quinta-feira, fevereiro 26, 2009

as palavras e o acaso — os homens

O que é que eu sei sobre os homens? Pouco.
É verdade isto. Sei muito sobre as pessoas em geral, bastante até sobre a natureza humana, sobre os vários formatos, feitios, tamanhos, idades, proveniências, mas sobre os homens, mesmo, não sei lá muito. Por vários motivos. Na realidade, sei pouco sobre os homens porque as mulheres ocupam mais espaço na minha vida, porque me fascinam muito mais. Interessam-me mais as mulheres, o universo feminino, é sobre elas que sei. Sobre os homens posso dizer algumas generalidades, mas será que isso interessa? Sei-os, existem tantos, mas conheço poucos. Tenho a mania de gostar de conhecer a fundo, só dessa forma, o resto não me move. Faço isso com pouquíssimos homens, os dedos de duas mãos são demais para os contar. Sou, para o mal e para o bem, incontornavelmente selectiva. O número de homens que verdadeiramente me despertaram o desejo de os conhecer bem é muito reduzido.
Surpreendem-me e modificam-me porque a nossa natureza é uma e a deles é outra, claro. Emociona-me a capacidade de voo que alguns deles têm. Isso pode ser de uma beleza extrema. Mas também de uma grande violência. Philip Roth, n'A Mancha Humana, tem umas páginas sublimes sobre isto. Sobre a forma como os homens mergulham, a pique, como se mandam em frente. Nós temos um medo que nos ancora porque temos filhos dentro de nós durante algum tempo. Eles não, não têm esse agarramento à terra. Isso eu sei sobre eles.
Outra coisa é manterem sempre algo de criança, de miúdo pequeno. Mesmo. Daí que às vezes sejam mais transparentes do que nós, quase todos.
Outra é que facilmente se acomodam porque às vezes são pouco exigentes e deixam-se a querer só casa e conforto.
Outra é não saberem ainda como juntar corpo, emoção e razão.
Outra coisa que sei é que sabem focar-se melhor do que nós e ser mais egoístas e que por isso há-os brilhantes, fascinantes, maravilhosos e tão incompletos. São mais quentes, têm o sangue mais quente e têm mais força física que nós. E riem-se e auto-regeneram-se. Musil diz que as cidades, como os homens, reconhecem-se pelos passos. E é verdade, os passos dos homens identificam-nos, tal como a forma como se movem e se mexem e nos mexem.
Impressiona-me quando os vejo como fortes em praias isoladas e prisioneiros deles próprios. Marcam-me os poucos que conseguem conjugar a capacidade de sonho que têm, maior do que a nossa, mais pura que a nossa, com as dúvidas que os assaltam e mover o mundo a partir daí. Sei-os capazes das maiores delicadezas e arrebatamentos, mas também os sei distraídos e em círculo, sem verem que o que era já não lá está ou sem verem o que é fundamental. Têm uma doçura imensa, alguns, e quando vivem bem a sua sensibilidade, a de lá bem de dentro, sem medo, derrubam-nos.
Tenho dois filhos, ambos homens. Tenho aprendido muito com eles, mas só agora o mais velho fez 18 anos e o outro tem quase 14. São homens-semente, ainda. Mas está tudo lá. A força, o corpo, a cabeça, a química, o sonho. Penso sempre, redondamente, que aquilo que vierem a ser dependerá tanto das mulheres com quem se cruzarem.
É pouco o que sei sobre os homens.
Se gosto deles? Claro. Muito.


— escrito por Ana Sousa Dias a partir de uma conversa com Guta Moura Guedes, publicado na Pública de 18 de Janeiro de 2009. Fez comigo a mudança — dois homens ontem, outros dois homens hoje — porque sabia que o quereria postar, mais tarde ou mais cedo. Foi hoje. Porque, salvo uns quantos twists no argumento, que no meio desta ternura toda acabam por ser lã de cabra, eu poderia ter dito tudo isto e escrito qualquer coisa aproximada. E gosto mesmo quando as palavras vêm assim ter comigo. Muito. —

2 comentários:

K. disse...

Eu também gosto muito quando as palavras vêm ter comigo, e mais se é através do teu blog. Obrigado por postares isto.

Manel disse...

obrigada por seres um dos meus homens. ;)