Se a Baixa se afundasse...
... continuaríamos a ter o Bairro Alto para recuperar almoços perdidos. Dos States, ali ao Campo Grande, até NY que está para breve, seja a distância qual for, o Telescópio voltou, olhando-nos de cima para baixo, com a lente de poeta, do topo do seu Arranha-céus. Mais uma vaga de Maio, na coluna de linques.
sábado, dezembro 23, 2006
Confissão orgulhosa para um natal ansioso
Um amigo dizia-me ontem que esperava perder a aposta que fez: a de que o SIM não vencerá no referendo de 11 de Fevereiro. Estou farta de levar lambadas, é esta a verdade, mas ainda assim não posso convencer-me de que os fala-barato que da praia se espantaram com o resultado do primeiro referendo sobre a legalização da IVG irão, novamente, deixar para os outros a tarefa de evitar pelo voto que morram e se humilhem mais mulheres [pagar cadeias para quem aborta, com os meus impostos?! Nem obrigada!]. Fora com o bafio. Fora com o conceito de mulher-incubadora. Às urnas em Fevereiro, senhores. Nada justifica a vergonha que se vive no país, nem o Salazar nem o Cerejeira nem o Guterres nem o Bentinho. Mão na consciência e vergonha na cara, é o que é preciso. E que cada ricaça que já pagou uma IVG em Madrid ou em Londres não consiga dormir depois de votar Não.
Eu, por mim, quanto mais vivo mais mais me angustio, mas também durmo cada noite melhor, de consciência tranquila. Não é, pois, para a limpar que volto a publicar esta confissão. É, isso sim, para relembrar que a realidade existe, não nas páginas dos livros sagrados, mas nas ruas, nas cidades, nos íntimos de cada cidadão, no corpo autónomo de cada cidadã - mulheres formadas, conscientes, cujo organismo sobrevive por si, que têm direito a decidir sobre si mesmas e a quem os estados-nação devem séculos de direitos e igualdade. Onde no texto abaixo se fala de "pró-vida", deve ler-se "pró-prisão", chamemos pois os bois pelos nomes. A minha consciência acarinha esta confissão. Que a vossa não acarinhe a humilhação quando forem chamados a dizer de vossa JUSTIÇA [pois que é disso que se trata], em 11 de Fevereiro.
Há um ano atrás, por esta altura precisamente, parti às três da manhã em direcção a Badajoz num Daewoo Matiz com uma amiga repousando no banco de trás a caminho de pôr em prática a decisão mais difícil da sua vida.
Há um ano atrás aguardava na sala de espera da Clínica dos Arcos observando em meu redor a quase totalidade de mulheres portuguesas, jovens e menos jovens, que aguardavam a sua vez, e de pais mães irmãos namorados amigos maridos portugueses que aguardavam como eu, sem saber que mais fazer para minorar aquela etapa terrível para além de estar presente de corpo e alma. E compreender. E acompanhar. E ter compaixão. É curioso que escasseiem tanto estas capacidades nos abusivamente auto-intitulados de Pró-Vida. Perdoem-me, não é curioso. É revoltante.
Há um ano atrás, escutando a descrição feita pela minha amiga do acompanhamento social, psicológico e médico que a clínica em questão fornece e observando ainda assim o seu sofrimento, muito me revoltei sobre a imoralidade que é penalizar as mulheres ainda mais, obrigando-as a agir fora da lei, a maioria das vezes na vergonha e no isolamento e sem o mínimo de dignidade ou segurança. E pensei nos países que já ultrapassaram o problema, em que a legalização do aborto correspondeu a um menor recurso ao mesmo. Países em que as leis não se submetem eternamente ao obscurantismo e à prepotência de uns quantos que se consideram detentores de uma moral superior e designados por não sei quem para serem os guardas da função sagrada da maternidade de qualquer mulher, seja qual for o seu credo, cor, religião, personalidade, opinião pessoal, quaisquer que sejam os seus sentimentos mais íntimos. Gente que não entende o significado da palavra cristianismo. E para quem a democracia é a parca liberdade dos outros terminar onde começa a sua ampla, pura e santa liberdade. Não tem outro nome o que se passa em Portugal: é fascismo sexual e reprodutivo.
Há um ano atrás, como hoje, não senti vergonha de ser portuguesa. Mas senti vergonha do estado do meu país.
texto escrito em Setembro de 2004 e originalmente publicado AQUI
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
... E bom solstício de inverno para todos!
Um amigo dizia-me ontem que esperava perder a aposta que fez: a de que o SIM não vencerá no referendo de 11 de Fevereiro. Estou farta de levar lambadas, é esta a verdade, mas ainda assim não posso convencer-me de que os fala-barato que da praia se espantaram com o resultado do primeiro referendo sobre a legalização da IVG irão, novamente, deixar para os outros a tarefa de evitar pelo voto que morram e se humilhem mais mulheres [pagar cadeias para quem aborta, com os meus impostos?! Nem obrigada!]. Fora com o bafio. Fora com o conceito de mulher-incubadora. Às urnas em Fevereiro, senhores. Nada justifica a vergonha que se vive no país, nem o Salazar nem o Cerejeira nem o Guterres nem o Bentinho. Mão na consciência e vergonha na cara, é o que é preciso. E que cada ricaça que já pagou uma IVG em Madrid ou em Londres não consiga dormir depois de votar Não.
Eu, por mim, quanto mais vivo mais mais me angustio, mas também durmo cada noite melhor, de consciência tranquila. Não é, pois, para a limpar que volto a publicar esta confissão. É, isso sim, para relembrar que a realidade existe, não nas páginas dos livros sagrados, mas nas ruas, nas cidades, nos íntimos de cada cidadão, no corpo autónomo de cada cidadã - mulheres formadas, conscientes, cujo organismo sobrevive por si, que têm direito a decidir sobre si mesmas e a quem os estados-nação devem séculos de direitos e igualdade. Onde no texto abaixo se fala de "pró-vida", deve ler-se "pró-prisão", chamemos pois os bois pelos nomes. A minha consciência acarinha esta confissão. Que a vossa não acarinhe a humilhação quando forem chamados a dizer de vossa JUSTIÇA [pois que é disso que se trata], em 11 de Fevereiro.
Há um ano atrás, por esta altura precisamente, parti às três da manhã em direcção a Badajoz num Daewoo Matiz com uma amiga repousando no banco de trás a caminho de pôr em prática a decisão mais difícil da sua vida.
Há um ano atrás aguardava na sala de espera da Clínica dos Arcos observando em meu redor a quase totalidade de mulheres portuguesas, jovens e menos jovens, que aguardavam a sua vez, e de pais mães irmãos namorados amigos maridos portugueses que aguardavam como eu, sem saber que mais fazer para minorar aquela etapa terrível para além de estar presente de corpo e alma. E compreender. E acompanhar. E ter compaixão. É curioso que escasseiem tanto estas capacidades nos abusivamente auto-intitulados de Pró-Vida. Perdoem-me, não é curioso. É revoltante.
Há um ano atrás, escutando a descrição feita pela minha amiga do acompanhamento social, psicológico e médico que a clínica em questão fornece e observando ainda assim o seu sofrimento, muito me revoltei sobre a imoralidade que é penalizar as mulheres ainda mais, obrigando-as a agir fora da lei, a maioria das vezes na vergonha e no isolamento e sem o mínimo de dignidade ou segurança. E pensei nos países que já ultrapassaram o problema, em que a legalização do aborto correspondeu a um menor recurso ao mesmo. Países em que as leis não se submetem eternamente ao obscurantismo e à prepotência de uns quantos que se consideram detentores de uma moral superior e designados por não sei quem para serem os guardas da função sagrada da maternidade de qualquer mulher, seja qual for o seu credo, cor, religião, personalidade, opinião pessoal, quaisquer que sejam os seus sentimentos mais íntimos. Gente que não entende o significado da palavra cristianismo. E para quem a democracia é a parca liberdade dos outros terminar onde começa a sua ampla, pura e santa liberdade. Não tem outro nome o que se passa em Portugal: é fascismo sexual e reprodutivo.
Há um ano atrás, como hoje, não senti vergonha de ser portuguesa. Mas senti vergonha do estado do meu país.
texto escrito em Setembro de 2004 e originalmente publicado AQUI
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
... E bom solstício de inverno para todos!
terça-feira, dezembro 19, 2006
Em casa
Alcântara, 19 de Dezembro de 2006
Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar.
Se um português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu
Amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
Morreria no meu peito
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.
Alexandre O'Neill/Alain Oulman
aqui na voz da minha maravilhosa vizinha e amiga Luísa Cruz e nos dedos do mais lindo dos americanos em Paris, Jeff Cohen
Alcântara, 19 de Dezembro de 2006
Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar.
Se um português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu
Amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
Morreria no meu peito
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.
Alexandre O'Neill/Alain Oulman
08 Gaivota.wma |
aqui na voz da minha maravilhosa vizinha e amiga Luísa Cruz e nos dedos do mais lindo dos americanos em Paris, Jeff Cohen
domingo, dezembro 17, 2006
sexta-feira, dezembro 15, 2006
2 º
Rua Augusto Rosa, Porto
14 de Dezembro de 2006
Dentro do teatro navega-se pelo Río de la Plata, cá fora, só o jornal traz ecos do hemisfério sul. Este é o outro lado da rua da Paulista, dormitório gelado com as Marías por cabeceira. Sinto-me estranhamente integrada no frio agreste que deveria enregelar-nos até aos ossos da indiferença.
Rua Augusto Rosa, Porto
14 de Dezembro de 2006
Dentro do teatro navega-se pelo Río de la Plata, cá fora, só o jornal traz ecos do hemisfério sul. Este é o outro lado da rua da Paulista, dormitório gelado com as Marías por cabeceira. Sinto-me estranhamente integrada no frio agreste que deveria enregelar-nos até aos ossos da indiferença.
domingo, dezembro 10, 2006
Pastelaria Paulista
A Paulista é paragem mais ou menos obrigatória para quem trabalha no pequeno grande teatro do outro lado da Augusto Rosa. Uma boa sopa que disfarça o almoço que não houve, os croissants e o pão-de-ló que salvam as tardes de sapa quando a dona Júlia faz folga e o bar do pessoal é apenas uma sala marmórea e fria. Ao meu lado, no balcão, um homem tisnado, de idade indefinida, nem muito sujo nem muito lavado, nitidamente um cliente habitual, personagem natural do mundo particular e heterogéneo que é a Praça da Batalha. Com tom familiar, dirige-se à empregada.
- Como é que se chama?
- O quê - brinca ela, castiça -, como é que eu me chamo?
- Não, o bolo.
- Ah, o bolo chama-se "delícia".
- Então era uma delícia, menina Eva, que o seu nome sei-o de trás para a frente.
