sábado, agosto 12, 2006

Da iluminação das nações


Cartoon de Kal
Visto no Devaneios
Publicado no londrino The Economist

sexta-feira, agosto 11, 2006

Mr Boogie-man!...

O telejornal da RTP mostra alegremente uma reportagem na qual tenta demonstrar que em qualquer drogaria de bairro se pode comprar os ingredientes para fazer uma bomba caseira para fazer explodir aviõezinhos cheios de amigos, irmãos, pais, mães de alguém. Cuidado pessoal, está aí o Papão! Qual spot teleshop, o Telejornal público mostra o catálogo, diz onde comprar e até diz o preço. O Papão, malta, o Papão! Cerca de €39, parece que é o que custa. Até o sem-abrigo ali da arcada pode fazer umas poupanças para comprar, basta-lhe para aí um ano. Caralho, não me ouvem, está aí o Papão! €39, é verdade, e se ligar já tem 20% de desconto em todos os materiais e ainda recebe como brinde um lenço igual ao daquele senhor que chegou a ser o líder de um país em projecto e com futuro e acabou os seus dias quase de volta à condição de símbolo terrorista, Yasser, parece que se chamava assim. Vai-nos comer, o Papão, vai-nos comer a todos! Quando começa a segunda parte da reportagem, em que se demostrava como pode comprar a sua bomba no senhor Manel da esquina que lhe vende os piaçabas, a imagem começa a ondular, qual alucinação psicadélica e surge o cágado Rodrigues dos Santos, com os olhos entre o consternado e o surpreso, explicando-se com dificuldades técnicas. O Papão, então, e não nos mostram o Papão? As dificuldades técnicas, providenciais, cheiram-me a chuva de telefonemas de telespectadores portugueses com um mínimo de dois neurónios activos. E o Papão? E esta reportagem abjecta da RTP cheira-me a obscurantismo, a cultura do medo, a provincianismo inconsciente [se for consciente é ainda mais grave], a alimento de xenofobia, a intoxicação mental. O Papão, o Papão pode estar em qualquer lado, aquele gajo brasileiro que a polícia matou no metro de Londres por ser um bocado mais escuro, quem garante que ele não era um dos papões, também há árabes no Brasil! Qual o objectivo informativo de tal reportagem? Talvez publicidade à fita Tesa, para vedar cada frincha como hilariante defesa da guerra química, como se viu fazer pela América fora [a parte tosca, naturalmente]; talvez um empurrãozinho nas vendas de pó de talco para os atentados postais com antraz. O Papão pode ser o carteiro, o porteiro, o calceteiro, o meu vizinho, eu, caramba, eu posso ser o Papão!

Ainda não passaram, as dificuldades técnicas. Pode ser que desta ainda nos safemos de um Patriot Act.





Bu!

quinta-feira, agosto 10, 2006

Abundância

-Se eu me pusesse a frequentar todas as pessoas que acho simpáticas, a minha vida não bastava.
-Conhece assim tantas? Tem sorte.


Simone de Beauvoir, in O sangue dos outros, trad. Miguel Serras Pereira
Arrumos na selva II

Os gatos não gostam dos aspiradores. É compreensível. Um gigante que emite um contínuo ronronar ameaçador e que se o deixarmos aproximar nos suga ferozmente o pelo não é propriamente uma companhia agradável, sobretudo se recordarmos a mania chata do bicho em questão, a de vir transtornar o sono felino nos cantos mais privados da casa, com os seus meigos coices e a sua barulheira ensurdecedora. Ora, as cenas variam. Desde a fuga imediata em jeito de pantera, ao soprar e inchar para ficar do dobro do tamanho - coisa que, incompreensivelmente, dificilmente assusta o impertinente bicharoco.

O meu Sombra, habituado que está a que gatos diferentes de personalidades absolutamente díspares passem pela casa, o chateiem ou divirtam durante uns tempos e depois desapareçam como apareceram, já estabeleceu alguma proximidade com o aspirador. Não serão amigos, mas também não são propriamente antagonistas. Mas hoje, com este calor, o bicho foi deveras insuportável e inoportuno, perseguiu-o sem tréguas por cada canto mais frescote. O Sombra passou-se. Quando o bicho estava adormecido, de boca aberta, atacou-lhe a manápula insolente. De garras recolhidas, donde se pode dizer que o aspirador levou um belo par de galhetas. Mesmo assim, só acordou um bom bocado depois.

