domingo, setembro 13, 2009

ergo non

Na medida em que aceitarmos esta noção de relação sexual como referência absoluta, somos tentados a rescrever toda a história da filosofia moderna nos seguintes termos:
—Descartes: "Fodo, logo existo", isto é, só na actividade sexual intensa sinto a plenitude do meu ser (a resposta "descentradora" de Lacan a isto teria sido: "Fodo onde não existo, e não existo onde fodo", ou seja, não sou eu quem fode, mas "isso fode" em mim);
—Espinosa: Dentro do Absoluto enquanto Foda (
coitus sive natura), devemos distinguir, no mesmo sentido da distinção entre natura naturans e natura naturata, entre a penetração activa e o objecto fodido (há aqueles que fodem e os que são fodidos);
—Hume introduz aqui uma dúvida empirista: como sabemos se a foda, enquanto relação, existe? Só existem objectos cujos movimentos parecem coordenados;
—Resposta kantiana a esta crise: "as condições da possibilidade de foder são ao mesmo tempo as condições da possibilidade dos objectos [da] foda";
—Fichte radicaliza esta revolução kantiana: foder é uma actividade incondicional que se postula a si própria e que se divide em fodedor e objecto fodido, ou seja, é o próprio foder que pressupõe o seu objecto, o fodido;
—Hegel: "é crucial conceber o Foder não só como substância (o impulso substancial que nos subjuga), mas também como sujeito (como actividade reflexiva inserida no contexto do significado espiritual)";
—Marx: devemos regressar ao foder real e rejeitar a filosofice masturbatória idealista, ou seja, nos termos literais em que o expressou na Ideologia Alemã, a vida real está para a filosofia, assim como o sexo real está para a masturbação;
—Nietzsche: a Vontade é, na sua expressão mais radical, a Vontade de Foder, que culmina no Eterno Retorno do "quero mais", de uma foda que prossegue indefinidamente;
—Heidegger: do mesmo modo que a essência da tecnologia não é nada "tecnológica", a essência do foder não tem nada a ver com a foda enquanto simples actividade ôntica; ou melhor, "a essência do foder é o foder da própria Essência", isto é, não somos apenas nós, humanos, que fodemos a nossa compreensão da Essência, é a Essência que já está em si mesma fodida (inconsistente, retraída, errante);
—e, finalmente, a intuição de como a própria Essência está fodida, leva-nos à expressão de Lacan "a relação sexual não existe".

Slavoj Žižek, nota 108 ao capítulo "A Teologia Materialista de Krzysztof Kieślowski", in
Lacrimae Rerum, trad. Luís Leitão



Carmo, hoje de setembro de 2009


ou...


"Viver é foder."

João Ubaldo Ribeiro, in A Casa dos Budas Ditosos

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