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Porque ao contrário do que ouvi a algumas pessoas, não foi um discurso banal e não, não poderia ter sido feito por qualquer presidente dos últimos sessenta anos. Porque, sempre desconfiada, dei por mim a sorrir e a acreditar e a comover-me com os detalhes que fazem uma enorme, bruta, corajosa diferença. Porque ele sabe o peso dos silêncios, e os seus não são apenas cénicos, mas enfáticos, corajosos, funcionais. Porque as escolhas são claras, mantêm-se claras, cheiram a certo.
"Hoje estamos aqui reunidos porque escolhemos a esperança em detrimento do medo, a unidade de propósito em vez do conflito e da discórdia."
Porque a maneira como ele as coloca, não deixa lugar a dúvidas — não, não acho que o léxico de Obama seja abstracto. Cada vez acho menos, aliás.
"Starting today we must pick ourselves up, dust ourselves off and begin again the work of remaking America."
Porque, ao contrário do que o mundo esperava, foi um discurso para os norte-americanos. E outras imagens nele se leriam se assim não fosse. Mas não foi o apelar a uma América autista. É do equilíbrio de contrários que vive qualquer iluminação.
"Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar a tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas. E vamos transformar as nossas escolas e universidades para satisfazer as exigências de uma nova era."
Porque nada do que é realmente importante ficou de fora ou em meias-tintas.
"O sucesso da nossa economia sempre dependeu, não apenas do tamanho do nosso produto interno bruto, mas do alcance da nossa prosperidade; na capacidade de estender a oportunidade a cada espírito que a deseje — não por caridade, mas porque é a estrada mais segura para o nosso bem comum."
Mesmo nada.
"Quanto à Defesa, rejeitamos por falsa a escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais."
De nada.
"Pois sabemos que a nossa herança miscigenada é uma força, não uma fraqueza. Somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindús e não-crentes. Somos formados por cada língua e cultura, nascidas de cada canto obscuro deste planeta."
Porque um bom dirigente tem consciência do devir.
"Marquemos então este dia com a memória de quem somos e da distância que já percorremos."
Porque o testemunho que ele escolheu deixar, aquele com que escolheu encerrar, é a tal tocha pela qual se deve guiar a reflexão e a acção políticas. Aquele que da França da revolução longa e sangrenta, foi assentar praça em Liberty Island.
"Que os filhos dos nossos filhos digam que quando fomos postos à prova nos recusámos a deixar que esta viagem acabasse, que não virámos as costas nem hesitámos; e com os olhos fixos no horizonte e a graça de Deus sobre nós, carregámos sempre essa grande dádiva que é a liberdade para a entregar em segurança às gerações futuras."
O discurso inteiro, em vídeo e transcrito,
AQUI. Não tenho a certeza se exige login, mas digo-vos já que é gratuito. É só um dos melhores jornais do mundo. Mas pronto, se quiserem, vão antes ao Público.
Está longe de ser um discurso banal. Não teve recuos face aos da famosa convenção democrata, ou aos da campanha. Não deixou cair uma linha. Não falou para um império, mas para um país. Sim, eles andaram muito. E não por causa da cor, um descendente de escravos de nome muçulmano os serve agora de livre vontade, após oito anos de idade média. Confirmou-se um líder político. Acho, meus amigos, que o século XXI começou ontem. Bom ano!
fotos New York Timesadenda:porque o timing é importante e o concreto já começa a tomar forma no recém-inaugurado
sítio oficial. Sim, demorei tempo para explodir, embora o feeling já cá esteja há algum tempo; mas deu-se a posse e o discurso mantém-se; e é nas palavras que o gajo me apanha; é que acho mesmo que são importantes, sempre achei. —
"Obama and Biden will embrace the Millennium Development Goal of cutting extreme poverty and hunger around the world in half by 2015, and they will double our foreign assistance to achieve that goal. This will help the world's weakest states build healthy and educated communities, reduce poverty, develop markets, and generate wealth."