Isto preocupa-me. É que atacar alguém durante o sono não é coisa que se coadune com a nossa filosofia. Estou a ver que tenho de proibir o Sombra de sair para os telhados... não, já sei. Sombra Gomes, estás a partir de hoje proibido de ver televisão.
Arrumos na selva I

-Vive ali uma aranha relativamente grande... O que é que faço, mato-a? Ou deixo-a estar?
-Eh pá, é esquisito deixá-la estar, mas matá-la?... Não dá para a atirar pela janela, lá para trás para o jardim?
-Feito!

Bem... sempre é melhor ser despejada em vôo que assassinada na sua própria casa.
Chama-me nomes...

«A lésbica portuguesa parece ainda ter-se precipitado ao decidir adquirir a nacionalidade espanhola para poder casar. Mesmo que Portugal recusasse passar o certificado, tal não constituiria um impeditivo em Espanha. Num casamento formulado por um cidadão espanhol e um português, este certificado pode ser substituído por "uma declaração ajuramentada e solene do interessado".»

Esta é apenas uma das vezes em que nesta notícia se repete esta referência à mulher portuguesa que foi arbitrariamente impedida pelo consulado português de casar em Espanha. Não "a mulher", não "a portuguesa", não "a cidadã". A lésbica. Porque a lésbica isto, a lésbica aquilo. E além de lésbica é estúpida, porque se fosse uma portuguesa que se prezasse nem lhe teria passado pela cabeça fazer tudo legalmente, bastava um enganozito aqui, um logro acolá. Que lésbica sem patriotismo nenhum, caraças!


...

Pelo menos tem portão de saída, este aterro...

segunda-feira, agosto 07, 2006

Ide em paz, e que o senhor vos acompanhe as investigações no bairro.

-Boa tarrrrde, sou o elder *?+'# e este é o elder "#$%&, podemos entrar para conversar consigo um bocadinho?
-Entrar? [cof cof misturado com riso] Não vale a pena [a ler, "Não querias mai nada!..."], vai perder o seu tempo.
-Tem a certeza? É uma pessoa religiosa?
-Sim e sou, mas sou ateia.
-E posso perguntar em que é que acredita?
-Sim, mas isso demorava muito tempo a explicar e eu teria de vos convidar a entrar, o que não estava nada nos meus planos. [sai gato disparado corredor fora, saio eu atrás para o ir buscar] Olhe, acredito no meu gato, que está vivo, acredito em mim, acredito em si... e já não me parece que seja pouco.
-Já agora posso perguntar-lhe se vive nesta casa com a sua família?
-Sim sim, vivo eu e os meus seis maridos. Boa tarde.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Onde está você agora? [É que eu só em pontas consigo ver seu cocuruto]

Caetano foi brilhante, ontem à noite na praça do CCB. É o mínimo que se pode dizer de alguém que com o violão e a voz fez música serena e entregue, curtiu, improvisou, até um pezinho de samba se soltou em Não enche, sem percussão, mas sempre agitando o sangue. Violão e voz. E toda uma história de grandes canções que está nas gargantas e nos pés de quem assiste. Com o repertório com que nos tem enchido os dias durante as últimas décadas, Caetano poderia fazer vinte noites como a de ontem, sem nunca repetir uma canção, e mesmo assim sobrava história para os nossos ouvidos. Por isso um concerto destes, violão e voz, sem álbum para promover, é uma deliciosa incógnita. Por isso, cada canção é um presente que não sabemos que vamos receber, embrulhado na voz de veludo elástico e nos dedos malandros, que arreliam e apaziguam o violão. Leãozinho, Você é linda, Trilhos urbanos [“pena de pavão de krishna, maravilha, vixe maria mãe de deus, será que esses olhos são os meus?”] , Coração Vagabundo, Desde que o samba é samba, Sampa [“é que narciso acha feio o que não é espelho”], um fantástico Qualquer coisa e todos ficámos para lá de Marraquexe, a maravilha porteña que é Volver, o ecuménico Terra [“quando eu estava preso na cela de uma cadeia é que eu vi pela primeira vez as tais fotografias em que apareces inteira, porém lá não estavas nua e sim coberta de nuvens...”], o forró da Luz de Tieta sem que o público tenha, como é tradição, começado a gritar “Eeeeta, eta eta eta!!!!!” fora de sítio. E no entanto...

