Acredita em mim, eu juro que não sabia. Não sei o que tomou conta de mim, o que tomou conta do ar para me fazer colapsar desta maneira e adormecer nestes braços. Juro que não me dei conta, perdoa-me a cegueira, foi o cansaço, a exaustão, os sobressaltos duros e negros deste comboio a cair.
Ainda há pouco respirava contigo, a cabeça abandonada no teu peito, o coração cerceado pelos teus braços. Sonhava? Sonhava, pois. Que outra explicação pode haver? Juro que não sabia quando me deixei adormecer, quando me permiti intoxicar lentamente pelo baloiço descarrilado, pela doçura do sono respirado em conjunto. Ele? Não sei o que pensou. Mais certo será que nada tenha pensado. Soltou os braços e recebeu o meu tombo. Foi generoso, à sua maneira. Mas depois foi apertando, apertando. Suponho que não soubesse sequer evitá-lo...
Ingrato, o despertar. Bizarro. Um bem-estar que passa a mal enquanto com os dedos desfaço os pequenos nós de maquilhagem que ainda se me agarram às pestanas, enquanto eu esfrego um olho. Dói-me o pescoço, tenho os rins feitos em papa e o ouvido esquerdo louco com o tique-taque que há pelo menos uma hora o vem moendo, insidioso. É tarde. E tu não usas relógio. Ainda há pouco respirávamos juntos e já os fôlegos se contestam, misturados no arfar bruto do comboio. Estes braços desconhecidos apertam-me o pescoço que me dói insuportavelmente. Liberto-me suavemente, escorrendo pelo meio deles, como uma cobra. Estalo as vértebras para que o ar possa voltar a passar livremente, ao seu ritmo e não seguindo um passo alheio. Olho o seu rosto adormecido. Nunca o vi, estranho-me e estranho-o. Juro que não me apercebi de quem era, de quem eu era, quando me abandonei. Acredita-me. Foi o escuro, foram os olhos pesados, foi o coração apertado, foi o seu cheiro nos meus poros despertos. Ainda está escuro, mas já não tenho vontade de dormir, mau-grado todo o sono que me pesa nos olhos. A carruagem está agora vazia, já as respirações largaram os corpos em atraso e alcançaram por si o seu destino. A carruagem está agora vazia, e eu jurá-lo-ei, jurá-lo-ei até que me creias. Está vazia.
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