Onde está você agora? [É que eu só em pontas consigo ver seu cocuruto]Caetano foi brilhante, ontem à noite na praça do CCB. É o mínimo que se pode dizer de alguém que com o violão e a voz fez música serena e entregue, curtiu, improvisou, até um pezinho de samba se soltou em
Não enche, sem percussão, mas sempre agitando o sangue. Violão e voz. E toda uma história de grandes canções que está nas gargantas e nos pés de quem assiste. Com o repertório com que nos tem enchido os dias durante as últimas décadas, Caetano poderia fazer vinte noites como a de ontem, sem nunca repetir uma canção, e mesmo assim sobrava história para os nossos ouvidos. Por isso um concerto destes, violão e voz, sem álbum para promover, é uma deliciosa incógnita. Por isso, cada canção é um presente que não sabemos que vamos receber, embrulhado na voz de veludo elástico e nos dedos malandros, que arreliam e apaziguam o violão.
Leãozinho,
Você é linda,
Trilhos urbanos [“pena de pavão de krishna, maravilha, vixe maria mãe de deus, será que esses olhos são os meus?”] ,
Coração Vagabundo,
Desde que o samba é samba,
Sampa [“é que narciso acha feio o que não é espelho”], um fantástico
Qualquer coisa e todos ficámos para lá de Marraquexe, a maravilha porteña que é
Volver, o ecuménico
Terra [“quando eu estava preso na cela de uma cadeia é que eu vi pela primeira vez as tais fotografias em que apareces inteira, porém lá não estavas nua e sim coberta de nuvens...”], o forró da
Luz de Tieta sem que o público tenha, como é tradição, começado a gritar “Eeeeta, eta eta eta!!!!!” fora de sítio. E no entanto...
No entanto, um concerto não é um disco ao vivo. Uma plateia infindável de cadeiras ao preço do ouro, um palco baixo, colunas de som apenas à frente, e os plebeus que ficaram em pé, cá atrás, arrotando 20 euros por um bilhete que lhes permitiu apenas ver cabeças e costas – vá lá, entre um pescoço e uma cabeleira loira lá consegui descortinar que o homem estava mesmo no palco – e ouvir mal e às vezes nada do que Caetano disse no único momento em que falou com o público. Não tenho outras palavras para o que o CCB montou na sua praça central ontem à noite: um logro, um roubo, uma falta de respeito por público pagante. No final de uma noite em que um grande músico nos ofereceu o que de mais íntimo sabe fazer, só me apetecia cantar bem alto aos ouvidos da direcção do CCB uma canção de outro repertório: “Quero o meu dinheiro de volta! Tanta gente a dar-me a volta, não foi p’ra isto que eu vim cá. Quero o meu dinheiro de volta, não é tarde nem é cedo, quero o meu dinheiro já!”
Mas Caetano continua lindo, mais que demais, num glorioso e sereno envelhecimento.