domingo, janeiro 11, 2009

graças a mim, que sei chorar

Ontem, inesperadamente, acabei a jantar no sítio onde fiz dezoito anos, um corredor de azulejos em Alfama agora pintado de fresco, mas ainda assim reconhecível ao primeiro transpor da porta da rua. Lembro-me das pessoas, lembro-me das fotografias, lembro de nesse ano o meu Tiago, com pezinhos de lã, me ter revelado a sua homossexualidade e de eu me ter desatado a rir na cara dele à porta do Sétimo Céu. Lembro-me de nesse jantar o apresentar ao Octávio e da conversa ter dado para a noite toda e, creio, para alumiar algumas noites que ainda o esperavam no percurso que finalmente decidira iniciar. Lembro-me do Joaquim, agora já pai, do Francisco, já perdido, da Rita sempre repetente, desde os quinze anos, ontem o jantar era dela e dos seus trinta e dois, seis meses atrás dos meus. Tenho de ter cuidado quando o tinto vem de seguida para a mesa. Começo a falar alto. Começo a não pedir desculpa por pensar e sentir — um mau hábito de infância, ando a trabalhá-lo já há uns tempos, confesso. E começam a olhar-me de lado. Mau, a gaja não suporta uma televisão enorme num espaço fechado, goza com o Vangelis e agora nem a Elis a satisfaz?!...

Ando numa fase arredia, é verdade. Quando a Elis aparece na sessão aleatória, é rara a vez que a deixo cantar, mas a canção em causa era um caso especial. A própria Violeta Parra que ma viesse cantar sob a varanda, e levava com um balde de água em cima. Mas pela Elis ainda me é mais insuportável. Falo de Gracias a la Vida, esse clássico das mal-amadas que preferem não chorar e assim nunca abrem a porta do amor. É a canção da negação. É falsa. É irritante. É o total oposto da biologia esmagadora de uma Nina cantando Ain't got no—I got life. É mentira. E pela Elis, mulher transbordante de verdade, ainda me enerva mais. Sobretudo porque um dia, no Porto, comprei em dvd um estranho programa da Globo chamado Elis Regina Carvalho Costa, em que o aluimento Atrás da Porta é um bizarro e admirável momento de reality tv antes do tempo. É a solidão iluminada da arena. É a verdade da vida que lhe deu tudo o que tirou e mais as lágrimas. Aqui fica o meu statement: o Gracias a la Vida sucks. Ponto.

AQUI no estranho circo televisivo. E aqui em baixo, em glória.

3 comentários:

Anónimo disse...

Como o tempo passa! Não sabia que te irritava mas conhecendo-te sei que, pela tua verdade, só podias torcer o nariz a esta Elis/Violeta ;)

Manel disse...

E não há muita gente tão dentro das minhas verdades como tu... ;)

... donde, posso ser um bocado louca e sensível ao tinto, mas sou coerente. :oP

Anónimo disse...

;P