quinta-feira, maio 08, 2008

dois em um, porque isto anda tudo ligado

O primeiro ponto — um organismo com o franco nome de Instituto de Política Familiar apresentou gloriosamente à Europa um estudo extraordinário, que se resume assim:

"O aborto, juntamente com o cancro, é a primeira causa de mortalidade na Europa", refere o documento acrescentando que cada dia deixam de nascer na Europa 3199 crianças.

Foi elaborado por uma equipa de psicólogos, demógrafos, sexólogos e peritos em conciliação entre trabalho e família, diz a notícia, todos mortos há mais de cinquenta anos, adivinho eu. Mal posso esperar para saber quais são os números, certamente horrendos, da mortalidade resultante da masturbação masculina, assim como do planeamento familiar. Aguardo o tomo seguinte de tão politicamente iluminado estudo. Afinal, a Europa está a envelhecer, precisamos de massa de trabalho senhores. Se as mulheres se safam ao seu dever sagrado de parideiras estamos tramados, temos de deixar entrar mais uns quantos de cor esquisita para nos construirem os barracos. O Einstein é que sabia: só há duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana; e quanto ao primeiro, ainda há lugar para dúvidas.


O segundo ponto, o Elogio da mulher quase bonita... enfim, o título explica-se a si próprio, mas a conclusão, avalizada apenas pelo próprio Pedro Lomba e não por um desconhecido exército de psicólogos, sexólogos e peritos em educação para a vida doméstica —ai não, espera, peritos em conciliação entre trabalho e família (por parte delas, presumo...)— a conclusão, dizia eu, é belíssima:

"Há um tipo de mulher que anda por aí nas avenidas, vejo-a agora do sítio onde escrevo, que é assim mesmo: quase bonita. Está tão perto de ser bonita que nos confunde. A beleza tem muitas formas. Há uma beleza tirânica e autoconsciente que eu tento evitar. A mulher que sabe que é bonita é uma mulher que já chegou, é uma mulher engravatada que já faz parte do "sistema", que aderiu ao "centrão". Não lhe sobram dúvidas nem inquietações. Ora, eu acredito que o ser humano deve fugir da confiança excessiva para não se transformar num mísero deslumbrado. Deve desconfiar de si mesmo, do que é, do que quer ser. A mulher demasiado segura da sua beleza não possui esta hesitação, este entendimento paradoxal com o mundo. Toda a mulher conscientemente, arrogantemente bonita não precisa do mundo para nada. Basta-se a si própria, enquanto passeia nas avenidas recebendo falsos juramentos e falsas venerações.

Eu só acredito, por isso, na mulher quase bonita. Acredito que o nosso consolo só pode vir da mulher que está quase, que vai um dia estar mas ainda não sabe, que vive na secreta ilusão de vir a ser. A mulher quase bonita merece a nossa crescente, indisputável admiração. Hoje eu tinha de escrever isto."



Lembra-me aquele sketch do primeiro episódio d'Os Contemporâneos, em que um jurado de uma surreal avaliação descrevia as professoras como "aquela que tem umas grandes mamas" ou "aquela boa, muita boa, és uma deusa!". Lembra-me também um ex-colega de trabalho que há um ano, mais coisa menos coisa, me pergunta pelo elenco de um espectáculo em ensaios; quando chego às mulheres, "bom, está a F.", "ah, ela é boa", atalha o latino macho em défice, e eu, já a sentir qualquer coisa desagradável no tom de voz "é, é muito boa actriz". Resposta esperada, "ah, se é boa actriz não sei, mas é boa." Numa mesma edição diária, os estereótipos em todo o seu esplendor: a incubadora de amor, o bibelot decorativo. É bonito. Só apetece dizer que o que vale a certos cronistas é algumas mulheres terem um fraquinho por homens quase inteligentes. Deve ser o instinto maternal.

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