- Ah sim? E como é o meu nome de trás para a frente?
- Ave!
Os risos da empregada, que se empertiga para a resposta; e eu aguardando o inevitável "Avé, César!". Mas ela troca-me as voltas ao riso:
- Avre-te, sésamo! -, diz, sorridente.
E ele logo, muito solícito, a corrige:
- Ave-te, Eva!
A Paulista é paragem mais ou menos obrigatória para quem trabalha no pequeno grande teatro do outro lado da Augusto Rosa. Uma boa sopa que disfarça o almoço que não houve, os croissants e o pão-de-ló que salvam as tardes de sapa quando a dona Júlia faz folga e o bar do pessoal é apenas uma sala marmórea e fria. Ao meu lado, no balcão, um homem tisnado, de idade indefinida, nem muito sujo nem muito lavado, nitidamente um cliente habitual, personagem natural do mundo particular e heterogéneo que é a Praça da Batalha. Com tom familiar, dirige-se à empregada.
- Como é que se chama?
- O quê - brinca ela, castiça -, como é que eu me chamo?
- Não, o bolo.
- Ah, o bolo chama-se "delícia".
- Então era uma delícia, menina Eva, que o seu nome sei-o de trás para a frente.
- Ah sim? E como é o meu nome de trás para a frente?
- Ave!
Os risos da empregada, que se empertiga para a resposta; e eu aguardando o inevitável "Avé, César!". Mas ela troca-me as voltas ao riso:
- Avre-te, sésamo! -, diz, sorridente.
E ele logo, muito solícito, a corrige:
- Ave-te, Eva!
quarta-feira, novembro 29, 2006
A poesia está na rua
Rua 31 de Janeiro, Porto
28 de Novembro de 2006
Este post é para a Violeta, que vinha com tanta vontade de me mostrar o amor-perfeito que fotografou na Praça da Liberdade como a que eu tinha de lhe mostrar este amor-perfeito da 31 de Janeiro. E, claro, para quem quer que tenha decidido que hoje o basalto invernal pedia encarecidamente que o rasgassem de amarelo primaveril. Seja quem for, é um poeta, e coloriu de riso o meu dia. E o da Violeta.
Rua 31 de Janeiro, Porto
28 de Novembro de 2006
Este post é para a Violeta, que vinha com tanta vontade de me mostrar o amor-perfeito que fotografou na Praça da Liberdade como a que eu tinha de lhe mostrar este amor-perfeito da 31 de Janeiro. E, claro, para quem quer que tenha decidido que hoje o basalto invernal pedia encarecidamente que o rasgassem de amarelo primaveril. Seja quem for, é um poeta, e coloriu de riso o meu dia. E o da Violeta.
segunda-feira, novembro 27, 2006
Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
Mário Cesariny, 1923-2006
terça-feira, novembro 21, 2006
Porto desabrigado
Não é límpido, o regresso. É difícil sossegar o coração, quando olhos se focam na paz para que nenhum malabar se estatele no chão e se transforme em lança de guerra. O tratado é recente, os ânimos ainda feridos recolhem-se no estômago, nas vísceras, nos recantos mais insuspeitos do cérebro. É duro substiuir muralhas por pontes levadiças. Mais duro é não substituí-las. A gestão das pontes dá trabalho, mas tem retorno. Já as muralhas são em si mesmas íman de canhões, passeiam-se em teu redor conjurando o ataque, encontram-se, justificam-se no ataque. São ingratas. E sofrem. Sem retorno. Perdendo a lição. Escoando a vida. O seu tempo passou. A gleba recusa o feudo. Sabe que chamar-se invicta seria uma negação de si mesma, uma negação em si mesma. E a pedra escura também o sabe, e retribui a lealdade com uma doce carícia rugosa na palma da mão.
São Bento da Vitória, Porto
Novembro de 2006
Não é límpido, o regresso. É difícil sossegar o coração, quando olhos se focam na paz para que nenhum malabar se estatele no chão e se transforme em lança de guerra. O tratado é recente, os ânimos ainda feridos recolhem-se no estômago, nas vísceras, nos recantos mais insuspeitos do cérebro. É duro substiuir muralhas por pontes levadiças. Mais duro é não substituí-las. A gestão das pontes dá trabalho, mas tem retorno. Já as muralhas são em si mesmas íman de canhões, passeiam-se em teu redor conjurando o ataque, encontram-se, justificam-se no ataque. São ingratas. E sofrem. Sem retorno. Perdendo a lição. Escoando a vida. O seu tempo passou. A gleba recusa o feudo. Sabe que chamar-se invicta seria uma negação de si mesma, uma negação em si mesma. E a pedra escura também o sabe, e retribui a lealdade com uma doce carícia rugosa na palma da mão.
São Bento da Vitória, Porto
Novembro de 2006
Ai, a carestia...
... ou o espontâneo humor negro dos classificados do DN.
ALTO S.JOÃO; T3 remodelado, local sossegado, terraço; €700.
Isto está pela hora da morte. Com este preço na renda dos jazigos familiares, dá para desistir de ser um moribundo, como diria uma certa velhota do concelho de Caminha.
... ou o espontâneo humor negro dos classificados do DN.
ALTO S.JOÃO; T3 remodelado, local sossegado, terraço; €700.
Isto está pela hora da morte. Com este preço na renda dos jazigos familiares, dá para desistir de ser um moribundo, como diria uma certa velhota do concelho de Caminha.
sábado, novembro 18, 2006
Navegar é preciso...
Tenho andado tão atarefada a preparar o regresso à inbicta - por apenas um mês, desta vez, que isto é bom assim em doses controladas -, que até me esqueci de vos fazer pirraça. Quase quinze anos depois do Pavilhão Carlos Lopes e anos indetermináveis passados sobre o primeiro coup de foudre que me colou aos olhos azuis de Francisco, lá fui chorar rir dançar pensar balançar para o Coliseu. Levem o meu sorriso, os meus assuntos, o que me é direito, as imagens de São Francisco e os bons discos de Natal, os meus planos, os meus pobres enganos, os meus vinte anos e o meu coração, deixem-me apenas as perdas e danos, mas não me emudeçam este violão.
Não me leve a mal
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Não se atire do terraço
não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se
esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve
Não me leve a mal
Me leve apenas para andar por aí
Na lagoa, no cemitério
Na areia, no mormaço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Leve, Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque, in Carioca
Tenho andado tão atarefada a preparar o regresso à inbicta - por apenas um mês, desta vez, que isto é bom assim em doses controladas -, que até me esqueci de vos fazer pirraça. Quase quinze anos depois do Pavilhão Carlos Lopes e anos indetermináveis passados sobre o primeiro coup de foudre que me colou aos olhos azuis de Francisco, lá fui chorar rir dançar pensar balançar para o Coliseu. Levem o meu sorriso, os meus assuntos, o que me é direito, as imagens de São Francisco e os bons discos de Natal, os meus planos, os meus pobres enganos, os meus vinte anos e o meu coração, deixem-me apenas as perdas e danos, mas não me emudeçam este violão.
Leve.wma |
Não me leve a mal
Me leve à toa pela última vez
A um quiosque, ao planetário
Ao cais do porto, ao paço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Não se atire do terraço
não arranque minha cabeça
Da sua cortiça
Não beba muita cachaça, não se
esqueça depressa de mim, sim?
Pense que eu cheguei de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve
Não me leve a mal
Me leve apenas para andar por aí
Na lagoa, no cemitério
Na areia, no mormaço
O meu coração, meu coração
Meu coração parece que
perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo
Leve, Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque, in Carioca
quinta-feira, novembro 16, 2006
Porque não me apetece falar da ivg nem da moda bode expiatório da anorexia nem da cultura que contribui para o PIB com 1,4% e recebe 0,4% do orcamento de estado nem de gente nem da rua nem de casa... o lugar aos bichos!
A Família Feliz na Caçarola;
e a princesa à janela.
E é também graças a estes doces e selvagens nadas que a vida é bela.
A Família Feliz na Caçarola;
e a princesa à janela.
E é também graças a estes doces e selvagens nadas que a vida é bela.
quinta-feira, novembro 09, 2006
O enforcamento tragicamente irrelevante, o director de jornal tristemente relevante e o mais que relevante post de Ivan Nunes, no Cinco Dias.
[Parece-me que para fazer o pleno de encómios já só me falta a Joana Amaral Dias... e apenas porque ainda não calhou.]
[Parece-me que para fazer o pleno de encómios já só me falta a Joana Amaral Dias... e apenas porque ainda não calhou.]
terça-feira, novembro 07, 2006
segunda-feira, novembro 06, 2006
domingo, novembro 05, 2006
My thoughts exactly
Como defensor dos Direitos Humanos, choca-me a suspeita imparcialidade deste tribunal, produto de Paul Bremmer e de uma mais que dúbia legitimidade internacional. Escandaliza-me a pena de enforcamento. Não porque Saddam não o merecesse. Mas sim porque a Humanidade merece mais do que esta roda viva de violência institucionalizada cuja Justiça parece perseguir apenas os "dispensados"...
Diz o Max, neste claríssimo post no Devaneios. Olho por olho, senhores, não em busca da justiça, mas da vingança e da prosperidade nos negócios.
Donald Rumsfeld, Bagdade, 1983; em nome do Presidente Reagan, exprimia então o "apoio do Povo Americano" ao regime de Saddam Hussein...
tudo surripiado ao Max
Como defensor dos Direitos Humanos, choca-me a suspeita imparcialidade deste tribunal, produto de Paul Bremmer e de uma mais que dúbia legitimidade internacional. Escandaliza-me a pena de enforcamento. Não porque Saddam não o merecesse. Mas sim porque a Humanidade merece mais do que esta roda viva de violência institucionalizada cuja Justiça parece perseguir apenas os "dispensados"...
Diz o Max, neste claríssimo post no Devaneios. Olho por olho, senhores, não em busca da justiça, mas da vingança e da prosperidade nos negócios.
Donald Rumsfeld, Bagdade, 1983; em nome do Presidente Reagan, exprimia então o "apoio do Povo Americano" ao regime de Saddam Hussein...
tudo surripiado ao Max
sábado, novembro 04, 2006
Es ist vollbracht.
Já está. Tomámos as nossas decisões. Os olhos entortam-se, vermelhos de chorar ao olhar para trás, ainda nublados ao olhar para a frente. Os dias têm sido noites, o céu está escuro e ainda é de manhã, e eu tenho um buraco imenso cá dentro que por vezes parece que nunca se vai tapar.
Se é com lágrimas que tenho de me limpar, assim seja.
Já está. Tomámos as nossas decisões. Os olhos entortam-se, vermelhos de chorar ao olhar para trás, ainda nublados ao olhar para a frente. Os dias têm sido noites, o céu está escuro e ainda é de manhã, e eu tenho um buraco imenso cá dentro que por vezes parece que nunca se vai tapar.
Se é com lágrimas que tenho de me limpar, assim seja.
sexta-feira, novembro 03, 2006
Tudo o que sabemos na vida
Uma visitante aqui da casa deixou-me um repto numa caixa de comentários: POR FAVOR ALGUEM ME DÊ UM BOM ARGUMENTO PARA VOTAR NO SIM.
Mas a razão principal para votar Sim, escreveu-a a própria no seu comentário: só sei que nada sei. É por isso que votar Não é intrometer-se na consciência individual das outras mulheres e cercear-lhes a mais elementar liberdade. É um acto de intolerância e tirania, independentemente do que queremos para nós, ou do que achamos correcto.
Eu, por mim, e considerando a vontade que sempre tive de ter filhos, ia viver muito mal com a decisão de interromper uma gravidez, muito dificilmente optaria por isso. Mas eu só sei de mim, e mesmo de mim sei tão pouco... como posso ter o direito de decidir pela minha vizinha, ou pela mulher que atravessa o meu caminho na calçada, de cuja vida, aspirações, medos e condicionantes nada sei? Pela mesma razão, é-me extremamente ofensivo ouvir seja quem for dizer que tem o direito de determinar o que eu posso fazer com o meu corpo, que tem o direito de ilegalizar, julgar e condenar uma decisão tão pessoal e tão difícil. É este o meu argumento central, e é este argumento que faz com que um Não de certezas [diferente de um Não de dúvidas, como parece ser o caso da leitora em questão] me seja impossível de respeitar. Os tiranos não se respeitam nem se convencem, infelizmente; combatem-se. Poucas lições a História tem deixado tão claras.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
Uma visitante aqui da casa deixou-me um repto numa caixa de comentários: POR FAVOR ALGUEM ME DÊ UM BOM ARGUMENTO PARA VOTAR NO SIM.
Mas a razão principal para votar Sim, escreveu-a a própria no seu comentário: só sei que nada sei. É por isso que votar Não é intrometer-se na consciência individual das outras mulheres e cercear-lhes a mais elementar liberdade. É um acto de intolerância e tirania, independentemente do que queremos para nós, ou do que achamos correcto.
Eu, por mim, e considerando a vontade que sempre tive de ter filhos, ia viver muito mal com a decisão de interromper uma gravidez, muito dificilmente optaria por isso. Mas eu só sei de mim, e mesmo de mim sei tão pouco... como posso ter o direito de decidir pela minha vizinha, ou pela mulher que atravessa o meu caminho na calçada, de cuja vida, aspirações, medos e condicionantes nada sei? Pela mesma razão, é-me extremamente ofensivo ouvir seja quem for dizer que tem o direito de determinar o que eu posso fazer com o meu corpo, que tem o direito de ilegalizar, julgar e condenar uma decisão tão pessoal e tão difícil. É este o meu argumento central, e é este argumento que faz com que um Não de certezas [diferente de um Não de dúvidas, como parece ser o caso da leitora em questão] me seja impossível de respeitar. Os tiranos não se respeitam nem se convencem, infelizmente; combatem-se. Poucas lições a História tem deixado tão claras.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
quinta-feira, novembro 02, 2006
Danceteria à maneira
Amanhã, no Jardim de Inverno do São Luiz, grandes artistas nacionais e internacionais, dj's-actores-trapezistas convivendo pacificamente com bailarinos-actores-cantores-ilusionistas. Para desopilar, não há melhor.
Contada a caixa, baixam-se as lonas, e oh ironia, era nas lonas que o circo se erguia...
Amanhã, no Jardim de Inverno do São Luiz, grandes artistas nacionais e internacionais, dj's-actores-trapezistas convivendo pacificamente com bailarinos-actores-cantores-ilusionistas. Para desopilar, não há melhor.
Contada a caixa, baixam-se as lonas, e oh ironia, era nas lonas que o circo se erguia...
Little big movie
Argumento brilhante. Diálogos [e silêncios] perfeitos. Elenco irrepreensível. Sensibilidade, mestria, humor, tragédia, quotidiano. "Everybody, just pretend to be normal!". Mas nada aqui poderia ser mais absurdamente normal.
Tenho um fraco especial por filmes que assim transformam os aparentes vencidos de uma sociedade derrotada em fabulosas figuras de subversão e desarranjo do pesadelo. Este é um dos filmes para a minha vida. Riso, choro, consternação, reflexão [de pensamento e de reflexo literal], asco, simpatia, desconforto, alegria. Lições de cinema, umas atrás das outras. Mais uma oportunidade para ver essa actriz maravilhosa que é Toni Colette. E mais um verdadeiro ensaio estético sobre as variáveis possíveis na distribuição de seis pessoas e uma pão-de-forma amarela num plano de cinema. Um petisco, senhores, um cálice de ambrósia destilado a partir dos mais puros hambúrgueres de carne de minhoca.
Argumento brilhante. Diálogos [e silêncios] perfeitos. Elenco irrepreensível. Sensibilidade, mestria, humor, tragédia, quotidiano. "Everybody, just pretend to be normal!". Mas nada aqui poderia ser mais absurdamente normal.
Tenho um fraco especial por filmes que assim transformam os aparentes vencidos de uma sociedade derrotada em fabulosas figuras de subversão e desarranjo do pesadelo. Este é um dos filmes para a minha vida. Riso, choro, consternação, reflexão [de pensamento e de reflexo literal], asco, simpatia, desconforto, alegria. Lições de cinema, umas atrás das outras. Mais uma oportunidade para ver essa actriz maravilhosa que é Toni Colette. E mais um verdadeiro ensaio estético sobre as variáveis possíveis na distribuição de seis pessoas e uma pão-de-forma amarela num plano de cinema. Um petisco, senhores, um cálice de ambrósia destilado a partir dos mais puros hambúrgueres de carne de minhoca.
terça-feira, outubro 31, 2006
Muleta
No Prós e Contras, como em quase todos os debates sobre a IVG, quando um cada vez mais enredado "Não" se vê atolado no não-argumento, quando sente que pode ser óbvio para a plateia a tirania social daquilo que defendem, regressamos sempre à mesma muleta. E repetem eles, brandindo a muleta zangados como se as suas liberdades individuais estivessem em causa:
Esta é uma matéria de consciência individual!
... hmmmm....
Não entendo, se é de consciência individual, então estamos a discutir o quê? Se é de consciência individual, por que razão a dona Alexandra Tété tem direito a agir de acordo com a sua consciência e eu não tenho? Dêem-me uma única razão plausível para as Seabras, as Tétés e os Maltas deste país, terem direito a decidir sobre mim e a minha saúde reprodutiva. Pois, faria tanto sentido como eu poder decidir se a dona Tété deve fazer uma IVG. É tirano e desrespeitoso. E no entanto, do lado do pântano moralista, muito se falou em respeito; com a maior falta de vergonha e pelo meio de tiradas altamente desrespeitosas e insultuosas para as mulheres, para as cidadãs.
A ver, se continuamos num país de cegos, no qual um zarolho com uma pala a tapar o olho que vê, é rei.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
No Prós e Contras, como em quase todos os debates sobre a IVG, quando um cada vez mais enredado "Não" se vê atolado no não-argumento, quando sente que pode ser óbvio para a plateia a tirania social daquilo que defendem, regressamos sempre à mesma muleta. E repetem eles, brandindo a muleta zangados como se as suas liberdades individuais estivessem em causa:
Esta é uma matéria de consciência individual!
... hmmmm....
Não entendo, se é de consciência individual, então estamos a discutir o quê? Se é de consciência individual, por que razão a dona Alexandra Tété tem direito a agir de acordo com a sua consciência e eu não tenho? Dêem-me uma única razão plausível para as Seabras, as Tétés e os Maltas deste país, terem direito a decidir sobre mim e a minha saúde reprodutiva. Pois, faria tanto sentido como eu poder decidir se a dona Tété deve fazer uma IVG. É tirano e desrespeitoso. E no entanto, do lado do pântano moralista, muito se falou em respeito; com a maior falta de vergonha e pelo meio de tiradas altamente desrespeitosas e insultuosas para as mulheres, para as cidadãs.
A ver, se continuamos num país de cegos, no qual um zarolho com uma pala a tapar o olho que vê, é rei.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
domingo, outubro 29, 2006
Frase do dia
Amadeo Modigliani, Nudo sdraiato
"Esta é uma sociedade de desempenho, não é de erotismo."
O inefável Murcon, agorinha mesmo na Antena 1.
Amadeo Modigliani, Nudo sdraiato
"Esta é uma sociedade de desempenho, não é de erotismo."
O inefável Murcon, agorinha mesmo na Antena 1.
sábado, outubro 28, 2006
Aprender como se faz uma ligação directa...
... e saltar para dentro do carro das palavras, da música e da generosidade de um génio [posso dizer estas coisas à vontade, primeiro porque são verdade, depois porque já sei que o desnaturado tem mais que fazer do que navegar até ao cantinho desta sua fellow-traveller babada]. Já cá canta, em repeat, pensamento coração admiração e orgulho. Obrigada eu, Sérgio. Que beleza de disco. És o maior, carago! E ainda por cima, tão bem assessorado...
... e saltar para dentro do carro das palavras, da música e da generosidade de um génio [posso dizer estas coisas à vontade, primeiro porque são verdade, depois porque já sei que o desnaturado tem mais que fazer do que navegar até ao cantinho desta sua fellow-traveller babada]. Já cá canta, em repeat, pensamento coração admiração e orgulho. Obrigada eu, Sérgio. Que beleza de disco. És o maior, carago! E ainda por cima, tão bem assessorado...
segunda-feira, outubro 23, 2006
Alguém tem vergastas pá troca?
"Para lá destas excepções, resta você, que tem culpa. Tem culpa de, como contribuinte, ter pago a reabilitação do Rivoli para agora o entregar a um privado que teria dinheiro para o reabilitar sozinho. Tem culpa de, como cidadão, ter acreditado que a privatização da EDP e a liberalização da energia iriam fazer baixar os preços e beneficiar o consumidor final (como lhe disse Durão Barroso, chefe de um governo onde pontificava o hoje escandalizado Marques Mendes, — e você tem culpa de lhes ter dado ouvidos). Tem culpa de, como acusa um certo Joaquim Pina Moura, o mercado da electricidade ainda não estar suficientemente liberalizado. Tem culpa de acreditar que os impostos que paga sirvam para alguma coisa que não seja para esta versão invertida da luta de classes. "
Como diz o Zé Mário, isto aqui a culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, quer dizer, é de todos em geral e de ninguém em particular. Mas, e parafraseando o Rui Tavares, você tem culpa por lhes ter dado ouvidos, por continuar a dar-lhes ouvidos. Para efeitos de cidadania, o Caeiro tem de ir directo para a reciclagem, pois que a única culpa, a mãe de todas as culpas, é não pensar.
