sexta-feira, dezembro 28, 2007

é proibido não proibir

Acabo de chegar ao quarto e extasiar-me com a cordial mensagem da gerência:

Estimado cliente,

O nosso hotel compreende e acompanha as preocupações da Organização Mundial de Saúde e da Comunidade Médica no que respeita aos malefícios da exposição ao fumo do tabaco.

Queremos dar o nosso contributo para que este Hotel seja um espaço de saúde e bem-estar, pelo que, e nos termos da legislação portuguesa, Lei 34/2007 de 14 de Agosto,
não será permitido fumar neste quarto a partir de 01 de Janeiro de 2008.

Informamos ainda que a mesma legislação nos obriga a comunicar às autoridades qualquer violação da não permissão de fumar, estando o cliente, neste caso, sujeito a uma coima entre €50 e €750.

Agradecemos a compreensão de todos.


A bela da compreensão vale entre cinquenta e setecentas mocas. E bom, acho que sim, aguardo que o meu puto me comunique a qualquer momento a visita da PSP dos Anjos a informá-la de que só pode fumar na varanda, e já goza. 

Mas estou a considerar seriamente pedir um esclarecimento à gerência do hotel, que eu gabo-me de ser mulher séria, honesta e legal (passo recibos e tudo): teriam a bondade, caríssimos, de me fornecer uma lista das actividades que me são ou não permitidas NO MEU QUARTO de hotel? Podem começar por me contar as calorias aos iogurtes que guardo no mini-bar (são de soja, talvez se safem); por favor, façam vista grossa aos frutos secos e ao chocolate, que sou magrita e ando sempre a ver se engordo, tenham piedade. 

Podem revistar também os cremes, a pasta de dentes, a ver se não há nas composições algum químico nocivo que a OMS tenha denunciado. Os dvd's e os livros também, imploro-vos, que tanto cassavetes só pode tirar-me do caminho do bem, e nós não queremos isso, pois não? E Dostoievsky, hmmm, Harper Lee, e em estrangeiro, qu'é pá gente não perceber o que para ali anda de perversão da saúde e da limpeza? Suspeito, muito suspeito...

Claro, que sendo eu uma mulher, e portanto um bicho quasi-irracional e desesperadamente necessitado de protecção, preciso, anseio, angustio-me por uma lista de actos sexuais permitidos por lei: há umas coisitas que já calculo que nem pensar, mas pronto, digam lá que mais é que eu não posso fazer no meu quarto, que eu quero mesmo saber. Ménages? Bacanais? Bondage? Acrobacias várias? Fico-me pelo missionário? Vá lá, carago... assim uma pessoa fica perdida. Moralmente, quer dizer...

Confio em vós. E como o descanso e a alimentação são fundamentais num corpo e numa mente saudáveis, tenho duas propostas a fazer-vos:

1. que no pequeno-almoço o sumo de laranja seja de laranja e não desse fruto exótico chamado Tang, que os cogumelos não sejam enlatados, e que o leite e derivados não sejam todos de vaca, por mor dos desgraçados que, como eu, entram em choque anafilático se aqui comerem um prato de cereais;

2. que conto receber um telefonema da recepção todas as noites às 22h a lembrar-me de lavar os dentes, fazer xixi e ir para a cama; ou se não confiarem em mim (sim, que eu não sou de fiar), alguém que me venha aconchegar os lençóis e dar-me um beijinho de boa-noite, mas uma senhora, claro, a bem do decoro - olha, pode ser aquela ruiva gira e simpática da recepção, a Carina.

Mas ela que venha só depois de eu ter fumado a minha ervita da noite, ok? Foi o doutor que mandou, para as insónias e o reumático. Trata-se de uma questão premente de saúde e bem-estar, senhores, como a OMS tanto deseja. Agradeço a vossa compreensão.

6 comentários:

Raquel Alão disse...

Isto é material para outras conversas, mas daquelas com imperial e em presença... :-) É que, desculpa lá, mas não concordo nada com as tuas comparações... Que o hotel bem poderia ter um certo número de quartos para fumadores e outros para não-fumadores é outra conversa... Não é o teu quarto, é aquilo que eu chamo de uma monogamia em série. :-) Antes de ti partilhado por muitos e depois de ti por muitos mais o será, muitos dos quais não serão fumadores. E, a não ser que seja herméticamente isolado do resto do hotel, o fumo não poderá ser contido exclusivamente no quarto que utilizas.

