segunda-feira, maio 21, 2007

Despertar brusco

Terá sido intuição. Terá sido sensatez. Terá sido alergia a certo tipo de lugares que o mais das vezes me faz sentir vazia e falsamente divertida. Não fui. Eram quatro da manhã e o Bairro esvaía o fim do domingo, as ruas desertas habitadas apenas por parcos cromos, como nós. Para dançar o destino repetido era Alcântara, mais precisamente um falado clube, desses em que o dinheiro novo se mói em decibéis, pó e shots. Não é defeito, é feitio, mas dá-me alergia, tédio, inadaptação. E se eu gosto de dançar. Baldei-me à festa. Para dormir duas horas e ser acordada por um pedido de ajuda. Para agarrar no carro e percorrer durante doze horas os caminhos entre farmácias, hotéis, hospital e esquadras. Para ver um amigo de lábio cosido, outro transtornado, sem entender o que lhe aconteceu nem como, sem memória imediata, o retrato da confusão, outro ainda deitado numa maca, de rosto deformado e nariz partido. Para ver o espanto estampado nos olhos dos poucos do grupo que não foram agredidos pelo exército de seguranças da dita discoteca, mortos de ânsia de se mostrar no seu esplendor bestial, salivantes por um rastilho que a noite etílica de bom-grado acende, prontos a pontapear na cara um homem já no chão, já inconsciente, já cuspindo sangue do meio do bolo que lhe servia de rosto.

Estou acordada, já. Muito acordada.

11 comentários:

Anónimo disse...

E que raio de maneira de acordar, minha querida! Ligo-te amanhã. Um grande grande beijo

MPR disse...

Retrato, infelizmente banal, da barbárie em que a noite se transforma regularmente, às mãos daqueles que estariam lá para a proteger. Quantos deles vão parar à cadeia?

Manel disse...

E depois falem-me dos cães...

João Barbosa disse...

bolas!

sara cacao disse...

Pôrra, arre!!!

K. disse...

O Horror chega e damos de caras com ele... nao deixo de pensar nisso e na fragilidade da nossa condiçao. Mas quando a estupidez e a imbecilidade do Homem se manifestam assim, entao é mesmo o fundo do poço...

As melhoras aos teus amigos, e que mal estejam recuperados façam com que quem agiu assim seja responsabilizado.

Manel disse...

Mas isto pôs-nos mesmo a pensar na condição humana, na ténue fronteira entre vida e morte, entre euforia e tragédia, entre gente e besta. E na violência que se alimenta de mais violência. Quanto às responsabilizações... está-se a trabalhar nisso. E talvez os animais ainda se surpreendam. Nos animais incluo os donos da discoteca.

Os meus amigos estão todos bem melhor, entre inchaços e rinoplastias, entre um certo humor que acabamos por encontrar como escape entre todos. Mas as imagens que temos na cabeça vão demorar a sair, sobretudo dos que estiveram envolvidos, que eu não fui mais que um bombeiro aflito. Não foi pior. Mas podia ter sido.

pedro efe disse...

é uma tristeza! :/

Rodrigues disse...

Nem sei o que dizer...
:/

Raquel Alão disse...

Estou como tu, adoro dançar mas detesto os lugares-comuns da noite e não suporto a perigosa fauna que a habita. Espero que os teus amigos já estejam melhor e a recuperar rapidamente e que não tenha havido lesões (pelo menos físicas) irremediáveis.

Agora, isso exigia a tomada de medidas legais... :-(

Anónimo disse...

Bolas... que horror!
Se precisarem de ajuda/conselhos para tratar dessas bestas, avisa.

Um beijinho.