sábado, agosto 30, 2008

da inutil.idade da beleza

Um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entrada de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me: —"Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado."

Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.

Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais triste, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. As pessoas que me tinham conhecido aos dezassete anos aquando da minha viagem a França ficaram impressionadas quando me voltaram a ver, dois anos depois, aos dezanove anos. Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto. Envelheceu ainda, evidentemente, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruída. Tenho um rosto destruído.


Marguerite Duras, O Amante, trad.: Luísa Costa Gomes e Maria da Piedade Ferreira


Sem comentários: