domingo, abril 06, 2008
não digam ao fado...
... que há quem o use para encher pneus, que é como quem diz para encher egos. Que há quem lhe viole as palavras, deixando-as pelo caminho como se nada valessem, como se valessem tão pouco como os corpos que envelhecem à frente dos espíritos ainda prontos a viver de vinho e caldo verde numa qualquer colectividade perdida nos subúrbios do subúrbio. Não lhe digam que há miúdas de quinze anos que acham que se fizerem voz grossa, badalarem cada nota e se encherem de manias e trejeitos, hão-de conseguir o estatuto de diva. Digam-lhe só que nessas salas escondidas, nessas salas das traseiras, nesses pavilhões polivalentes largos demais para caber Alfama, se pode encontrar um rosto de criança de sessenta anos que sorri como quem chora de felicidade. E que para cada sorriso semelhante, há uma Marla magnética, verdadeira, bela como as palavras que percorrem o seu corpo e os seus lábios. Há lágrimas no fado que nos fazem querer passar o resto da vida assim, com os olhos húmidos e um calor nascendo no centro do corpo e irradiando luz em todas as direcções. Não digam ao fado que os bons amigos não nos fazem chorar. Digam-lhe antes que essa pode ser a maior das generosidades, esta generosidade cantada. Ele vai compreender.
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