I do not know much about gods; but I think that the river
Is a strong brown god
T. S. Eliot, Four Quartets
Era de noite. A chuva sem doçura. A estrada
tão diferente das estradasa sul deste outro rio.
A saudade parada durante muito tempo,
nas noites sem doçura, como a chuva.
Era de noite e eu não sabia nada
Entre as duas paisagens, entre os dois rios
mais físicos que tudo, partiram, as gaivotas, eu
perdi-me. Sem pertencer jamais a uma paisagem
própria. Mas o olhar que fala, fala de um ponto outro.
E sabe perspectivas de tempos
menos planos, tem sempre cores diversas,
muitos fios, basta Odisseu para as
desconjuntar
Era depois mais tarde. O cheiro da cidade
na viagem, antecipando o sul,
o outro rio. Chegar de noite. Os cheiros da
cidade. E aportar depois na doçura
das coisas. Assim me parecia
Se me sento a jusante, as outras margens
soam-me mais caras, de maior arvoredo
do que aquelas que piso: e o mesmo quando
troco de visão: mais bela a outra margem
aquela onde não estou
Era depois dentro de uma outra noite.
Irresolvido olhar, inteira a mágoa. Desejar uma luz
reconstruindo os rios. As duas rochas: quase igual
beleza, as duas margens: de uma sombra igual.
E assim, ao estar em espaço de entre-
-margens, entrever outro tempo,
outro lugar.
Só quando o coração percebe, em
sobressalto, que é possível amar entre
dois rios, amar ambos os rios, esses que vão.
E ficam. Quando a chegada pode ser a mesma,
simultânea e idêntica. É quando estar na noite pode ser
saber estas verdades
Podia terminar, dizer agora:
não usava Odisseu fotografia
para lembrar a face recordada.
Ao viver entre as noites da memória,
saber que saber tudo: igual a saber nada,
que o fim igual à génese de tudo.
De calcário ou granito enfeitar coração.
E ficar entre amar -----
Ana Luísa Amaral, Entre dois rios e muitas noites
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