Finalmente, porra, finalmente! Estava ela nas Mónicas [onde, diz-me a Mónica, o espaço da plateia era dentro dela] estava eu no Porto; estava ela no Porto, estava eu nas imediações das Mónicas. E ontem cruzámo-nos, finalmente, eu e esta mãe que está, dolorosa, esperando o rosto do seu filho preso, um filho que é uma cabeça, até o padre o diz, até a irmã Cherubina, até o pai João que não o reconheceu nunca, pois que certezas podemos ter, aí por baixo é um vai-vem e se ela não tem vinhos e petiscos escrito na testa, também ele se recusa a ter tinta fresca e a ser menos macho, tenho lá uma mulher séria, se reconheço o filho estrago o jardim que é a minha casa, esse jardim embelezado por aquela pipa de chulé que lhe aumenta quinze quilos por ano, mas entretanto, Maria, deixa-me dar uma volta nas mamas, deixas?, e se eu lhe disse às dez era às dez, que eu tenho um Omega, isso posso dizer!
É estranha, a adaptação ao palco do São Luiz, só a esquerda, um recanto da esquerda baixa em uso, o resto é chão, espaço vazio, é nada. Mas à esquerda fiquei eu também, a poucos metros do turbilhão de técnica, energia e emoção que é Maria João Luís. O texto é magnífico, mas ela, stabat mater dolorosa, é incomparável. A velocidade estonteante. O peso dos silêncios súbitos. A mulher do povo, forte, resiliente, bêbeda, cheia de amor e de raiva, cheia de marcas, de cicatrizes, de cruzes, nenhuma tão dura como ver a cruz do seu filho, o seu filho, que é uma cabeça, às mãos da autoridade e do doutor Pôncio, que ora lava uma mão ora lava as duas. O desespero de não saber o que fazer ao amor que tem, à informação, à inteligência, porque também esta mulher é uma cabeça, nunca lho disseram o padre, nem a irmã Cherubina, nem a Trabucco, mas é, e a inteligência, sabe ela bem, são trabalhos a dobrar. Também por isso é tão dolorosa. Vê, no meio da névoa, todos os caminhos que traz dentro de si, mas não os encontra, não os consegue encontrar no exterior, um palmo de estrada limpa para pôr o pé, alguém que lhe diga: —segue, estás certa, é por aí. Uma cabeça, esta mulher. Uma cabeça perdida, mas nunca desistindo de se encontrar. "Isto com o mundo, não se faz farinha! Foi o mundo que pendurou o cristo, e se tens consciência pendura-te a ti também."
Despedi-me de um projecto do qual não quero fazer parte nem por todo o chá da China, e não tenho palco previsto até ao fim do ano. Até sentir esta mulher no meu centro, no meu riso, no meu espanto, nas minhas lágrimas, achava que estava tranquila com isso. Mas, bendita sejas, Maria João Luís, uma actriz é uma actriz. E uma actriz deste tamanho é uma dádiva.