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A Oficina do Livro faz uma luminosa edição do mais belo amontoado de palavras que a literatura ocidental já produziu, um caldeirão de amor, humanidade, ritmo, beleza, clarividência (e mais uns mil qualificativos) como, digo eu, não há outro. A tradução, estreada no palco antes de editada, como convém às "duas horas comoventes, nas quais, onde ouvidos pacientes atentarem, só há faltas que os actores não emendarem" (é o costume, quem se lixa é sempre o mexilhão), bom, a tradução, dizia eu, é de Fernando Villas-Boas, e é um trabalho que fala por si, como Julieta o faz:
Apressai o galope, cavalos de cascos de fogo,
De volta à casa de Febo. Fosse antes vosso cocheiro
Faetonte, havia de açoitar-vos mais rumo a oeste
E trar-me-ia a noite e suas nuvens de imediato.
Estende tua fechada cortina, noite fazedora de amores,
Que os olhos do fugitivo tremam, e Romeu
Caia nestes braços de que ninguém fala, nem vê!
Ou os amantes tratam de seus ritos amorosos
Usando de suas beldades, ou, se o amor é cego,
Melhor concorda com a noite. Vem, noite grave,
Matrona sobriamente vestida de negro,
E ensina-me a perder num jogo que já está ganho,
Jogado por um par de inocências sem mancha.
Acalma o teu sangue indomado, que sinto no rosto,
Com o teu manto, até que o amor tímido se atreva,
E julgue que o puro amor faz a pura castidade.
Vem, noite, vem, Romeu, vem, que és luz da noite,
Pois hás-de chegar, nas asas da escuridão,
Mais claro que a neve fresca nas asas do corvo.
Vem, noite gentil, vem, terna, com tua tez escura,
Dá-me o meu Romeu, e, quando eu morrer,
Leva-o e corta-o em estrelas pequeninas,
E ele há-de tornar a face dos céus tão bela
Que todo o mundo ficará amoroso da noite,
E não mais louvará o sol aparatoso.
Oh, tenho comprada a mansão de um amor,
Mas não tomei dela posse, e eu, que fui vendida,
Ainda de mim não usaram. É tão turvo este dia
Quanto a noite antes de algum festival
Para a criança que ganhou vestidos novos
E não pode usá-los. Oh, lá vem a minha Ama.
E traz notícias, e cada boca que pronuncie
Só o nome de Romeu, já alcança celeste eloquência.
Ora, Ama, que novas? Que trazes tu aí? As cordas
Que Romeu te pediu?
E que melhor ocasião que esta para fazer o devido encómio ao belíssimo blogue do tradutor/autor que não tem nada contra os seus preconceitos? Já aí está, nas Águas de Maio, há algumas semanas, mas deve ter passado despercebido. O Drama Pessoal, de Fernando Villas-Boas, aconselhado a quem aprecia escrita da boa, sumarenta, espontânea e rigorosa. Como há poucas.
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