segunda-feira, julho 14, 2008

aprende-se muito com o grande teatro... [ou Volto sempre a Elsinor]

A igreja de Sta.Maria de Belém, onde espero a Raquel, tem a mais bela das rosáceas. Nada de mais, é simples. Só que é amarela. E isso é tudo, se se quer receber uma luz de claridade solar e não de mistério vestido de roxo-senhor-dos-passos. Sim, é uma rosácea quase pagã, eu diria. Sinto-me bem, aqui. Já cá cantei várias vezes. Assisti aqui à única missa do galo do meu currículo, aliás, foi uma das últimas vezes, precisamente, em que vi cantar a Raquel, é uma pescadinha de rabo-na-boca, esta vida. Sento-me. Penso. Meditação em banco de madeira, pois, também se faz. Não sou de orações, recordo sempre as palavras do índio, "estás em comunicação com o grande espírito, o princípio e o fim de todas as coisas, e és tu que estás a falar?..." Respiro. Curiosa herança do meu pai comunista, esta predilecção por igrejas, e por templos em geral, mesmo que ao olhar os tectos de oiro de Salamanca ainda lhe oiça a voz pedagógica lembrando todos os que morriam à fome enquanto a ecuménica seita se enfeitava milionariamente. Adiante. A Raquel deve estar a chegar. Saco de uma onça por encetar e ponho-me a enrolar um cigarro. Os avisos à pobre vítima das tabaqueiras são sempre uma incógnita, como rifas, nunca sabemos bem o que nos vai sair, embora saibamos que entre o urso de peluche e a garrafa de porto, alguma coisa vai ser. Vá, uma bicicleta pasteleira, na melhor das hipóteses. Não estava a reparar nele, mas a vista foca-se de repente: OS FUMADORES MORREM PREMATURAMENTE. Rio com desdém. Onça agoirenta, dana-me o pulmão, mas não hás-de danar-me a alma, que por alguma razão enrolei este cigarro sentada na nave central, encarando o sAntíssimo.

2 comentários:

polegar disse...

[gargalhada cúmplice, seguida de ligeira tosse]
quem me dera a pasteleira...

não sei se contigo se passa o mesmo, mas, para mim [agnóstica, devo acrescentar], há igrejas e igrejas.
há umas em que sinto um inexplicável peso no peito, uma opressão que não me deixa respirar, me deixa fraca e amorfa.
outras que simplesmente não me contam nada.
noutras, ainda, sinto um real sopro de... sim... fé. uma fé anónima e intensa, autêntica, sem regras ou formato definido, uma energia boa, simples. acho que se chama amor, também.
sinto-a assim nos ecos das paredes, como que sob um vago efeito de pele de galinha na nuca e uma vontade de chorar só porque sabe bem chorar às vezes.

mas esta última não me apanha só nas igrejas. curiosamente, a última vez que senti esta coisa boa, plena, foi na tal da flash mob.
acho que tenho um fraquinho por sintonias incondicionais.

Raquel Alão disse...

Réréré! Poderia dizer-se que foi um verdadeiro cigarro abençoado!


Creio que o que nos saiu na rifa nessa noite foi uma "cabazada" de vento que me deixou com uma amigdalite... :-)


P.S. Olha lá, desde quando é que orar se resume a tagarelar com o princípio e fim de todas as coisas? Quem não está à escuta, não ora verdadeiramente... ;-)