sábado, outubro 21, 2006

Morte ao meio dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo


05 Morte ao meio-dia - Ruy Belo
05 Morte ao meio-d...
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aqui dito por Luís Miguel Cintra

7 comentários:

Marlene disse...

Estou a ler com calma. Mas estou a gostar muito... :)

K. disse...

Já me sinto tão longe desse país...

Manel disse...

Bem-vinda, Marlene. Se menos com menos dá mais, talvez um encontro de tristezas resulte em alegria. ;)

Marlene disse...

Fizeste-me sorrir, acreditas? ;)

Manel disse...

Ainda bem! :)

Anónimo disse...

Um País tão mal amado... e tão belo, apesar de tudo!

Beijos

Mª Emília

Manel disse...

Tão mal-amado, mesmo, mal estimado, mal nutrido, mal acompanhado... enfim.


Fico tão contente de a ver por aqui, querida ME. :) Mais beijos.