terça-feira, novembro 13, 2007

Pareceste-me sempre muito mais velho do que eras. Não, não é velho a palavra. Crescido. Eras crescido. O teu rosto luminoso era sereno demais para os cinco anos que nos separavam. A serenidade do teu sorriso quando para mim levantavas os olhos da mesa onde estudavas, a mesa da cozinha, tinha a leveza de quem já se substituía ao pai longínquo na vida da casa e das mulheres da casa. Eras tão bonito. Estavas ali, do outro lado do rio. E continuaste sempre ali, do outro lado do rio. O rio tão fácil de atravessar, o cristo de costas para ti, e tu tão bonito e tão terno, à mesa da cozinha, os livros da escola à frente. Parecias-me tão adulto. E por isso hoje, quando te soube morto, foi o teu rosto adolescente que me roubaram. Eu tenho nove anos e tu catorze e eu estou novamente apaixonada, pequena e silenciosa, observando enlevada a tua claridade serena. A verdade é que não te conheci a idade adulta, retenho meros relâmpagos dos teus olhos em parcos almoços familiares, as tuas poucas palavras, o teu mesmo sorriso tranquilo, e dói-me hoje a estupidez de tantas vezes não ter atravessado o rio. E dói-me este desterro que me impede de te ver uma última vez e acreditar que foi com trinta e seis anos, e não com catorze, que te foste. Que me impede de abraçar a tua mãe destruída, o teu irmão desnorteado, o teu pai regressado e armado de elmos e escudos com cheiro a esteva alentejana. Chamavas-te Miguel. Chamas-te Miguel. A vida é estúpida e passa a correr.

5 comentários:

Anonyma disse...

Não, Manel.
Nós é que somos.
Profundamento estúpidos.
Por deixarmos que isso aconteça.

Que um bom vento te acompanhe.
E que os trilhos que percorres, sejam teus, tua escolha.
Fica bem.

Anónimo disse...

há pexoas k guardamos c carinho cá dentro mas "what the hell" proxeguimos c as noxas vidinhas xem voltar a elas e xem penxar mt nixo, pq afinal n devem ter axim tanta importanxia pa podermos paxar, mt bem, xem elas TB... e xó quando dexaparexem do mapa pa parte inxerta lol ou tão ximplesmente morrem é k nos aperxebemos da falta k afinal nos faxiam todos os dias e n xabiamos, de repente aperxebemo-nos dixo c uma clareza brutal k dói, mas aí fodaxe é tarde demais n é?...este texto tocou-m um pouco em cenas mt minhas confexo...é verdade anónima nós é k xomos profundamente estupidos i guess... Alguma vez aprenderemos?...

Anónimo disse...

n basta xaber k as pexoas tão lá...um dia deixam d tar e já n há maneira d as abraxar

Rodrigues disse...

Poça...

Beijo.

Raquel Alão disse...

Lá que passa a correr, passa... E não há forma de agarrar todas as vidas à nossa. O que não deixa de ser uma grande dor...


Muitos beijos...