sexta-feira, janeiro 16, 2009

noites perfeitas começadas cedo

Viagens. Umas atrás das outras em apenas uma hora. A profundidade do som, a secura brilhante, o fraseado vivo e controlado, e o piano, sim, tens razão, há momentos em que apetece que expluda, em que parece que só pode explodir. Não se distingue bem se levanta voo ou se se crava no chão, como um animal terrestre em alerta. O foco taurino que sobrevive ao que venha e toda uma árvore genealógica centenária, vibrante em dez dedos, ou num corpo, ou num espírito. Partilhar o espaço com artistas assim vale estantes inteiras de cd's e anos de aulas de História da Música. Murray Perahia. Tão grande que nem se levantou quando, à portuguesa, a Casa da Música deixou que estivesse gente a entrar quando um dos maiores pianistas vivos já estava ao piano, pronto a atacar a sonata em Fá maior, de Mozart. E ele adiou o ataque. Esperou, olhando a sala. E depois seguiu, como se aquele hiato nunca tivesse sequer existido. Eu senti-me envergonhada, mais do que quando se ouviu o telemóvel a meio da primeira partita de Bach. É que há situações em que certos artistas não podem ser colocados. Sobretudo estes, que face a elas mostram apenas a humildade e a paciência. Espero que mais gente se tenha sentido embaraçada.

A outra questão é a de sempre: porque é que nos intervalos entre peças, enquanto o pianista se retira por curtos minutos, ninguém tosse?


Mas volto de barriga cheia. Feliz. Por, ao fim de anos de escolas de música, ter redescoberto finalmente a primeira partita nas mãos de pianista feito, nas mãos de pianista génio. Pela felicidade retorcida que nasce sempre de um Mozart bem servido. Pelo Händel relido sofregamente por Brahms. Mas sobretudo pela Appassionata, pela natureza revolvida, pelos tornados interrompidos em brisas quentes e doces, em noite escura e claridade.




Ludwig van Beethoven, Sonata No. 14 em Dó# menor, Op. 27 No. 2, "Mondscheinsonate", por Murray Perahia; não encontrei a Appassionata, mas este terceiro andamento tem cá tudo também...



[Ah, é verdade... Ó Nuno!!! Eu não quero tocar o Beethoven, tenho medo... :|]

3 comentários:

Carla de Elsinore disse...

é pá, eu disse para lá uns disparates mas tu levas isto muito à frente.

Carla de Elsinore disse...

e em relação à vergonha, absolutamente idem.

Manel disse...

Ri-me que nem uma perdida com o teu post, como podes calcular... :p