No entanto, um concerto não é um disco ao vivo. Uma plateia infindável de cadeiras ao preço do ouro, um palco baixo, colunas de som apenas à frente, e os plebeus que ficaram em pé, cá atrás, arrotando 20 euros por um bilhete que lhes permitiu apenas ver cabeças e costas – vá lá, entre um pescoço e uma cabeleira loira lá consegui descortinar que o homem estava mesmo no palco – e ouvir mal e às vezes nada do que Caetano disse no único momento em que falou com o público. Não tenho outras palavras para o que o CCB montou na sua praça central ontem à noite: um logro, um roubo, uma falta de respeito por público pagante. No final de uma noite em que um grande músico nos ofereceu o que de mais íntimo sabe fazer, só me apetecia cantar bem alto aos ouvidos da direcção do CCB uma canção de outro repertório: “Quero o meu dinheiro de volta! Tanta gente a dar-me a volta, não foi p’ra isto que eu vim cá. Quero o meu dinheiro de volta, não é tarde nem é cedo, quero o meu dinheiro já!”

Mas Caetano continua lindo, mais que demais, num glorioso e sereno envelhecimento.

domingo, julho 30, 2006

Gelado de vinil com nozes e chantilly


Você é uma pessoa exuberante e que não se preocupa demasiado com o que os outros pensam de si. O caminho da normalidade raramente é aquele que você escolhe trilhar. Gosta de se divertir e não se importa nada de ser o foco de todas as atenções.


Confesso que, com as respostas que dei, estava deveras preocupada com o resultado. Enfim, que incógnitas revelações poderão nascer da confissão de que as melhores guloseimas de todos os tempos são as petazetas e os cigarros fumados clandestinamente atrás do pavilhão da escola? Mas essa história de gostar de ser foco das atenções... só mesmo quando me pagam um cachet jeitoso, que isto de ser palhaço profissional tem que se lhe diga.

I want your looooooove! I want your loooooooveeeeee!!!

quarta-feira, julho 26, 2006

Palavras - palmas da mão

Porque, bem vê, só quando estamos esgotados (de ternura ou de qualquer outra força) reconhecemos a nossa inesgotabilidade. Quanto mais dermos mais nos sobra, desde que prodigalizemos - é uma coisa sempre a brotar! Sangremo-nos - e seremos fonte viva."

Marina Tsvietaieva, in Noites Florentinas, Oitava carta

sexta-feira, julho 21, 2006

Passarinhos da Ribeira






Porto, Julho de 2006
The Israeli measured response [US/UK copyright]



Entrem AQUI para ver as imagens do efeito destes mísseis sobre os civis, adultos e crianças libaneses, a quem são destinados. Não coloco aqui nenhuma foto... apenas porque não quero ser demasiado ostensiva na minha revolta. Percorre-se o site e a alma encolhe de vergonha e asco. A pergunta repetida entre fotografias ecoa continuamente - measured? meaSURED? MEASURED? Tenho apenas uma pergunta, no meio de tudo isto que parece indiferente às chamadas comunidades internacional e árabe: e estes mortos, não contam?

Entrar AQUI para assinar a petição electrónica a ser entregue a representantes políticos do mundo inteiro.


...

