quarta-feira, abril 30, 2008

minibar

É da idade? Não, não me parece. Foi ontem que no meio de infindáveis digressões com orquestra me apercebi de que já não ficava feliz por voltar a Lisboa, que tinha vontade de não voltar. Desde essa sensação — foi ontem, ontem, mais precisamente há seis ou sete anos, ontem —, desde então me convenci de que era intrinsecamente móvel, saltibanco sem remédio. Hoje estou a chegar a um fim — ou a uma pausa — nos quatro anos de relação intensa com o Porto. Quatro anos em que perdi o pé e o recuperei, em que muito provavelmente o pé que encontrei nem era o primeiro que perdi, mas outro, com os dedos mais abertos, mais flexíveis, mais sólidos. Um pé que flecte e estica e aguenta as pontas, até fazer sangue se for preciso. Mas sangra. Quatro anos em que me pareceu perder a raiz, em que viver no norte ou no sul me parecia quase indiferente, tantos são os lares que fui construindo entre a Batalha e o Pinheiro Manso. Permanente impermanência. Amo o Porto sei-o, e não é a família que me falta, pois no Porto a tenho também, tão próxima e tão fiável e tão minha. Mas a luz...

Olho para os riscos de sol que me tingem as paredes, as zonas de sombra brincando com as persianas e os móveis. Brincando com os olhos de três gatos invariavelmente cabisbaixos quando fecho a mala, dobro o fouton e a partida é clara e indesmentível. Vir a casa rasga-me. E quanto menos falta para o regresso, para poder desencaixotar finalmente o resto da minha vida, mais me rasga. Suspiro. Vai passar. Vou passar. Estou sempre de passagem. Provavelmente tão cedo não terei outra vida, nem sei se a quero. Mas sei que para andar feliz pelo mato, preciso primeiro de voltar a tomar conta do meu território, da minha toca. Agora uns saborosos meses para o fazer, e logo o bicho ficará pronto para o constante teletransporte.

Ontem cruzei-me com mais uma cara que não via há anos. Então, quando voltas para cá? Breve, muito em breve, respondo, esta cidade, percebo agora, faz-me uma falta dos diabos. É da luz, vem do outro lado, acto contínuo, é esta luz. Eu sorrio, surpreendida com a falta de surpresa que a afirmação me causa — já perdi a conta às vezes em que ouvi esta frase durante esta semana — e penso em Roma e na loucura que é sentir que aquela é a única outra cidade a que poderia também chamar minha. É, é a luz. Só pode ser.


5 comentários:

lili disse...

é-me muito familiar esse sensação... a inquietude da errância...
quantas casas,vidas, quantas familias, ninhos, teremos ainda que criar?
possivelmente o sedententarismo não está predestinado. e para quê se estamos de passagem?

um beijo grande desde estes outros "mundos" que no fundo são os mesmos...!

claudia

Manel disse...

:) fizeste-me lembrar aquela história do turista que foi visitar um filósofo a sua casa. havia uns poucos livros, uma mesa, dois bancos, uma enxerga. "onde estão os seus móveis", pergunta o turista? "onde estão os seus?", responde o filósofo. "mas eu estou só de passagem", diz o primeiro, ao que o segundo responde, "pois, como eu."


tantos mundos, realmente, e sempre o mesmo.
grande beijo

Rodrigues disse...

Bem-vinda de volta. :)

Manel disse...

:) Está quase, está quase... Agora Braga, depois Porto outra vez. Mas ainda chego a Lisboa a tempo da flor de jacarandá. E de afogar o O. em beiiiiiijos. E de caminho afogo-te a ti também, jejeje. Saudades.

K. disse...

Como te entendo... já me estou a habituar demasiado à luz de Barcelona. Tudo o resto me parece demasiado longe disto. Ainda que pelo caminho vao passando Madrid, Valência, Antuérpia, Lisboa ou Paris, o regresso a Barcelona parece cada vez mais um regresso a casa. Beijo.