domingo, janeiro 18, 2009

não desvies o olhar


trailer 1: Rúbia



É-me difícil falar de uma obra de alguém de quem gosto ao ponto de ter contraído matrimónio, fantasma antigo de traumas por divórcios que nunca deveriam ter ficado por acontecer, apropriadamente averbado como uma doença que invade sem ser desejada. Mas, quase uma semana passada sobre a noite em que apenas abracei a Raquel à saída da sala, já o seu filme desceu por mim e foi soltando o abraço imediato que me mexia com a articulação das ideias em palavras.


Começo por fazer um mea culpa: não vi o Rasganço. A Raquel de quem gosto, assumo-o, é a mulher e a activista, não a cineasta, embora nenhuma das coisas exista isolada. Enfim, a primeira, talvez, se a Raquel é uma mulher com as letras todas, escreva que palavras escrever com elas. Bom, mas sem Rasganço no currículo, não tenho termo de comparação. E o que me fica é uma doce sensação de ter acompanhado os passos de alguém que procura a sua própria linguagem de cinema, que se preocupou mais em inscrever-se no granito da Ribeira do que numa qualquer corrente artística. Aqui o sexo impera, porque impera o amor e a falta e o desejo e a perda e a culpa. Aqui as penetrações sentem-se como as recusas, e as púbis existem, os corpos nús não terminam na cintura e não se entende se é mais verdadeiro o amor na sua dureza, no seu poder, ou se é apenas uma maravilhosa patranha como o outro, o doce, o vulnerável, o rendido, o que enlouquece de ausência. Aqui há corpos e fodas e nada nos passa ao lado. E nada, nem um momento, é obsceno. Porque por essa genital inocência pode passear-se sem pudores uma amoralidade desarmante de tão franca, de tão entregue, de tão assente na dúvida e no vermelho-sangue.


Não são os "erres" iniciais dos nomes que unem Raquel a Rosa, Rita, Rúbia, mas um olhar que se sente partilhado pelas suas actrizes, uma troca boa entre quem vê e quem se dá a ver, quem vive e quem regista algo que de si já saíu vivo. Há dois nomes que têm de ser ditos no elenco principal: Sofia Marques e Margarida Carvalho. No pequeno elenco, Luísa Cruz, imaculada sempre, obscura sempre, seja em santa seja em puta. As mulheres, pois, motores do filme seja pelo poder ou pela submissão ou pela auto-destruição. Se o Veneno Cura —e assim o indicam os laboratórios farmacêuticos e séculos de xamanismo —, este é um filme para encarar sem um desvio do olhar. Para chorar, para sofrer, para sorrir, para recusar ou para lamber. Como o sangue. Ele afinal não queria saber que a amava. E ela no fim de tudo, com os braços cheios, não quer estar feliz. E a Dalila da voz doce trazia a tesoura em punho. Ainda traz.

3 comentários:

João Barbosa disse...

nunca percebi por que os trailers dos filmes portugueses são tão maus. julgo que os trailers funcionam como um anúncio, um chamariz... mas o que cá se faz só afasta as pessoas da sala. Claro que há (somos) resistente, mas lá que isso não muda o facto, não muda. E este trailer é mesmo muito mau.
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mas afinal nem é isso que importa.
bj

Manel disse...

Por acaso não concordo nada, João. Mas que seria do azul se ninguém gostasse do amarelo?... ;)

K. disse...

Parece interessante, gostei do que vi. Em relaçao aos trailers concordo com o Joao. Nao o vi o deste, nao posso ver do trabalho, mas regra geral sao de meter medo ao susto, até de filmes que se depois se revelam excelentes.

Gostei da nota de intençoes. E de ver a Sandra Rosado no elenco. :)