"Para lá destas excepções, resta você, que tem culpa. Tem culpa de, como contribuinte, ter pago a reabilitação do Rivoli para agora o entregar a um privado que teria dinheiro para o reabilitar sozinho. Tem culpa de, como cidadão, ter acreditado que a privatização da EDP e a liberalização da energia iriam fazer baixar os preços e beneficiar o consumidor final (como lhe disse Durão Barroso, chefe de um governo onde pontificava o hoje escandalizado Marques Mendes, — e você tem culpa de lhes ter dado ouvidos). Tem culpa de, como acusa um certo Joaquim Pina Moura, o mercado da electricidade ainda não estar suficientemente liberalizado. Tem culpa de acreditar que os impostos que paga sirvam para alguma coisa que não seja para esta versão invertida da luta de classes. "
Como diz o Zé Mário, isto aqui a culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, quer dizer, é de todos em geral e de ninguém em particular. Mas, e parafraseando o Rui Tavares, você tem culpa por lhes ter dado ouvidos, por continuar a dar-lhes ouvidos. Para efeitos de cidadania, o Caeiro tem de ir directo para a reciclagem, pois que a única culpa, a mãe de todas as culpas, é não pensar.
sábado, outubro 21, 2006
Morte ao meio dia
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer
Ruy Belo
aqui dito por Luís Miguel Cintra
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer
Ruy Belo
05 Morte ao meio-d... |
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aqui dito por Luís Miguel Cintra
sexta-feira, outubro 20, 2006
Talvez fosse o que nunca poderia ter sido
Hammamet, Set.2006
"Houvesses ao menos tido consciência de que fomos feitos um para o outro e também tu poderias ter sofrido horrivelmente com a nossa impossibilidade."
...
Pronto. Quando não se sabe dizer, copia-se. Neste caso, um "nanoconto epistolar" de uma terra habitada por um inefável anacoreta.
Hammamet, Set.2006
"Houvesses ao menos tido consciência de que fomos feitos um para o outro e também tu poderias ter sofrido horrivelmente com a nossa impossibilidade."
...
Pronto. Quando não se sabe dizer, copia-se. Neste caso, um "nanoconto epistolar" de uma terra habitada por um inefável anacoreta.
quinta-feira, outubro 19, 2006
Hoje, quinta-feira, concentração de solidariedade com os ocupantes do Rivoli. Em Lisboa, no São Luiz, às 20h.
recebido por SMS
Ocupação pacífica do Rivoli, Rua do Dr. Magalhães Lemos, Porto, 16 de Outubro de 2006
Fotografia de JL
Uma reacção à absurda privatização, mas também ao abjecto autoritarismo que ameaça cidadãos a "sair a bem", sem qualquer respeito por seja o que for que não a prepotência, a ganância e a irresponsabilidade política, cultural e social.
terça-feira, outubro 17, 2006
"Condições adversas dentro do Rivoli
Cerca de 30 pessoas permanecem dentro das instalações em protesto contra a eventual privatização da instituição.
Hoje foi cortada a iluminação e o ar condicionado está no máximo do frio. No entanto, e apesar das condições cada vez mais adversas, o protesto mantém-se."
Baixar o ar condicionado, cortar a luz, fechar as portas, querem vencê-los pela fome, agora, cortando as possibilidades de contacto físico com o exterior. O Rivoli transforma-se em barricada, por surreal que possa parecer. Pode ser que o senhor Rio tenha azar e haja alguns malucos que o ponham em posição de ceder ou levar com a vergonha de agir como um cacique de botas cardadas, pingalim na mão, capachos atrás e guarda armada à frente. Ou até pode ser que tenha sorte e entre para a lista do concurso da RTP.
Cerca de 30 pessoas permanecem dentro das instalações em protesto contra a eventual privatização da instituição.
Hoje foi cortada a iluminação e o ar condicionado está no máximo do frio. No entanto, e apesar das condições cada vez mais adversas, o protesto mantém-se."
Baixar o ar condicionado, cortar a luz, fechar as portas, querem vencê-los pela fome, agora, cortando as possibilidades de contacto físico com o exterior. O Rivoli transforma-se em barricada, por surreal que possa parecer. Pode ser que o senhor Rio tenha azar e haja alguns malucos que o ponham em posição de ceder ou levar com a vergonha de agir como um cacique de botas cardadas, pingalim na mão, capachos atrás e guarda armada à frente. Ou até pode ser que tenha sorte e entre para a lista do concurso da RTP.
Fuck me.
Desço a minha rua calmamente para ir trabalhar e uma meia-dúzia de cro-magnons está postada em fila, ao longo da parede, a gozar o fim da hora do almoço. Felizmente vou ao telefone e não oiço tudo, mas as vozes misturam-se em piropos e os olhos pespegam-se, radiantes de boçalidade. "Olha, desculpa lá, mas não ouvi o que disseste, que está aqui uma cambada de brutamontes a fazer figura de idiota, importas-te de repetir?", e lá o volume se acabrunha um pouco e as larachas vão descaindo.
Só uma frase da minha personagem-fetiche na Letra L, a Jenny Schecter, me ecoou em círculo na mente ao terminar a chamada, já dobrada a esquina: take off all your clothes, write "fuck me" on your chest and go down the street; maybe then you will know what it feels like to be a woman.
Desço a minha rua calmamente para ir trabalhar e uma meia-dúzia de cro-magnons está postada em fila, ao longo da parede, a gozar o fim da hora do almoço. Felizmente vou ao telefone e não oiço tudo, mas as vozes misturam-se em piropos e os olhos pespegam-se, radiantes de boçalidade. "Olha, desculpa lá, mas não ouvi o que disseste, que está aqui uma cambada de brutamontes a fazer figura de idiota, importas-te de repetir?", e lá o volume se acabrunha um pouco e as larachas vão descaindo.
Só uma frase da minha personagem-fetiche na Letra L, a Jenny Schecter, me ecoou em círculo na mente ao terminar a chamada, já dobrada a esquina: take off all your clothes, write "fuck me" on your chest and go down the street; maybe then you will know what it feels like to be a woman.
What?
Medina de Tunes
Setembro de 2006
que ferais-je sans ce monde sans visage
sans questions
où être ne dure qu'un instant où chaque instant
verse dans le vide dans l'oubli d'avoir été
sans cette onde où à la fin
corps et ombre ensemble s'engloutissent
que ferais-je sans ce silence gouffre des murmures
haletant furieux vers le secours vers l'amour
sans ce ciel qui s'élève
sur la poussière de ses lests
que ferais-je je ferais comme hier comme aujourd'hui
regardant par mon hublot si je ne suis pas seul
à errer et à virer loin de toute vie
dans un espace pantin
sans voix parmi les voix
enfermées avec moi
Samuel Beckett, in Poèmes, suivi de
Mirlitonnades
Medina de Tunes
Setembro de 2006
que ferais-je sans ce monde sans visage
sans questions
où être ne dure qu'un instant où chaque instant
verse dans le vide dans l'oubli d'avoir été
sans cette onde où à la fin
corps et ombre ensemble s'engloutissent
que ferais-je sans ce silence gouffre des murmures
haletant furieux vers le secours vers l'amour
sans ce ciel qui s'élève
sur la poussière de ses lests
que ferais-je je ferais comme hier comme aujourd'hui
regardant par mon hublot si je ne suis pas seul
à errer et à virer loin de toute vie
dans un espace pantin
sans voix parmi les voix
enfermées avec moi
Samuel Beckett, in Poèmes, suivi de
Mirlitonnades
segunda-feira, outubro 16, 2006
RESET - Uma performance de teatro musical
Reset é uma reflexão interdisciplinar sobre música, teatro, imagem e espaço, apresentada como uma peça de teatro musical para um actor, seis músicos e vídeo.
Um poema, What would I do without this world?, uma peça de rádio, Cascando, uma peça de teatro, Ohio Impromptu. Cada um com uma combinação de música e teatro. Em cada um uma actividade, um movimento em direcção ao silêncio, que inevitavelmente pára – um momento antes do silêncio. Só para que possa começar de novo. E no entanto, da sombra inconsciente do poema ao nocturno Leitor que aparece sem se anunciar, algo acontece, alguma coisa se transforma…
Pela repetição sentimos a diferença. Através do ciclo percebemos a mudança. E pelos momentos de reinício compreendemos finalmente o processo, o mecanismo, o ritual. De trás para a frente e para trás. Da palavra para a música. Da luz para a escuridão. Da sombra para a sombra.
Na sua essência, os textos de Beckett são sobre eles mesmos, sobre a narração de histórias, o teatro, a comunicação. Ao contar uma história, actuando na peça, identificamo-nos com ela, tornamo-nos o seu tema. Reset é o ritual desta transformação, uma contaminação da realidade com uma ficção aparente, afirmação da performance como a inevitável condição humana.
Ficha Técnica
Música Vasco Mendonça
Texto Samuel Beckett
Encenação Caroline Petrick
Conceito espacial UR Architects: Nikolaas Vande Keere, Regis Verplaetse
Vídeo Sandro Aguilar
Figurinos Lidija Kolowrat
Desenho de luz Alexandre Coelho
Actor Jonathan Weightman
Soprano Joana Manuel
Barítono Rui Baeta
Contratenor Manuel Brás da Costa
Violino Otto Pereira
Clarinete Bruno Graça
Violoncelo Ângela Carneiro
Conceito Vasco Mendonça e UR Architects
Dramaturgia Vasco Mendonça, Caroline Petrick e UR Architects
Co-produção Festival TEMPS D’IMAGES 2006 – Portugal / Duplacena, Culturgest, Muziektheater Transparant (Antuérpia)
Produção executiva VHProduções
Apoio Ministério da Cultura / Instituto das Artes, Ministério da Cultura da Administração Flamenga
Outros apoios Lugar Comum (Clube Português de Artes e Ideias)
Agradecimentos AMEC/Orquestra Metropolitana de Lisboa
Quarta-feira, 18 de Outubro, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest. Espectáculo integrado no Festival Temps d'images. Votos de muita merda na caixa de comentários anexa, por obséquio.
Reset é uma reflexão interdisciplinar sobre música, teatro, imagem e espaço, apresentada como uma peça de teatro musical para um actor, seis músicos e vídeo.