Macaco repulsivo, o ser humano.

domingo, julho 16, 2006

Bombas fora de prazo

Depois de ter escutado testemunhos de portugueses no Líbano, desesperados pelos familiares em férias no sul, em choque com os civis que já viram morrer à sua frente desde que o festival recomeçou em Beirute e as notícias entraram em nostalgia dos saudosos eighties, confesso que não sabia se havia de rir, chorar ou gritar ao ver Tony Blair assegurando que o Irão, a Síria e o Hezbollah estão a tentar criar um clima de instabilidade e conflito na região. Faz sentido. Israel é nada mais que um pobre perdido que se defende das ameaças bombardeando os vizinhos, soberanos ou invadidos, pensando assim, com a ajuda dos EUA, aliviar esse clima de tensão que os representantes do eixo do mal tão diligentemente tentam impôr.

Tony Blair e George W.Bush, lado a lado, garantindo que o Hezbollah é financiado pela Síria e pelo Irão, com ar calmo e de quem nem perde o sono com as peças do Risco que são comidas pelo adversário, sim sim, é tudo verdade, o fundamentalismo do outro lado, as agressões do outro lado, enquanto com a sua ajuda, Israel vai estendendo novamente o seu braço de sangue.

Onde é que eu já vi isto? Estas verdades absolutas que tudo justificam? Estes dois de braço dado? Dispara-me na cabeça aquela tão familiar designação - Weapons of Mass Destruction, Armas de Destruição Massiva, e não é o título de um filme com o Harrison Ford a bordo do Air Force One.


Alguém sabe dizer-me que é feito de um país que se chamava Iraque? Ainda está por aí, para recordação e memorial? Ou já se obliterou por completo?


É nisto que dá, ignorar jornais e telejornais durante duas semanas. O choque do regresso é brutal. E de repente ouve-se o senhor José Júdice, no outro Eixo do Mal, o da SICN, afirmando tão relaxadamente que é tudo muito simples, que não é uma questão geo-estratégica nem de petróleo, que é meramente um problema étnico, sim claro, eles odeiam-se uns aos outros, pronto. Deve ter razão, e sempre que existiram períodos em que as tréguas e a convivência pareciam possíveis estávamos todos a sonhar de olhos abertos, cambada de líricos. Aliás, judeus e árabes que vivem em Portugal não se matam uns aos outros todos os dias nem sei como. Eu por mim até digo mais, bem alimentadinhos a rivalidade, o provincianismo e o ressabiamento, houvesse petróleo entre Lisboa e Porto, e haviam de ver o escarcéu que se armava...

segunda-feira, julho 03, 2006

Há dois anos e meio...

... o George escrevia acerca de Álvaro de Campos:

O problema da solidão é ter de viver connosco. Por isso criamos pessoas que vivem ca dentro. E quando as queremos matar, já não sabemos quem somos, quem éramos, quem queríamos ser. Matar alguém assim está sempre entre o suicídio e o assassinato. Talvez por isso tenhamos tanto medo e tanta vertigem. De matar a pessoa certa ou a errada
;

e eu escrevia a propósito de uma proposta de casamento que fiz à Truta Vermelha-Rodrigues, num post sobre o Porto:

Não tenho a tua vida, ó Vermelha! Só agora é que vi o desafio da argentinidade (bela expressão, hem?). Não conheço nenhuma daquelas expressões, mas em compensação havias de me ouvir a cantar a María de Buenos Aires!



Há momentos em que se sente claramente que há um ciclo que se fecha.

domingo, julho 02, 2006

Camião TIR

Merecidos nome e apelido do meu último mês no Porto, ou entre o Porto e Buenos Aires. Daqui a dois dias já estarei em Lisboa, para ficar. Ao fim de oito meses, sinto-me mais mulher e mais criança, mais crescida e mais acordada, mais entregue ao caminho que escolhi ou me escolheu - feliz dúvida que por vezes me assalta e que não quero ver desfeita. Duvido, logo existo. E a vida assaltou-me a alma, fez-me chorar de revolta - até de raiva, de mágoa, de infelicidade, de medo, e de êxtase, felicidade, amor, amizade, e das dores do crescimento - pelo menos meio-metro de espírito e meio-quilómetro de resistência, quero crer. Também me fez sorrir, a vida, por vezes de desdém, por vezes de escudo, por vezes de timidez, de alegria, de embevecimento.

