprego que prejudique a sua saúde ou a sua educação e entrave o seu desenvolvimento físico, mental e moral.

X
A criança deve ser protegida contra as práticas que possam levar à discriminação racial, à discriminação religiosa ou a qualquer outra forma de discriminação.
Deve ser educada num espírito de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e fraternidade universal e no sentimento que lhe é próprio de consagrar a sua energia e o seu talento ao serviço dos seus semelhantes.




...

[suspiro]