terça-feira, fevereiro 24, 2009

inutilidades — a propósito do príncipe rebelde

TRAPPOLO Só estou a ver que a minha presença aqui a esta hora e todos os dias da semana, é inútil.
RIDOLFO O teu chefe é que determina o que aqui é inútil.
TRAPPOLO E o que é útil, Deus Nosso Senhor.
RIDOLFO E a tua opinião não passa de música de fundo.
TRAPPOLO Devo limpar as mesas pela segunda vez esta manhã?
RIDOLFO Deixa, uma vez chega.
TRAPPOLO Estava a brincar.
RIDOLFO Tomaste essa liberdade.
TRAPPOLO Para animar o ambiente, que está pesado.
RIDOLFO Sentiste que era teu dever.
TRAPPOLO Então não quer que as minhas piadas animem o ambiente?
RIDOLFO Faz como quiseres.
DON MARZIO A esta hora da manhã, é logo aqui que se discute o mundo?...

O café [Das Kaffehaus — nach Goldoni] de RW Fassbinder, Acto I, trad. Cláudia Fischer



Há quem goste de dizer que a performance tem inevitavelmente uma raiz patológica, que o performer, para se colocar no risco como se coloca, só pode ter uma mais ou menos doentia necessidade de aceitação sublimada num público — não passamos de uma cambada de pintas com uma hipersensibilidade para o simbólico que não nos permite satisfazermo-nos com o casamento pela igreja, o baptismo dos rebentos, os carnavais, os cruzamentos de passarelas que se multiplicam pelos passeios e pelos locais públicos, as procissões, os comícios, os festivais de verão, as praxes, as pistas das discotecas, as máquinas de karaoke. Pintas e burros, irra, porque escolhemos a mais exposta das vias.


É tonto. Como qualquer generalização. Mas então juntêmos dois bem mais interessantes grupos a esta caricatura do que é estar num palco. O da exploração, o da pulsão do confronto, muitas vezes consigo mesmo e em si mesmo, mas há quantos séculos se repete inutilmente "conhece-te a ti mesmo" —sim, é mais com isto que me identifico, confesso que o que oiço de bom entra, passeia um bocadinho e deixa um aroma doce que embala a vontade para equilibrar e dissecar o que de mau fica [ou, como muito bem sintetiza a minha Rita, "tu andas é a fazer psicodrama, e ainda te pagam para isso!..."].

E por fim, este grupo do Rufus. Aqueles em que tudo se pode misturar, mas o que se respira é o puro gozo, a simples ausência de medo. Quem diz que a performance é uma patologia, não pressente que ela pode simplesmente ser um piscar de olho ao medo, e que há pouca coisa mais patologizante do que do medo. E o fogo que sai dessa temeridade aquece e queima, como fogo que se preza. Se tenho alguma ambição profissional, é essa. E se um dia aí chegar, logo vejo quanto tempo me apetece ficar. Depois, abro um café.



The Akara - Beirut

[estou viciada neste disco. nos dois. ai.]

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