sexta-feira, maio 26, 2006

Escamas de truta, corpo e alma de mulher


Truta Azul
Fotografia de Rodrigues


Sabes que bem te compreendo, por razões de "dimensão" diferente, mas compreendo-te. A facilidade com que as pessoas [des]apreciam as particularidades físicas umas das outras é das características mais repulsivas do ser humano. Se eu emagrecesse ao ritmo a que, com ar compungido, me dizem que "mas tu comes? estás cada vez mais magrinha" [o "inho" aqui é de uma importância lapidar, claro], já estava a trabalhar como recepcionista na Capela dos Ossos. Mas tooooda a gente a quem eu não dou confiança acha que tem confiança para fazer apreciações do género. Uma vez respondi na mesma moeda ["Pois, tenho perdido peso, mas já percebi que foste tu quem o encontrou"], e a pessoa em questão telefonou-me no dia seguinte a pedir desculpa, porque realmente era uma falta de educação fazer apreciações daquele género. Desde então é assim que respondo a toda a gente. Se podem apreciar o meu baixo peso [claro, fecha-se a boca face à condição física propriamente dita, aos gémeos e abdominais definidos, eheheh, à capacidade de resistência, etc, que isso não dá jeito nenhum para rebaixar uma pessoa], dizia, se me podem apreciar nesses termos eu também posso apreciar o desleixo, as barrigas, as gorduras. E olha que resulta. Por vezes não há como provar do próprio veneno e perceber que gordos, magros, pretos, amarelos, de pele limpa, com sardas ou com psoríase, somos iguais e sentimos igual. Em forma, é simples falta de educação. Em conteúdo, é falta de humanidade e de consciência. "Olhem para mim como sendo uma pessoa", dizes tu. É realmente nessa fronteira que toda a gente se perde. E não é preciso ter menos um braço ou andar de cadeira de rodas para se sentir isso. A coisificação do outro é um recurso constante das mentes mais pequenas.

Mas olha lá, tu tens psoríase?! E eu que sempre pensei que fossem os vestígios das escamas de truta, caramba. Vou ter de rever a maneira como te olho...

E sabes, é que para além da transparência e da psoríase, és linda de morrer, inteligente, divertida, talentosa, generosa. É natural que haja pessoas que quando olham para ti façam questão de ver apenas a vermelhidão nos braços. Sentem-se melhor na sua mediocridade. E é só isso, a atitude mesquinha mais velha deste mundo humano, o indicador apontado. Oh, come on, let´s see some stoning!

6 comentários:

Anónimo disse...

Belissimo texto Manel!E hilariante aquela coisa da «recepcionista da Capela dos Ossos» vou ver se saco dessa quando me fizerem os comentários «'tás tão magrinha» (não te importas pois não?!)

Anónimo disse...

:):)

Manel disse...

Amorinha, estás à vontade, temos de ser umas pás outras. E nós duas há já muitos anos que o somos. ;)

Man, deixas-me sem palavras, man... caraças, também. E pensar que te tive a viver lá em casa e não aproveitei. ;) Grande beijo, pode ser até no braço que estiver mais vermelho. :)

Anónimo disse...

Mas afinal n xe pode ter psoriase e xer-se bonito ou xer-se gordo ou mt magro e xer-se bonito à mxm? E o k é belo? Xenão akilo k de nós projectamos nos outros?

Manel disse...

Nem mais... mas é aí que a porca torce o rabo: nada mais apelativo que depreciar o que é belo, sobretudo aquilo que achamos mais belo que nós.

K. disse...

São as duas lindas, e nem seria preciso saber como são fisicamente.