Um poema, What would I do without this world?, uma peça de rádio, Cascando, uma peça de teatro, Ohio Impromptu. Cada um com uma combinação de música e teatro. Em cada um uma actividade, um movimento em direcção ao silêncio, que inevitavelmente pára – um momento antes do silêncio. Só para que possa começar de novo. E no entanto, da sombra inconsciente do poema ao nocturno Leitor que aparece sem se anunciar, algo acontece, alguma coisa se transforma…
Pela repetição sentimos a diferença. Através do ciclo percebemos a mudança. E pelos momentos de reinício compreendemos finalmente o processo, o mecanismo, o ritual. De trás para a frente e para trás. Da palavra para a música. Da luz para a escuridão. Da sombra para a sombra.
Na sua essência, os textos de Beckett são sobre eles mesmos, sobre a narração de histórias, o teatro, a comunicação. Ao contar uma história, actuando na peça, identificamo-nos com ela, tornamo-nos o seu tema. Reset é o ritual desta transformação, uma contaminação da realidade com uma ficção aparente, afirmação da performance como a inevitável condição humana.
Ficha Técnica
Música Vasco Mendonça
Texto Samuel Beckett
Encenação Caroline Petrick
Conceito espacial UR Architects: Nikolaas Vande Keere, Regis Verplaetse
Vídeo Sandro Aguilar
Figurinos Lidija Kolowrat
Desenho de luz Alexandre Coelho
Actor Jonathan Weightman
Soprano Joana Manuel
Barítono Rui Baeta
Contratenor Manuel Brás da Costa
Violino Otto Pereira
Clarinete Bruno Graça
Violoncelo Ângela Carneiro
Conceito Vasco Mendonça e UR Architects
Dramaturgia Vasco Mendonça, Caroline Petrick e UR Architects
Co-produção Festival TEMPS D’IMAGES 2006 – Portugal / Duplacena, Culturgest, Muziektheater Transparant (Antuérpia)
Produção executiva VHProduções
Apoio Ministério da Cultura / Instituto das Artes, Ministério da Cultura da Administração Flamenga
Outros apoios Lugar Comum (Clube Português de Artes e Ideias)
Agradecimentos AMEC/Orquestra Metropolitana de Lisboa
Quarta-feira, 18 de Outubro, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest. Espectáculo integrado no Festival Temps d'images. Votos de muita merda na caixa de comentários anexa, por obséquio.
domingo, outubro 15, 2006
Vem a meus braços!
Marilyn no set de The misfits
fotografia de Eve Arnold
"tenho a maior dificuldade em conviver com a estupidez, com a mentira e com a má fé. eu bem sei que é inevitável, mas custa-me muito. se calhar sou uma inadaptada."
Fernanda Câncio, no Glória Fácil
Marilyn no set de The misfits
fotografia de Eve Arnold
"tenho a maior dificuldade em conviver com a estupidez, com a mentira e com a má fé. eu bem sei que é inevitável, mas custa-me muito. se calhar sou uma inadaptada."
Fernanda Câncio, no Glória Fácil
sábado, outubro 14, 2006
Grande ode ao portuguesinho
Fotografia de Reinaldo Rodrigues
Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!
FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI
Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!
FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui
Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!
FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...
Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te arrulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta desestabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? A-ni-qui-bé-bé, a-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-chula, não é filho?
A one, a two, a one two three
FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, uma tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversivelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal não quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não desestabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autêntico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carago, mas no fim de contas quem é que não colaborava, hã? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, hã? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, hã? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá-ah, venha ver o que isto é-eh, o barulho que vai aqui-ih, o neto a bater na avó-oh, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, hã? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?
FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas o azeite o mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o árbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de polícia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-chula, pop-chula pop-chula, yeah yeah, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, hã? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu hã? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é pequeno-burguês, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desopila o fígado, arreda, t'arrenego Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra. O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.
José Mário Branco, FMI, 1979
...
A quem ficar deprimido com estes posts mais recentes: é tudo uma questão de escolha, nada mais que uma escolha, resultado de todas as escolhas. Enquanto olharmos para o lado e insistirmos que a culpa é do outro, enquanto dissermos que a culpa é nossa mas que remédio senão reproduzir para sobreviver, enquanto não formos gente, este mo[nu]mento esmagador de angústia e entrega será sempre muito mais que um ressoar de emoções velhas de quase trinta anos.
Sou portuguesa, pequena burguesa de origem, filha de pequenos comerciantes, artista de variedades, actriz e cidadã, aprendiza de feiticeiro, tenho ainda os dentes todos. Sou a Joana Manuel, 30 anos, de Lisboa, mais de verdade que de loa, contai com isto de mim, para cantar, para lutar e para o resto. E talvez para emigrar.
Fotografia de Reinaldo Rodrigues
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Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o mortimor do meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!
FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI
Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!
FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui
Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!
FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...
Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te arrulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta desestabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde de nascente? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? A-ni-qui-bé-bé, a-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepuldra' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-chula, não é filho?
A one, a two, a one two three
FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natalia Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, uma tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversivelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal não quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não desestabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autêntico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da pide pá, Tarrafais e o carago, mas no fim de contas quem é que não colaborava, hã? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, hã? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, hã? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá-ah, venha ver o que isto é-eh, o barulho que vai aqui-ih, o neto a bater na avó-oh, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, hã? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?
FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas o azeite o mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o árbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de polícia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-chula, pop-chula pop-chula, yeah yeah, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, hã? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu hã? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é pequeno-burguês, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desopila o fígado, arreda, t'arrenego Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra. O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.
José Mário Branco, FMI, 1979
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A quem ficar deprimido com estes posts mais recentes: é tudo uma questão de escolha, nada mais que uma escolha, resultado de todas as escolhas. Enquanto olharmos para o lado e insistirmos que a culpa é do outro, enquanto dissermos que a culpa é nossa mas que remédio senão reproduzir para sobreviver, enquanto não formos gente, este mo[nu]mento esmagador de angústia e entrega será sempre muito mais que um ressoar de emoções velhas de quase trinta anos.
Sou portuguesa, pequena burguesa de origem, filha de pequenos comerciantes, artista de variedades, actriz e cidadã, aprendiza de feiticeiro, tenho ainda os dentes todos. Sou a Joana Manuel, 30 anos, de Lisboa, mais de verdade que de loa, contai com isto de mim, para cantar, para lutar e para o resto. E talvez para emigrar.
Pequena ode ao portuguesinho
A ti todos te pisam em cima, quando andas a pé. Todos limpam os pés em ti e te gritam e te tiram direitos e esperam tudo sem dar nada, esperam tudo menos uma resposta, tudo menos uma coluna vertebral, tudo menos dignidade. E tu dás o que eles querem, quando andas a pé.
Mas quando vais ao volante, a ti ninguém te passa a perna, não é filho? És o maior e os outros hão-de ficar a saber quem manda aqui.
A ti todos te pisam em cima, quando andas a pé. Todos limpam os pés em ti e te gritam e te tiram direitos e esperam tudo sem dar nada, esperam tudo menos uma resposta, tudo menos uma coluna vertebral, tudo menos dignidade. E tu dás o que eles querem, quando andas a pé.
Mas quando vais ao volante, a ti ninguém te passa a perna, não é filho? És o maior e os outros hão-de ficar a saber quem manda aqui.
Doença estatal
"A homofobia não é um mero sentimento subjectivo, uma questão de psicologia, ou uma prática de gente doida ou malévola, ultrapassável por bem-intencionados programas educativos ou pela repressão dos actos homófobos; é, antes disso, uma estrutura de desigualdade assente na exacerbação duma diferença. É a diferença tornada ontologia e vertida em Lei consagradora de desigualdade. O primeiro passo para a desmontar é tirar a desigualdade da lei."
Assim termina o Miguel mais um texto certeiro. Daqueles que em Portugal vão direitinhos para o saco das reflexões que se podem adiar. A malta que espere pela cidadania completa. Até que venha um governo socialista. Sim, porque a esperança é a última a morrer.
"A homofobia não é um mero sentimento subjectivo, uma questão de psicologia, ou uma prática de gente doida ou malévola, ultrapassável por bem-intencionados programas educativos ou pela repressão dos actos homófobos; é, antes disso, uma estrutura de desigualdade assente na exacerbação duma diferença. É a diferença tornada ontologia e vertida em Lei consagradora de desigualdade. O primeiro passo para a desmontar é tirar a desigualdade da lei."
Assim termina o Miguel mais um texto certeiro. Daqueles que em Portugal vão direitinhos para o saco das reflexões que se podem adiar. A malta que espere pela cidadania completa. Até que venha um governo socialista. Sim, porque a esperança é a última a morrer.
quinta-feira, outubro 12, 2006
A tristeza de não ser dromedário
Neste país onde a tempestade de areia é perene - e ataca os olhos, os ouvidos, o cérebro e até o coração -, há dias como hoje, em que me sinto particularmente identificada com este melancólico cão.
Douz, as portas do deserto, 10 de Setembro de 2006
Mas por mais que doa, tenho gosto em tirar os olhos do chão.
Que fique bem claro que o país a que me refiro não é a Tunísia, mas Portugal, que lá vai conseguindo ser um bocadito melhor. Mas se se distrai muito...
Neste país onde a tempestade de areia é perene - e ataca os olhos, os ouvidos, o cérebro e até o coração -, há dias como hoje, em que me sinto particularmente identificada com este melancólico cão.
Douz, as portas do deserto, 10 de Setembro de 2006
Mas por mais que doa, tenho gosto em tirar os olhos do chão.
Que fique bem claro que o país a que me refiro não é a Tunísia, mas Portugal, que lá vai conseguindo ser um bocadito melhor. Mas se se distrai muito...
quarta-feira, outubro 11, 2006
Grandes portugueses na RTP: alguns Antónios.
Nem sei que mais diga acerca destes tempos que fedem... Dúvida? Polémica? Desenvolvimento económico, ainda que controlado?! Separação entre a igreja e o estado???!!!!! Tudo isto na televisão pública e não entre velhotes bêbados numa qualquer tasca de província?
A dúvida afunda-se, torturadora: será que este país vale a pena?...
... impõe-se a necessidade de um impiedoso e alargado "Respondário" a níbel nacional, não achas, caro JL?
Nem sei que mais diga acerca destes tempos que fedem... Dúvida? Polémica? Desenvolvimento económico, ainda que controlado?! Separação entre a igreja e o estado???!!!!! Tudo isto na televisão pública e não entre velhotes bêbados numa qualquer tasca de província?
A dúvida afunda-se, torturadora: será que este país vale a pena?...
... impõe-se a necessidade de um impiedoso e alargado "Respondário" a níbel nacional, não achas, caro JL?
segunda-feira, outubro 09, 2006
Respeitinho, não é filho? Respeitinho é muito bonito.
"Em democracia, um dos principais deveres dos políticos é terem respeito."
Disse José Sócrates, na Madeira. Pois. Respeito foi a primeira palavra que me veio à cabeça quando li a 1.ª página do DN.
Crimes de colarinho branco sem prisão preventiva.
