segunda-feira, julho 28, 2008

assim, devagar

Assim, devagar. Pé ante pé, para não pisar. Não vou trair-me, não vou mentir-me, estou onde estou, onde deveria estar portanto. Não vou massacrar-me o peito julgando-o em atraso, querendo ficar para trás, querendo conformar-se ao desquerer, não vou cobri-lo com um fogo de artifício azedo mas cheio de brilhos fátuos. Acariciá-lo, talvez, amaciá-lo para o distrair do ontem que o agarra com patas de caranguejo. Vou soltá-las, uma a uma, abrir-lhes as tenazes. Não passou pela minha boca o mais importante de tudo, o barco pintado de fresco em que te vejo, o furo que ostenta no casco no meio de todo o seu orgulho azul, os teus olhos que tentam ferozmente manter a vela aberta mas que murcham para fingir para novamente murcharem e fazerem-se enfunados. O vento sopra e a terra entra pelo mar adentro. E é angustioso, ver as tuas muralhas desabarem no silêncio, para serem reconstruídas em papel de cenário, para rasgarem novamente, e tu tentando tanto que os rasgões não se vejam, sufocando em algodão para abafar o estrondo. Que não existe, porque já não está lá ninguém para ouvir. A pedra rola de cima do monte, talvez seja o monte errado, foge-lhe quando desce, não vá apanhar-te na vertigem. Não se formaram nos meus lábios tais palavras, nem se formarão mais, estás demasiado longe para ouvir e nunca conseguirias ler, tens outro alfabeto. Haveria outras saídas possíveis, mas eu não sei usar a luz nos espelhos para comunicar. Vou soltá-los, pacientemente, um a um, cada tenaz, cada passo, cada fiapo de amor. Assim, devagar, leva menos tempo.

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