passa gato, passa, fecha a moldura da casa. já te vi ontem, passavas e ronronaste-me aos sapatos, pediste-me colo. olhei-te cá de cima, mas que poder têm os gatos negros, o de nos fazer sentir que temos os pés no tecto e quanto mais altos mais abaixo, a gravidade a pesar na cabeça, o gato lá em cima, no chão, pequenino, quase cria. quase cria, quase inteiro. humedeceram-se-me os olhos e sorri-te. desce por mim acima, então, tenho a mão aberta para o teu nariz húmido, para as tuas orelhas de antena, para a tua língua rugosa. vê, toda a zona frágil exposta, os dedos distendidos, podes confiar. e começaste o teu alpinismo invertido, de garras recolhidas, salvo umas poucas distracções não contabilizadas, não te recriminarei por te desequilibrares numa tal escalada e aceito os arranhões. no fim do caminho mal te senti, ficou apenas um milímetro a mais na linha da vida, temporariamente inchado no seu ponto de sangue. e no entanto, ronronaste-me aos sapatos, podia jurar que não foi um sopro de guerra, dissimulado felino, nem um miado de desprezo, foi o motor que te une a garganta à barriga rasgada de branco.
e lá estamos a repetir a nossa dança, como se fosse a primeira vez. mas não é. como, estou certa, os efeitos não serão idênticos. é um déjà vu, mas com um desvio significante.
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