Eu, que já fumei e já não fumo há bastantes anos, não podia estar mais satisfeita com a aplicação de uma lei que regule o consumo de tabaco em espaços públicos. Já vem tarde.

Desculpa...

Raquel Alão disse...

É que não é uma questão de decoro, pudor, moralidade, mas de saúde, como referes no último parágrafo. Só que de saúde pública.

Olha que para as insónias também tens valeriana... ;-) Comigo resulta.

Eu, pela parte que me toca, vou ser a chata que vai deixar de frequentar restaurantes e afins que permitam que se fume (a não ser que disponham de áreas especialmente reservadas para o efeito). E não terei pudor em denunciar infracções nos respectivos livros de reclamações. E agradeço a compreensão.

Manel disse...

Minha querida Raquel, esta vai dar batatada, aaah, pois vai...

É que a lei diz claramente que "não é permitido fumar em espaços públicos". Repito, "públicos". O meu quarto não é um espaço público, era o que mais faltava! E é essa privacidade que se paga também, ou então podiam antes fazer umas camaratas e baixar a tarifa. É uma violação de privacidade. Pisos para fumadores e não fumadores não são novidade nenhuma, e desde que seja proibido fumar nos corredores e nos elevadores a qualidade do ar não prejudica ninguém. Curiosamente, aqui passa-se de poder fumar nos corredores (coisa que sempre me foi incompreensível) para não se poder fumar no espaço privado de quem cá pernoita - e no meu caso, que são 4 meses, de quem cá mora.

Não, desculpa mas não cedo. É precisamente dessa dicotomia público/privado que vêm as comparações do post. Quando o publiquei sabia de antemão que ia haver quem as achasse despropositadas. Mas acredita, amiga, para mim são absolutamente propositadas. Ninguém, muito menos um gerente de hotel, tem o direito de mandar no meu espaço privado. Ponto final. Mesmo que eu consiga - e eu vou conseguir, carago! - deixar de fumar.


Só para que fique registado, sou a favor da proibição em espaços públicos.

Raquel Alão disse...

Eheheh! Nem esperava que não desse e não me contentaria com menos!

Acredita que eu compreendo, especialmente a situação particular que é a tua de quem é obrigado, por motivos profissionais, a habitar um espaço distinto da sua casa durante um longo período de tempo. E daí que penso que das duas uma, ou o hotel está preparado com acomodações para fumadores (quartos em andares distintos) ou então a entidade empregadora deveria proporcionar-te outras opções. A aplicação da lei nesse hotel em particular parece-me estúpida, dado que é possível fumar nos corredores (em todos?!) e não nos quartos. Quanto à argumentação de que um gerente de hotel não pode "mandar no meu espaço privado", não consigo bem encaixar a linearidade da coisa... Parece-me que o hotel deverá ter a liberdade de poder instituir normas internas de regulamentação que estejam de acordo com a lei, obviamente. A liberdade do cliente prende-se com a escolha do hotel. Ou se aceitam as regras do jogo, ou não. Um quarto de hotel é um espaço privado regulado pelas normas do hotel, não pelas do cliente, com o devido respeito à sua privacidade.

E é claro que hás-de deixar de fumar! Se quiseres, claro. :-) Ainda há umas horas estava a ter uma acalorada discussão com um amigo por causa do mesmo assunto... Penso que algumas terapias, cientificamente comprovadas, poderiam ser parcialmente subsidiadas pelo Estado para ajudar quem quer deixar de fumar. A par da legislação, o esforço deveria cair também sobre a prevenção e tratamento. Mas estou muito contente com a aplicação da lei... Pode ser que agora possa trabalhar num ambiente livre de fumo e almoçar em ambientes limpos. É que, devido aos meus horários de trabalho, sou obrigada a almoçar fora 5 dias por semana e é uma violência estar constantemente exposto ao fumo em 2.ª mão...

violeta13 disse...

devias por esta carta na caixa de sugestoes do hotel, e, já agora, que te forneçam net de borla, que eu estive ontem num três estrelas em Tui e pude consultar o meu mail sem pagar um cêntimo!

Manel disse...

Essa é que é essa... E que não mudassem as toalhas e os lençóis todos os dias, a gastar megalitradas de água.