domingo, agosto 10, 2008

encerramento — yet another

Um grande concerto, para a despedida do ano, e se havia coisa da qual sabia estar a precisar era de uma boa noite de sentidos e jogos sonoros, energia bruta e dura e refinada na sua liberdade. Curto e grosso, do que precisava era de onze grandes músicos playing their asses off, e foi o que tive. A metrópole feita arte, o movimento constante, a ordem que consegue surgir no meio do caos para nele logo submergir de novo, para se render ao sopro, à energia. Trânsito e multidões entre bocais e palhetas, uma sirene de ambulância saída de um violoncelo, um boi de um contrabaixo, dois bateristas — o que para mim é à partida one drummer too many — e a revelação nos duetos, na des-ordem síncrona, na inteligência que sobrevive até a baquetas partidas ao primeiro ataque. Além da experiência sensual que é sempre o barítono de Mats Gustafsson.

Já lhes perdi a conta, aos encerramentos. Se há espaços sem tecto que me formaram a personalidade, foram a festa do Avante! e o Jazz em Agosto. Termino mais este com as perguntas do costume. Entre docs, conferências e anfiteatro, a nata das natas continua a aportar em Lisboa. A.N. [antes de Neves, ou melhor dizendo, e.N., entre Neves] era sectário, o nível era altíssimo, a linguagem tendencialmente mais ligada a algumas raízes, mas acabava por haver espaço para muita coisa. Agora, d.N., continua sectário, com um nível altíssimo, e praticamente só há espaço para os territórios do free — e nenhum para músicos da terra, o que apesar de tudo não era mal pensado, acho eu. É uma escolha, legítima, de dar uma clara identidade de vanguarda ao festival. Mas parece-me um pouco irónico que a defesa com unhas e dentes da música da liberdade só possa fazer-se entre muros selados. Fico a recordar a árvore que entrou no meu pessoal concerto do Otomo Yoshihide, e dá-me vontade de ouvir naquele espaço outras coisas, e estas ainda, e talvez ainda outras. Além de que, como todos os anos, dou por mim a pensar nos chases que Betty Carter faria com as copas tocadas pelo vento e com os aviões com timing para os pianíssimos. Ela nunca esteve na Gulbenkian, para minha tristeza, mas tenho-a na memória, gloriosa, a distância de primeira fila, no CCB, dois ou três anos antes da morte. Se calhar na fronteira do fim de uma era.


Feed The Fire - Betty Carter

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