Já não há escapes neste tabuleiro, só electricidade. Pequenos terremotos regulares abalam a ponte e passam com gente lá dentro que nem repara na gente cá fora, os olhares fixos nos pontos de luz que o Douro leva. Nas escadas dos Guindais, só os gatos vivem, distribuem-se, alargam-se, duas crias adolescentes fazem uma dança de pêlos eriçados, degraus acima, degraus abaixo, entenderam-se, fim do primeiro
round. No vértice linear do telhado abandonado alinham-se sete gaivotas de costas para o rio, parecem vigiar a muralha defendida pelas laranjeiras que, confiadas ao vento, disparam o seu cheiro de primavera e me fazem voltar para leste, procurando a origem desta fugidia felicidade olfactiva. Cá estão elas, nas minhas costas, o vento muda, o odor esvai-se, mas as laranjas brilham orgulhosas. Sob os meus pés, o bairro da Sé dá sinais de vida. Ó Riiiiiiiiiiita, uma primeira voz, que se repete. E a segunda voz, também pujante, também feminina, Ó Riiiiita, olh'á tua manhe! Com a rapidez de um rato do campo, um corpo franzino com uma saia vermelha cruza a escadaria e desaparece no labirinto.
Recortado pelo picotado, este cupão de cidade parece-me neste momento o lugar mais tranquilo do mundo.
Ponte D.Luiz, Porto
Abril de 2008
2 comentários:
Porto...
:) a doce tristeza do exílio...
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