Escamas de truta, corpo e alma de mulher
Truta Azul
Fotografia de Rodrigues
Sabes que bem te compreendo, por razões de "dimensão" diferente, mas compreendo-te. A facilidade com que as pessoas [des]apreciam as particularidades físicas umas das outras é das características mais repulsivas do ser humano. Se eu emagrecesse ao ritmo a que, com ar compungido, me dizem que "mas tu comes? estás cada vez mais magrinha" [o "inho" aqui é de uma importância lapidar, claro], já estava a trabalhar como recepcionista na Capela dos Ossos. Mas tooooda a gente a quem eu não dou confiança acha que tem confiança para fazer apreciações do género. Uma vez respondi na mesma moeda ["Pois, tenho perdido peso, mas já percebi que foste tu quem o encontrou"], e a pessoa em questão telefonou-me no dia seguinte a pedir desculpa, porque realmente era uma falta de educação fazer apreciações daquele género. Desde então é assim que respondo a toda a gente. Se podem apreciar o meu baixo peso [claro, fecha-se a boca face à condição física propriamente dita, aos gémeos e abdominais definidos, eheheh, à capacidade de resistência, etc, que isso não dá jeito nenhum para rebaixar uma pessoa], dizia, se me podem apreciar nesses termos eu também posso apreciar o desleixo, as barrigas, as gorduras. E olha que resulta. Por vezes não há como provar do próprio veneno e perceber que gordos, magros, pretos, amarelos, de pele limpa, com sardas ou com psoríase, somos iguais e sentimos igual. Em forma, é simples falta de educação. Em conteúdo, é falta de humanidade e de consciência. "Olhem para mim como sendo uma pessoa", dizes tu. É realmente nessa fronteira que toda a gente se perde. E não é preciso ter menos um braço ou andar de cadeira de rodas para se sentir isso. A coisificação do outro é um recurso constante das mentes mais pequenas.
Mas olha lá, tu tens psoríase?! E eu que sempre pensei que fossem os vestígios das escamas de truta, caramba. Vou ter de rever a maneira como te olho...
E sabes, é que para além da transparência e da psoríase, és linda de morrer, inteligente, divertida, talentosa, generosa. É natural que haja pessoas que quando olham para ti façam questão de ver apenas a vermelhidão nos braços. Sentem-se melhor na sua mediocridade. E é só isso, a atitude mesquinha mais velha deste mundo humano, o indicador apontado. Oh, come on, let´s see some stoning!
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6 comentários:
Belissimo texto Manel!E hilariante aquela coisa da «recepcionista da Capela dos Ossos» vou ver se saco dessa quando me fizerem os comentários «'tás tão magrinha» (não te importas pois não?!)
:):)
Amorinha, estás à vontade, temos de ser umas pás outras. E nós duas há já muitos anos que o somos. ;)
Man, deixas-me sem palavras, man... caraças, também. E pensar que te tive a viver lá em casa e não aproveitei. ;) Grande beijo, pode ser até no braço que estiver mais vermelho. :)
Mas afinal n xe pode ter psoriase e xer-se bonito ou xer-se gordo ou mt magro e xer-se bonito à mxm? E o k é belo? Xenão akilo k de nós projectamos nos outros?
Nem mais... mas é aí que a porca torce o rabo: nada mais apelativo que depreciar o que é belo, sobretudo aquilo que achamos mais belo que nós.
São as duas lindas, e nem seria preciso saber como são fisicamente.
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