sábado, setembro 05, 2009

You is nothing and still there is nothing but You 2.0

há a cara, aquela zona toda acima do pescoço onde achamos que mora a identidade, mas um morto é ainda reconhecível e no BI é também a ponta do indicador direito que deixamos. o eu é a identidade? é mais que isso? quão mais? será identidade assim tão pouco?

há aquela pergunta, recorre se não me falha: como é que a carne se transforma em espírito? mas está ao contrário, a pergunta, diz a vozinha dentro da minha cabeça-invólucro. se matéria é energia, então a pergunta está ao contrário. a não ser que a pergunta, científica por convicção, seja na realidade religiosa por inevitabilidade. de tanto querer fugir à noção de alma, trunca-se e cola-se-lhe. a matéria não é a origem, é um resultado. o cientista nega-se a si próprio se a negação se tornar mais importante do que a afirmação. a superstição materialista é quase tão supersticiosa como qualquer outra. mas sobretudo em relação com as outras superstições, é um forte inviolável.

e há a borboleta que justifica para a ciência a recusa do óbvio, que tira ao público o tapete que ele quer pisar, que instala a dúvida naquilo em que intimamente queremos acreditar: o amor e o eu.


e há o duplicado. o duplicado seguiu, o original ficou, o original é o excesso porque toda a memória, toda a história que fala do seu eu gramatical está a viver a experiência da sua vida, que lhe foi negada. mas na realidade o duplicado não está a viver esta experiência única de se saber duplicado e a mais, de se saber, sem sombra para dúvidas, o original. mas porque não surge essa sombra? será a carga simbólica que se põe numa aliança de casamento válida para desvalidar tudo? ou simplesmente, livrando-nos dela —da sombra— cremos resolver um problema dramatúrgico, porque realidades paralelas ou "uma vida, dois destinos" eram já outros quinhentos?

destes três pontos, foi a borboleta que me deu mais teatro, e esse lugar de dúvida entre o que é neurológico e o que extravasa, essa zona de névoa — palavra importante — é onde me está o teatro, o conflito entre a resistência e a fé. mas os autores não lhe dão a mesma importância.


não fiquei a morrer de amores pelo texto. é tímido, ocorre-me escrever. mas ia-me deitar sem tresvariar um bocadinho e não consegui. porque o espectáculo, o olho e os actores conseguiram trazer-mo a pontos em que ressoa. fiquem eles em que latitude do meu corpo ficarem.




Ego
de Mick Gordon e Paul Brooks
encenação de João Pedro Vaz
com Catarina Lacerda, Gonçalo Waddington e António Fonseca
Teatro Nacional D.Maria II — sala estúdio
até 11 de Outubro

Sem comentários: