quarta-feira, janeiro 07, 2009

a leveza de um animal

São duas vezes em vinte e quatro horas e o assunto recorre. A Noa é nossa. Está em casa. Dá e leva porrada. Enterra o focinho em pêlo alheio, disputa a gamela, lambe os outros, os outros lambem-na, ronrona, conhece o terreno e os espíritos.

A Noa é minha. As últimas resistências parecem ter ido, foram nela, que tem o pêlo já macio e a confiança já ganha, foram em mim, que já não preciso de me vigiar, que já não vejo nela uma intrusa.

E no entanto, três meses depois — só agora dou por isso, mas hoje faz três meses — e apenas três meses depois, me titubeia a língua quando tenho de a repreender, quando não quero que me encha os lençóis de pêlo, quando anda em cima da mesa posta, quando, resumindo, faz merda. Desde o primeiro dia, nunca me acontecera. Era para mim claríssimo que aquele era outro animal e não o que deveria estar no meu espaço, o que ao meu espaço pertencia. E no entanto hoje, que o espaço é dela, hoje, três meses depois, recorrentemente é outro o primeiro nome que me aflora os lábios. Frika.


O primeiro passo no ultrapassar de uma perda é ganhar força para perceber que ainda não se ultrapassou uma perda. E trocar os nomes e poder sorrir face à troca. Às vezes é preciso a leveza de um animal para fazer ressaltar todo o nosso peso.



Noa, Janeiro de 2009


[ainda por cima é gira, a tipa, e esperta: aquela patinha levantada mostra bem que ela topa aquele reverendo manhoso à légua; até agora, só tinha revelado tamanho interesse por docs... National Geographic e John Ford; percebo a ligação, cavalos, homens suados, espaço, luz rasgante, é tudo mais ou menos a mesma coisa... é mesmo minha, o raio da gata]

1 comentário:

Rodrigues disse...

Ooooh... :') Texto lindo, pá...




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sayinc