sexta-feira, dezembro 21, 2007

ganas

Neste espaço que não existe fora de nós, há dias que são túneis. Dias em que as pinceladas sucessivas com que esboçamos o corpo que tomará conta do palco parecem não sombras, mas torturas chinesas, em que um muito caro encenador se transforma aos nossos olhos num monstro impiedoso, sugador de energias e tutanos, em que na exaustão apetece meter a trincha em diluente e agarrar num rolo bem grosseiro para com ele passar a parede a negro, ou a vermelho, ou a castanho-caca, e a seguir comprar uma cana de pesca e ir viver para o Faial.

Ufa... pronto, está feito o desabafo. Ser actor é fodido...

(Olha, o corrector ortográfico acha que "fodido" é um erro de português. Ora deixa cá ver se "mal-pago"... não, "mal-pago" está no dicionário, pelos vistos...)

E depois, como acontece com os Caravaggios de San Luigi dei Francesi, aparece um turista que mete uma moedinha na caixa e a luz inunda os gestos de pincel que pensávamos lançar ao acaso e às escuras. E como com os Caravaggios, dura apenas uns minutos e apaga-se. E ficam de novo as sombras e a nossa sofrida resiliência de tentar guardar na retina os traços e as subtilezas que sentimos serem essenciais, até que novo turista se decida a meter a moedinha na caixa e novamente nos possa surgir um relâmpago do tríptico em toda a sua matéria, forma e cor. E puf, há-de apagar-se ainda umas quantas vezes, sossego-me e resigno-me. E sorrio.

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