Tráfico de influências e corrupção, entre outros crimes, têm novas regras com o Pacto de Justiça [PS/PSD]
Adenda: naturalmente, estou encantada por finalmente andarem a lixar o Jardim - ou antes, a resgatar a Madeira... ou a resgatar-nos da Madeira.]
"Em democracia, um dos principais deveres dos políticos é terem respeito."
Disse José Sócrates, na Madeira. Pois. Respeito foi a primeira palavra que me veio à cabeça quando li a 1.ª página do DN.
Crimes de colarinho branco sem prisão preventiva.
Tráfico de influências e corrupção, entre outros crimes, têm novas regras com o Pacto de Justiça [PS/PSD]
Adenda: naturalmente, estou encantada por finalmente andarem a lixar o Jardim - ou antes, a resgatar a Madeira... ou a resgatar-nos da Madeira.]
sábado, outubro 07, 2006
O mais puro plástico do Sahara, por um dinar.
para o Nic
Por um dinar, um olhar para a câmara. O sorriso, esse, não está à venda. Perdeu-se algures, entre dois grãos de areia.
Por um dinar, um olhar para a câmara. O sorriso, esse, não está à venda. Perdeu-se algures, entre dois grãos de areia.
Tenho de me lembrar de não me esquecer disto.
(...) and to those whom I disappointed, I hope your action will make up for your disappointment in me…
Anousheh Ansari, no penúltimo post do seu Space Blog. A viagem acabou, com o segundo nascimento. Mas as palavras e o coração continuam lá, a gravidade zero.
(...) and to those whom I disappointed, I hope your action will make up for your disappointment in me…
Anousheh Ansari, no penúltimo post do seu Space Blog. A viagem acabou, com o segundo nascimento. Mas as palavras e o coração continuam lá, a gravidade zero.
quarta-feira, outubro 04, 2006
Disse o senhor Coissoró...
... qualquer coisa como, "isso da hipocrisia é aquela história da rica vai para Londres e a pobre vai para o vão de escada; não é esse o problema."
Disse, na SIC Notícias, com serena arrogância. É que essa é, senhor Coissoró, uma grande, enorme parte do problema, e só a mais absoluta falta de solidariedade humana pode explicar que profira tamanha barbaridade. O senhor diz-se democrata-qualquer-coisa, mas agora não me lembro do que era.
E depois dizem que a luta de classes já era. Pois sim.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
... qualquer coisa como, "isso da hipocrisia é aquela história da rica vai para Londres e a pobre vai para o vão de escada; não é esse o problema."
Disse, na SIC Notícias, com serena arrogância. É que essa é, senhor Coissoró, uma grande, enorme parte do problema, e só a mais absoluta falta de solidariedade humana pode explicar que profira tamanha barbaridade. O senhor diz-se democrata-qualquer-coisa, mas agora não me lembro do que era.
E depois dizem que a luta de classes já era. Pois sim.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
terça-feira, outubro 03, 2006
O número do dia [post integral e desavergonhadamente roubado ao Max]
10511
...mulheres foram, em 2005, internadas no SNS em resultado de problemas relacionados com abortos. No entanto, no mesmo ano, apenas foram efectuados 906 abortos legais.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
10511
...mulheres foram, em 2005, internadas no SNS em resultado de problemas relacionados com abortos. No entanto, no mesmo ano, apenas foram efectuados 906 abortos legais.
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM.
segunda-feira, outubro 02, 2006
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM
O Cardeal Patriarca diz aos católicos que a resposta ao referendo sobre a legalização da IVG não tem a ver com liberdade pessoal, mas com o direito à vida do feto. E apela a que, em caso de dúvida, se abstenham de votar - quem sabe, com sorte, não se repete a vergonha que foi o primeiro referendo.
Pois eu quero aproveitar a engenhosa fórmula. A mulher, católica ou não, religiosa ou não, é um ser composto de corpo e espírito [ou inteligência, ou mente, ou o que lhe queiram chamar]. Indivíduo racional e autónomo, cidadão de pleno direito, tem o inalienável direito ao seu corpo. Cada facção social/moral tem a sua opinião no que respeita ao início da vida humana, sendo que a ciência pode determinar a formação de um sistema nervoso central entre as 12 e as 24 semanas - e pretende-se legalizar a IVG até ao início deste período. Ora, a proibição não poderá deixar de ser, nunca, a imposição de uma visão moral à outra, suplantando a ciência com teologia, no corpo legal de um estado laico. A proibição só pode ser a consagração legal de uma moral absolutamente relativa de uma parte [ainda por cima, cada vez menor] da sociedade, atropelando o direito de decisão de uma cidadã sobre o seu próprio corpo, a sua individualidade, o seu futuro, isto num estado que é, segundo ainda se diz, democrático.
Apenas a legalização permite: acabar com o pesadelo que é o aborto clandestino; acabar com os vergonhosos julgamentos de mulheres que já passaram pela dolorosa experiência da decisão e da intervenção clínica; deixar que cada uma decida em liberdade o que quer para si, o que considera moral, o que faz do seu corpo. Como qualquer sociedade democrática se devia orgulhar de permitir.
Disto se deduz que só a mais fundamentalista crença no que defende o senhor Policarpo - e outros que tais -, tão cega que não concebe outra forma de viver senão impondo ao útero alheio a sua concepção da vida e do mundo, pode justificar um voto no não. Só a mais absoluta certeza de que se tem razão pode justificar um não. Por isso, é preciso lembrar:
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM
O Cardeal Patriarca diz aos católicos que a resposta ao referendo sobre a legalização da IVG não tem a ver com liberdade pessoal, mas com o direito à vida do feto. E apela a que, em caso de dúvida, se abstenham de votar - quem sabe, com sorte, não se repete a vergonha que foi o primeiro referendo.
Pois eu quero aproveitar a engenhosa fórmula. A mulher, católica ou não, religiosa ou não, é um ser composto de corpo e espírito [ou inteligência, ou mente, ou o que lhe queiram chamar]. Indivíduo racional e autónomo, cidadão de pleno direito, tem o inalienável direito ao seu corpo. Cada facção social/moral tem a sua opinião no que respeita ao início da vida humana, sendo que a ciência pode determinar a formação de um sistema nervoso central entre as 12 e as 24 semanas - e pretende-se legalizar a IVG até ao início deste período. Ora, a proibição não poderá deixar de ser, nunca, a imposição de uma visão moral à outra, suplantando a ciência com teologia, no corpo legal de um estado laico. A proibição só pode ser a consagração legal de uma moral absolutamente relativa de uma parte [ainda por cima, cada vez menor] da sociedade, atropelando o direito de decisão de uma cidadã sobre o seu próprio corpo, a sua individualidade, o seu futuro, isto num estado que é, segundo ainda se diz, democrático.
Apenas a legalização permite: acabar com o pesadelo que é o aborto clandestino; acabar com os vergonhosos julgamentos de mulheres que já passaram pela dolorosa experiência da decisão e da intervenção clínica; deixar que cada uma decida em liberdade o que quer para si, o que considera moral, o que faz do seu corpo. Como qualquer sociedade democrática se devia orgulhar de permitir.
Disto se deduz que só a mais fundamentalista crença no que defende o senhor Policarpo - e outros que tais -, tão cega que não concebe outra forma de viver senão impondo ao útero alheio a sua concepção da vida e do mundo, pode justificar um voto no não. Só a mais absoluta certeza de que se tem razão pode justificar um não. Por isso, é preciso lembrar:
IVG: Em caso de dúvida, vote SIM
domingo, outubro 01, 2006
Na maré alta
Ong Jemel ["o pescoço do camelo"], deserto tunisino
Setembro de 2006
La route chante
Quand je m’en vais
Je fais trois pas…
La route se tait
La route est noire
À perte de vue
Je fais trois pas…
La route n’est plus
Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez
Mains de dentelle
Figure de bois
Le corps en brique
Les yeux qui piquent
Mains de dentelle
Figure de bois
Je fais trois pas…
Et tu es là
Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez
Lhasa de Sela, in The Living Road
Ong Jemel ["o pescoço do camelo"], deserto tunisino
Setembro de 2006
02 La marée haute.... |
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La route chante
Quand je m’en vais
Je fais trois pas…
La route se tait
La route est noire
À perte de vue
Je fais trois pas…
La route n’est plus
Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez
Mains de dentelle
Figure de bois
Le corps en brique
Les yeux qui piquent
Mains de dentelle
Figure de bois
Je fais trois pas…
Et tu es là
Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez
Lhasa de Sela, in The Living Road
Frika Dahlo
Outubro de 2006
O Chaplin escolheu outra casa, onde vive feliz e contente. Entretanto, no próprio dia do regresso a Portugal, cai-me de paraquedas na vida este gremlin. Enfim, três semanas de alegria. Bright light, bright light!!! Aaaaaaaahhhhhhrrrggghhhhh!
... estou completamente derretida, that goes without saying.
Outubro de 2006
O Chaplin escolheu outra casa, onde vive feliz e contente. Entretanto, no próprio dia do regresso a Portugal, cai-me de paraquedas na vida este gremlin. Enfim, três semanas de alegria. Bright light, bright light!!! Aaaaaaaahhhhhhrrrggghhhhh!
... estou completamente derretida, that goes without saying.
domingo, setembro 24, 2006
P'a rir[e]
Cartoon de Mike Lester para o Rome News - Tribune
visto no Devaneios
Há filmes em que a inocência não existe.
Cartoon de Mike Lester para o Rome News - Tribune
visto no Devaneios
Há filmes em que a inocência não existe.
sábado, setembro 23, 2006
Tarde e más horas
A ler atentamente, o texto de Nuno Ramos de Almeida no novíssimo - e bem aparecido - Cinco Dias. Porque a noção de terror varia muito na cartilha do grande ocidente. Cá vai uma citazãozita, para abrir o apetite:
"Numa altura em que os sites mais insuspeitos promovem um abaixo-assinado de condenação da visita das FARC à Festa do Avante e de solidariedade com o governo da Colômbia, talvez seja interessante dizer que o moralmente surpreendente não é que o PCP tenha relações com as FARC, mas que a democracia portuguesa aceite albergar um representante do regime colombiano."
Ou como tão bem diz o SG, "ó meus caros, vamos lá por os pontos nos is."
A ler atentamente, o texto de Nuno Ramos de Almeida no novíssimo - e bem aparecido - Cinco Dias. Porque a noção de terror varia muito na cartilha do grande ocidente. Cá vai uma citazãozita, para abrir o apetite:
"Numa altura em que os sites mais insuspeitos promovem um abaixo-assinado de condenação da visita das FARC à Festa do Avante e de solidariedade com o governo da Colômbia, talvez seja interessante dizer que o moralmente surpreendente não é que o PCP tenha relações com as FARC, mas que a democracia portuguesa aceite albergar um representante do regime colombiano."