Aprendi muito. Aprendi tanto que aprendi a errar. E a acertar. Agora mereço casa, desejo casa, anseio por levar às gaivotas do Tejo os cumprimentos das primas do Douro. Anseio, como me dizia um querido amigo acerca de si próprio há umas horas atrás, por tomar terra, para deixar que o que sou se habitue a viver dentro de mim. Para que possa continuar a crescer. Na rua e no palco. Muito obrigada a todos os que me ajudaram - os especiais, que espero que saibam que o são, e os que o fizeram sem intenção, até os que o fizeram com a intenção oposta. Gosto de estar viva, assim como estou. Maríamente.

sábado, junho 24, 2006


Praça dos Leões, 23 de Junho de 2006
Desenho de Cuba


Voltei cedo para casa...



... porque me faltava o martelo.


Rua Sá da Bandeira, Junho de 2006

Tiro o chapéu a quem quer que tenha tido esta brilhante ideia. Ópá, Sugai é genial, eheheh...

terça-feira, junho 20, 2006

Canção da noite

Eu vi um sapo, um grande sapo...

domingo, junho 18, 2006

Late again, Sam...


Praça da Batalha, Porto
Maio de 2006


Chega-se tarde a algo que já partiu ou que não se tem tempo de apreender, há sempre um angustioso atraso para a próxima paragem, pós-moderno toca-e-foge, sem objectivo que nos console o tic-tac interior. Rondamos as paragens dos guias que escolhemos, e tentamos entrar nas suas carruagens ou arrastá-los para as nossas. Por vezes parecemos conseguir, ou ficcionamos que conseguimos, outras deixam-nos à janela do desconsolo da incomunicação. Por vezes esperamos o comboio na paragem do autocarro. Por vezes a ficção irrealiza a carne e o osso e a realidade desfaz-se em perplexidades. Por vezes ansiamos por um destino que não desejamos, em vez de gozarmos bem a nossa rota. Por vezes descobrimos que já é tarde para viver e para morrer e encerramo-nos no purgatório televisivo de um hipermercado ou de um centro comercial.

Por vezes até vivemos. Mas quando isso acontece costumamos estar maravilhosamente distraídos.

domingo, junho 11, 2006

Não resisto...

Afinal, nada como uma boa anedota anti-clerical e inocente, para desatar acílios.

Uma freira repreende, de ameaçador dedo em riste, uma menina do colégio.
-As meninas que se portam mal vão para o inferno!
-E as freiras que se masturbam cheiram mal do dedo!
O que vale é que há um Chico - e um chorinho - para todos os momentos

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que, também, sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transacção
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus

Chico Buarque/Francis Hyme
Anticonstitucionalissimamente
ou
Um governo quê?...


Almoço a cinco sob o sol da Cordoaria. Dois tripeiros, uma alface, dois galegos. A conversa, como as cerejas que apetece trincar só de as sentir penduradas na orelha, passeia-se entre gargalhadas e silêncios, entre o dentro e o fora, as emoções e o mundo. E no meio do tanto por que se passa quase sem se dar por ela, lá vem a pergunta/confirmação quase incrédula, "Mas aqui os homossexuais não podem casar, é?".

Reposta pronta, claro, cá deste lado: que não, que há cerca de um ano se conseguiu mudar o artigo 13 da Constituição, de forma a que a proibição da discriminação incluísse a orientação sexual e não apenas o género, mas que a lei do casamento civil continua anticonstitucionalmente discriminatória. Aliás - e para alguma coisa me deve ter servido brincar com o meu pai às palavras-centopeia - anticonstitucionalissimamente discriminatória. Oiço então a pergunta óbvia, que só os portugueses aparentemente não fazem: "Mas em Portugal não há um governo socialista?".

Pois... é a versão oficial, socialistas, dizem eles. E não sabes tu da missa o terço, meu caro amigo.

sábado, junho 10, 2006

Eu ouvi...

... um miúdo a levar uma galheta, em directo na Antena 1. O padre Acílio garante ao jornalista que não há agressões na Casa do Gaiato. Um leve gaguejar que indicia um desvio do foco de concentração, um som seco que o microfone ainda capta, e a frase continua, até que o jornalista atalhe, depois de meia dúzia de segundos de silenciosa estupefacção, "mas o senhor acabou de dar uma estalada na cara a um miúdo de seis anos, à minha frente!".

