domingo, julho 06, 2008

divergências significantes: o perdão

Há uma coisa que desde miúda tenho dificuldade em integrar. Isso a que vulgarmente se chama "capacidade de perdoar". Não tenho. Creio que lamento, mas constato sempre, regularmente, que não tenho. Tenho uma capacidade grande de não guardar rancores, uma capacidade que acarinho como um tesouro, mas que ainda assim me parece sempre insuficiente, sempre necessitada de alimento. Mas será isso o perdão? A mera ausência de rancor? É que tanto no conceito me parece absurdo. O perdão é algo que transfigura imediatamente quem o dá e quem o recebe, estabelece uma relação de poder, em maior ou menor grau, maior ou menor seja o perdão. Encontrei esse incómodo nas palavras de Petra Von Kant, perdoas o que não compreendes, se compreendes não precisas de perdoar. E ali está. Se não compreendes não há compaixão, com-paixão, partilha de uma paixão, de uma dor. Há antes uma indulgência, um papel passado, carimbado, com ou sem validade notarial, declaro que a pessoa em questão foi perdoada por mim, assinado e etecétera. Não sei fazer isso. Não quero aprender. Não sou ninguém, não tenho poder sobre ninguém, não tenho de perdoar absolutamente ninguém. Se não compreendo e se não posso combater, retiro-me. Se compreendo, talvez lute. Talvez não. E de repente lá cruzas em fantasma o meu caminho, uma inesperada peça do puzzle me é entregue docemente na mão, e a luz acende e eu compreendo. E compreendo que aquilo que de repente surge desenhado a meus olhos, tu não tens capacidade de olhar, é para ti um monstro predador e vociferante como a culpa, e tu não podes olhar por cima do ombro, ele está nas tuas costas só à espera que dês parte fraca. Pensas tu. Não é um monstro, é uma janela que talvez pressintas a tempo. Eu espero que sim, desejo por tudo que um dia consigas pôr a cabeça de fora e respirar. E nunca te perdoei. Não foi preciso.

5 comentários:

polegar disse...

se soubesses como este texto falou alto cá dentro, como se ecoasse em paredes que já conhece...
semânticas à parte [pode sempre ser uma questão de perspectiva], reconheço-me totalmente no que escreves. verbalizaste como nunca fui capaz.

polegar disse...

à parte: pele de galinha dos pés à cabeça e lágrimas nos olhos. musical a sério, daqueles que falávamos. só me apetece chamar-te nomes pela magia que fizeste ali. obrigada.
[um dia ensinas-me a (não) respirar assim.

Manel disse...

...

...

... quase com lágrimas nos olhos deixaste-me tu agora, com a tua generosidade. Obrigada. E um beijo.

Rodrigues disse...

Agora foi a polegar que disse o que eu te queria dizer, mas não tenho jeito para dizer... Bolas para mim.

Manel disse...

Bolas para mim, que sou uma sortuda... :)