Ou como tão bem diz o SG, "ó meus caros, vamos lá por os pontos nos is."
sexta-feira, setembro 22, 2006
A medida certa - adenda roubada ao Post Secret
Que estrela de cinema ou das passarelas será a culpada?
Mas, por outro lado, os estereótipos, quando nascem, não são para tod@s.
Que estrela de cinema ou das passarelas será a culpada?
Mas, por outro lado, os estereótipos, quando nascem, não são para tod@s.
quinta-feira, setembro 21, 2006
terça-feira, setembro 19, 2006
Trinta e dois anos de democracia...
Estava eu e um amigo a sair dos armazéns do Chiado, ali mesmo na Rua Garrett, quando um Skin (vindo de um grupo maior que estava no interior do centro e que não nos apercebemos que nos tinham seguido), nos aborda. Faz chocar a cabeça do meu amigo contra a minha e, perante a minha estupefacção, dá-me um soco na cara, atira-me um objecto que não identifiquei contra a cabeça e dá-me uma patada. Isto enquanto outros dois agridem o meu amigo. Chamando-nos paneleiros, claro. Em pleno fim de tarde de Domingo (essas 19:40), com o vigilante dos armazéns a ver e toda a gente da rua impávida e serena!
Quem quiser pedir satisfações aos Armazéns do Chiado, cujo Segurança assistiu a tudo serenamente, pode fazê-lo aqui ou por e-mail. E quem quiser interpelar o senhor Manuel António dos Santos, pode aceder aqui. Eu não tenho mais nada a acrescentar.
Estava eu e um amigo a sair dos armazéns do Chiado, ali mesmo na Rua Garrett, quando um Skin (vindo de um grupo maior que estava no interior do centro e que não nos apercebemos que nos tinham seguido), nos aborda. Faz chocar a cabeça do meu amigo contra a minha e, perante a minha estupefacção, dá-me um soco na cara, atira-me um objecto que não identifiquei contra a cabeça e dá-me uma patada. Isto enquanto outros dois agridem o meu amigo. Chamando-nos paneleiros, claro. Em pleno fim de tarde de Domingo (essas 19:40), com o vigilante dos armazéns a ver e toda a gente da rua impávida e serena!
Quem quiser pedir satisfações aos Armazéns do Chiado, cujo Segurança assistiu a tudo serenamente, pode fazê-lo aqui ou por e-mail. E quem quiser interpelar o senhor Manuel António dos Santos, pode aceder aqui. Eu não tenho mais nada a acrescentar.
Ora, nem mais!
Eu só voltarei a levar Pacheco Pereira a sério no dia em que ele próprio use um badge que diga, "Estúpido sou eu, que acreditei nas armas de destruição maciça".
Quem mais senão o Boss, pois com certeza, para se sair com uma frase tão certeira?
Eu só voltarei a levar Pacheco Pereira a sério no dia em que ele próprio use um badge que diga, "Estúpido sou eu, que acreditei nas armas de destruição maciça".
Quem mais senão o Boss, pois com certeza, para se sair com uma frase tão certeira?
A medida certa
"As meninas sonham parecer-se com as modelos das passarelas. Quando essas modelos estão abaixo do peso normal de uma forma doentia, isso pressiona as jovens a passarem fome para ter um aspecto semelhante."
É este género de argumento - neste caso da ministra da Cultura do Reino Unido, que parece querer apressar-se a seguir esta peregrina novidade espanhola - que me deixa possessa. Infelizmente não consegui encontrar na edição on line a coluna do psicólogo convidado a opinar sobre o assunto - e agora não me lembro do nome do senhor. Pois, seja como for que se chame, quero agradecer-lhe do fundo do coração. Pois hoje, através das respostas que deu ao DN, fiquei a saber pelo jornal que não menstruo [até me tinha dado jeito para o deserto, mas não, lá tive de comprar as serviettes Lilás, quase da espessura dos velhos Modess] e que não posso ter uma vida normal e saudável. É verdade, senhores, choque dos choques, eu confesso: o meu Índice de Massa Corporal é inferior a 18, o valor que pelos vistos é o mínimo legal. Mas tenho de ler estas barbaridades pelo jornal. Como vejo o que se passa à minha volta, como sei o que custa crescer mulher neste mundo e tenho de ouvir e ler que a culpa dos distúrbios alimentares é das manequins, tantas das quais, como eu, são magras naturalmente e até se esforçam para engordar. E a culpa da auto-mutilação, deve ser uma herança árabe, por cada falta um corte na carne. E a culpa do suicídio deve ser do Sid Vicious, do Ian Curtis, do Sá Carneiro, do Camilo, do Sócrates! E a culpa querer parecer normal e limpo quando por dentro os novelos se acumulam por baixo das camas e o pó dos não-ditos cobre cada milímetro, é da Yoko. E a culpa de gostar de não ser nada mas parecer tudo, ser famoso por ser famoso, essa, é dos Morangos. Ou do Andy Warhol.
Será que ninguém acha estranho que quando se estuda a fundo o problema se chegue à conclusão de que a maior parte das anoréticas são as melhores alunas da turma ou da escola, que são inteligentes, articuladas, daquelas miúdas de quem toda a gente acha que têm imenso potencial, sei lá? Acham mesmo que esse perfil se coaduna com o lento suicídio pela fome para se ficar igual a uma tipa que anda para trás e para a frente em cima de um arremedo de palco? Mas será que só eu é que conheço mulheres e homens estupidamente magros e com um apetite normal e mesmo superior ao normal, sem que isso seja sinónimo de qualquer distúrbio? Será que só eu tenho o azar de ser assim num país onde as curvas são tudo e meio mundo gosta de dizer com ar compungido, Ai, mas estás tãããão magrinha!? Mas está tudo grosso, ou quê?!
Uma vez li, precisamente na Vogue, uma frase que me fez bem. Era qualquer coisa como: "as manequins como Twiggy e Kate Moss vieram alargar o padrão de beleza feminina, fazendo reconhecer a sensualidade e a beleza física das mulheres mais magras e menos voluptuosas." Esta coisa óbvia é demasiado difícil de compreender pelos guardiões do asseio sócio-mental que arrotam sentenças com tanta facilidade. Ao senhor doutor que tem tantas certezas da amenorreia, infertilidade, disfunção generalizada e morte de qualquer mulher magra tenho umas coisinhas só a dizer: a Twiggy, a última vez que a vi [há já uns anos, num filme ranhoso qualquer], era uma gloriosa e enxuta quarentona, e não asseguro, mas acho que até deixa descendência biológica; a minha mãe, duas vezes mãe, deu-me uma saia que vestia com a minha idade e onde eu não caibo nem em apneia prolongada; uma das minhas melhores amigas, antiga bulímica e anorética [a ponto de ter mesmo perdido a menstruação] é hoje mãe de um maravilhoso e saudável rapaz - e sei que não foi por querer parecer a Kate Moss que adoeceu, antes tivesse sido, seria um problema bem menor do que os que ela tinha. Mas novamente, obrigada pela informação. Da próxima vez que for às compras, escuso de gastar dinheiro em tampões, e com a crise que está, sempre poupo uns cobres. Santa paciência...
Vejo-me, portanto, obrigada a citar a minha tão abominada fur lover, Fátima Lopes, que é muito terra-a-terra no que toca a este assunto. Cá vai, e aproveitem, que isto é uma vez sem exemplo:
A estilista e directora da agência Face Models, Fátima Lopes, considerou a medida "ofensiva, discriminatória e ridícula". Para a estilista, a decisão mais não faz do que "transformar a moda um bode expiatório" de uma doença com causas "muito mais profundas". Além disso, considera que há mulheres "naturalmente magras mas que não estão doentes e que vão ser discriminadas por uma regra ridícula." Qualquer dia, acrescenta, "as manequins também não podem ser bonitas porque senão as feias ficam perturbadas."
Em Portugal, explica a directora da Face, "as manequins não são muito magras e, por isso, uma medida dessas não teria muitas consequências". Já em Paris, Milão e Nova Iorque, "teria graça assistir a uma decisão dessas". Fátima Lopes ri-se: "Estamos a falar de manequins naturalmente magras! Ficavam todas de fora!"
Crescer mulher é uma aventura terrífica. Cheia de descobertas, de medos, de assaltos armados, de coragem, de humilhação, de maturação. A comida é um dos aspectos em que os problemas se manifestam, e realmente a anorexia e a bulimia são verdadeiras epidemias que não devem ser encaradas levemente. Mas os problemas não estão na capa da Vogue. Haja decoro, senhores, que só os parvos entram na barca e é quase certo que esta gente há-de ir toda para o inferno.
"As meninas sonham parecer-se com as modelos das passarelas. Quando essas modelos estão abaixo do peso normal de uma forma doentia, isso pressiona as jovens a passarem fome para ter um aspecto semelhante."
É este género de argumento - neste caso da ministra da Cultura do Reino Unido, que parece querer apressar-se a seguir esta peregrina novidade espanhola - que me deixa possessa. Infelizmente não consegui encontrar na edição on line a coluna do psicólogo convidado a opinar sobre o assunto - e agora não me lembro do nome do senhor. Pois, seja como for que se chame, quero agradecer-lhe do fundo do coração. Pois hoje, através das respostas que deu ao DN, fiquei a saber pelo jornal que não menstruo [até me tinha dado jeito para o deserto, mas não, lá tive de comprar as serviettes Lilás, quase da espessura dos velhos Modess] e que não posso ter uma vida normal e saudável. É verdade, senhores, choque dos choques, eu confesso: o meu Índice de Massa Corporal é inferior a 18, o valor que pelos vistos é o mínimo legal. Mas tenho de ler estas barbaridades pelo jornal. Como vejo o que se passa à minha volta, como sei o que custa crescer mulher neste mundo e tenho de ouvir e ler que a culpa dos distúrbios alimentares é das manequins, tantas das quais, como eu, são magras naturalmente e até se esforçam para engordar. E a culpa da auto-mutilação, deve ser uma herança árabe, por cada falta um corte na carne. E a culpa do suicídio deve ser do Sid Vicious, do Ian Curtis, do Sá Carneiro, do Camilo, do Sócrates! E a culpa querer parecer normal e limpo quando por dentro os novelos se acumulam por baixo das camas e o pó dos não-ditos cobre cada milímetro, é da Yoko. E a culpa de gostar de não ser nada mas parecer tudo, ser famoso por ser famoso, essa, é dos Morangos. Ou do Andy Warhol.