A criança, pasme-se, rondava o estaminé de máquinas e microfones onde o santo educador dava a sua entrevista. De facto, que futuro marginal e pecador esperaria este fedelho se não fosse prontamente posto no seu lugar? Que magnífico cristão se perderia, não fosse a pedagogia do senhor Acílio, por padre conhecido, e seus discípulos da obra do padre Américo, pendões da caridade dessa larga multinacional do amor que dá pelo nome de ICAR? É nestas alturas que dou graças ao sEnhor pela não legalização da adopção por casais homossexuais. É o que salva estes meninos, que crescerão bem e catolicamente, conhecerão a culpa e saberão que quem se porta mal merece castigo.

sexta-feira, junho 09, 2006

La sombra del Bandoneón



Vocês desculpem qualquer coisinha, mas provavelmente só quem já algum dia viveu no palco pode compreender até que ponto nada mais resta para dar quando um trabalho nos entra pelos poros e toma conta do coração. Este parece talhado nos céus de Buenos Aires, uma mesma jangada de loucos descendo o Río de la Plata, contra as traiçoeiras marés do tempo que parece encolher na mesma medida em que este nosso menino - de todos mas de duas pessoas em especial, João e Walter -Duende-Mor e Maestro Bandoneón-, vai crescendo e ganhando um rosto e uma forma que nos encanta a todos. É, não se pode dizer menos, uma felicidade estar aqui, no meio desta luz toda com que enchemos a sala de ensaios, tarde após tarde, duendes felizes procurando juntos a verdade que neste espectáculo nos espera.
La Sombra de María



Mi corazón cortado en quatro está -dicen- sepeliado en las quatro troneras de un billar robado. El que ahora llevo puesto se lo compré a una encorazonadora que tenía corazonería de viejo en un paisaje terraja, y vendía corazoncitos tristeros de baraja francesa y de conejo, de tatuaje de marinero con pereza, de rima de canción de cuna y de alcaucil. A mi, me puso uno que es de vista y no lastima, recortado del mandil de un bandoneonista; y con agujita de estaño y un hilo de humo castaño, me lo bordó sobre el vientre. Dijo que eso era lo que convenía para quien, como yo, soy una sombra María, y ya por sombra -solo sombra- seré sombra y seré virgen para siempre.

Lo dijo mientras cosía
y ya me lo acuerdo mal!


Horacio Ferrer

quinta-feira, junho 08, 2006


Palácio de Cristal, 6 de Junho de 2006

No ventre da minha cidade
um caminho que me relembre
um ramo que em três se reparta
um assombro que restolhe.

Um pouco de terra por maná
que não seque
que não suje;
que se entranhe nos sulcos húmidos dos dedos
nos vales das unhas
na sala primeira da pele
um cheiro de vida
um cheiro de estrume e sementeira.

Vidas secas que libertam lugar a um verde que o ocupa
um assombro que restolhe
um ramo que em três se reparta.

No ventre das minhas cidades
um caminho paralelo
um pouco de terra por maná
um trilho que me relembre
que estou inteira.

Uma terra que suja
entranha
espelho de mim
aqui
já.

terça-feira, junho 06, 2006

Chaplin


Fotografia de Rútilo

Pois é, mais um pó monte de pêlos cá de casa. A culpa é da Dalila, que tentou arrancar-lhe os olhos assim que ele entrou em casa da Truta Rodrigues. Nessa altura acabara de ser baptizado Gonçalinho e iniciava a recuperação do estado em que se encontrava quando apareceu desnorteado e aflito na Colina de São Gonçalo.


...


O ser humano sabe mesmo ser o mais reles dos macacos.

domingo, junho 04, 2006

Un bandoneón que mi tristeza tiene escrita...


Sala de ensaios, 3 de Junho de 2006
Fotografia de Manel, som de Walter H.



O que aí vem, nas sábias palavras do nosso encenador, será impróprio para cardíacos.

Porque ese niño no es niño, Jesus! Que es niña: niña ha nacido!