Será que ninguém acha estranho que quando se estuda a fundo o problema se chegue à conclusão de que a maior parte das anoréticas são as melhores alunas da turma ou da escola, que são inteligentes, articuladas, daquelas miúdas de quem toda a gente acha que têm imenso potencial, sei lá? Acham mesmo que esse perfil se coaduna com o lento suicídio pela fome para se ficar igual a uma tipa que anda para trás e para a frente em cima de um arremedo de palco? Mas será que só eu é que conheço mulheres e homens estupidamente magros e com um apetite normal e mesmo superior ao normal, sem que isso seja sinónimo de qualquer distúrbio? Será que só eu tenho o azar de ser assim num país onde as curvas são tudo e meio mundo gosta de dizer com ar compungido, Ai, mas estás tãããão magrinha!? Mas está tudo grosso, ou quê?!
Uma vez li, precisamente na Vogue, uma frase que me fez bem. Era qualquer coisa como: "as manequins como Twiggy e Kate Moss vieram alargar o padrão de beleza feminina, fazendo reconhecer a sensualidade e a beleza física das mulheres mais magras e menos voluptuosas." Esta coisa óbvia é demasiado difícil de compreender pelos guardiões do asseio sócio-mental que arrotam sentenças com tanta facilidade. Ao senhor doutor que tem tantas certezas da amenorreia, infertilidade, disfunção generalizada e morte de qualquer mulher magra tenho umas coisinhas só a dizer: a Twiggy, a última vez que a vi [há já uns anos, num filme ranhoso qualquer], era uma gloriosa e enxuta quarentona, e não asseguro, mas acho que até deixa descendência biológica; a minha mãe, duas vezes mãe, deu-me uma saia que vestia com a minha idade e onde eu não caibo nem em apneia prolongada; uma das minhas melhores amigas, antiga bulímica e anorética [a ponto de ter mesmo perdido a menstruação] é hoje mãe de um maravilhoso e saudável rapaz - e sei que não foi por querer parecer a Kate Moss que adoeceu, antes tivesse sido, seria um problema bem menor do que os que ela tinha. Mas novamente, obrigada pela informação. Da próxima vez que for às compras, escuso de gastar dinheiro em tampões, e com a crise que está, sempre poupo uns cobres. Santa paciência...
Vejo-me, portanto, obrigada a citar a minha tão abominada fur lover, Fátima Lopes, que é muito terra-a-terra no que toca a este assunto. Cá vai, e aproveitem, que isto é uma vez sem exemplo:
A estilista e directora da agência Face Models, Fátima Lopes, considerou a medida "ofensiva, discriminatória e ridícula". Para a estilista, a decisão mais não faz do que "transformar a moda um bode expiatório" de uma doença com causas "muito mais profundas". Além disso, considera que há mulheres "naturalmente magras mas que não estão doentes e que vão ser discriminadas por uma regra ridícula." Qualquer dia, acrescenta, "as manequins também não podem ser bonitas porque senão as feias ficam perturbadas."
Em Portugal, explica a directora da Face, "as manequins não são muito magras e, por isso, uma medida dessas não teria muitas consequências". Já em Paris, Milão e Nova Iorque, "teria graça assistir a uma decisão dessas". Fátima Lopes ri-se: "Estamos a falar de manequins naturalmente magras! Ficavam todas de fora!"
Crescer mulher é uma aventura terrífica. Cheia de descobertas, de medos, de assaltos armados, de coragem, de humilhação, de maturação. A comida é um dos aspectos em que os problemas se manifestam, e realmente a anorexia e a bulimia são verdadeiras epidemias que não devem ser encaradas levemente. Mas os problemas não estão na capa da Vogue. Haja decoro, senhores, que só os parvos entram na barca e é quase certo que esta gente há-de ir toda para o inferno.
Ainda não ganhei dinheiro nenhum com esta treta dos anúncios do Google. Mas uma coisa é certa, de cada vez que faço um refresh tenho uma barrigada de riso. Esta última é de aproveitar, a mil, é a mil, ó fregueses! Seminário de Teologia; Formação de Pastor, Diploma e Credencial de Pastor reconhecido. Ensina-se como apelar ao diálogo ofendendo a mãe - ou neste caso, o pai - do oponente, dizer que se quer a paz por meio de vocabulário de guerra, abafar casos de pedofilia e puxar dos galões para escapar à justiça, escolher um chapéu ou combinar o sapato Prada com o cinto da sotaina. Ah não, espera, este também é pastor, mas o cajado é outro...
Seja como for, parece-me a oportunidade de uma vida... melhor que aqueles cursos de corte e costura por correspondência que costumavam chegar à caixa do correio quando eu era miúda e me faziam sonhar com a independência na ponta de uma tesoura - ainda por cima, as senhoras das fotos tinham todas um ar tão feliz, de quem tinha encontrado o sentido da vida. Eu também encontrei. Descobri que o ponto é em viés. E rebenta pelas costuras com uma facilidade que desaconselha garantias.
Seja como for, parece-me a oportunidade de uma vida... melhor que aqueles cursos de corte e costura por correspondência que costumavam chegar à caixa do correio quando eu era miúda e me faziam sonhar com a independência na ponta de uma tesoura - ainda por cima, as senhoras das fotos tinham todas um ar tão feliz, de quem tinha encontrado o sentido da vida. Eu também encontrei. Descobri que o ponto é em viés. E rebenta pelas costuras com uma facilidade que desaconselha garantias.
segunda-feira, setembro 18, 2006
Mercado das cores
Nabeul, 8 de Setembro de 2006
A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial
Caetano Veloso,Trem das Cores
Nabeul, 8 de Setembro de 2006
A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial
Caetano Veloso,Trem das Cores
sábado, setembro 16, 2006
Agnóstica, graças a dEus.
Grandes altercações - sim, porque em geral não é de debates que se trata -, se têm multiplicado, pela blogoesfera e não só, acerca das teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro de 2001. Vejo gente a afirmar coisas a pés juntos de um e de outro lado, com o espírito combativo com que se defende um clube de futebol ou a banda filarmónica do bairro. Ultimamente, as vedetas são estes rapazes, que fizeram um documentário caseiro muito bem construído, honra lhes seja feita, e que a RTP2 passou há um dia ou dois. Provavelmente têm uma bela imaginação, prazer na dedução e gostam de sentir que não andam em rebanho, o que já não é pouco. Não acredito no filme, apenas permito que este me levante questões - entretanto, pelo menos, pensa-se sobre coisas que as teses oficiais fazem por ignorar. Nada de novo. Não começou com Bush, não acabará com Bush, nem tão pouco começou ou terminará na América. No entanto a escala alarga-se cada vez mais, assim como as mais diversas manipulações, e é imenso o poder que está em jogo no jogo da informação - ou do seu oposto.
Mas penso que defender inabalavelmente as teses oficiais sem cheirar o esturro das fracas investigações, das histórias mal-contadas, do lucro incalculável - material e ideológico - que a destruição do World Trade Center trouxe aos terroristas de um e outro lado, é tão ou mais ingénuo do que acreditar em documentários caseiros. Mais do que teorias de conspiração sobre implosões provocadas, aviões trocados, telefonemas falsos e suicidas que afinal estão vivos, intrigam-me as relações escuras entre os poderes mundiais, não necessariamente entre os títeres, mas entre os marioneteiros. E aos que se fiam nas qualidades humanas dos governantes - ah, não, não seriam capazes de sacrificar o seu próprio povo, por muitos e inconfessáveis interesses que tivessem [e que povo?, todo o Mundo trabalhava e passava pelo WTC todos os dias] - só digo que essa é a parte que menos me custa a crer. Mercê talvez da minha educação familiar marxista, habituei-me a considerar - e mantenho - que "o capitalismo não tem pátria". E creio, muito sinceramente, que é má ideia, e cegueira, esquecer esse pormenor.
Casa da Música, Porto
Foto de JL
O onze de Setembro é uma data duplamente negra. Santiago do Chile em 1973 - as vítimas de hoje são os terroristas de ontem, num ciclo interminável de onde ninguém quer sair [seria preciso arrumar os cachecóis das claques e abdicar de infinitas ambições] - e Nova Iorque em 2001. Aos que morreram num e noutro, bem como nas consequências intermináveis de cada um, devemos um pedido de perdão: por nada querermos aprender com o seu estúpido sacrifício.
Grandes altercações - sim, porque em geral não é de debates que se trata -, se têm multiplicado, pela blogoesfera e não só, acerca das teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro de 2001. Vejo gente a afirmar coisas a pés juntos de um e de outro lado, com o espírito combativo com que se defende um clube de futebol ou a banda filarmónica do bairro. Ultimamente, as vedetas são estes rapazes, que fizeram um documentário caseiro muito bem construído, honra lhes seja feita, e que a RTP2 passou há um dia ou dois. Provavelmente têm uma bela imaginação, prazer na dedução e gostam de sentir que não andam em rebanho, o que já não é pouco. Não acredito no filme, apenas permito que este me levante questões - entretanto, pelo menos, pensa-se sobre coisas que as teses oficiais fazem por ignorar. Nada de novo. Não começou com Bush, não acabará com Bush, nem tão pouco começou ou terminará na América. No entanto a escala alarga-se cada vez mais, assim como as mais diversas manipulações, e é imenso o poder que está em jogo no jogo da informação - ou do seu oposto.
Mas penso que defender inabalavelmente as teses oficiais sem cheirar o esturro das fracas investigações, das histórias mal-contadas, do lucro incalculável - material e ideológico - que a destruição do World Trade Center trouxe aos terroristas de um e outro lado, é tão ou mais ingénuo do que acreditar em documentários caseiros. Mais do que teorias de conspiração sobre implosões provocadas, aviões trocados, telefonemas falsos e suicidas que afinal estão vivos, intrigam-me as relações escuras entre os poderes mundiais, não necessariamente entre os títeres, mas entre os marioneteiros. E aos que se fiam nas qualidades humanas dos governantes - ah, não, não seriam capazes de sacrificar o seu próprio povo, por muitos e inconfessáveis interesses que tivessem [e que povo?, todo o Mundo trabalhava e passava pelo WTC todos os dias] - só digo que essa é a parte que menos me custa a crer. Mercê talvez da minha educação familiar marxista, habituei-me a considerar - e mantenho - que "o capitalismo não tem pátria". E creio, muito sinceramente, que é má ideia, e cegueira, esquecer esse pormenor.
Casa da Música, Porto
Foto de JL
O onze de Setembro é uma data duplamente negra. Santiago do Chile em 1973 - as vítimas de hoje são os terroristas de ontem, num ciclo interminável de onde ninguém quer sair [seria preciso arrumar os cachecóis das claques e abdicar de infinitas ambições] - e Nova Iorque em 2001. Aos que morreram num e noutro, bem como nas consequências intermináveis de cada um, devemos um pedido de perdão: por nada querermos aprender com o seu estúpido sacrifício.
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